introdução por Marcelo Costa
Faixa a faixa por Júlio Ferraz
Júlio Ferraz é músico, compositor e arranjador, tendo iniciado sua carreira em 2006 com o Novanguarda, uma banda que mesclava rock de garagem com elementos psicodélicos. Em 2016, lançou seu primeiro álbum solo, “A Ilha da Inconsciência no Espelho Polifônico das Bifurcações do Tempo”, pelo selo Discobertas, de Marcelo Fróes, que desde então vem acompanhando e registrando os passos do músico. “O Soturno Jarro Diamante” (2023) é seu quinto disco solo.
“O título é uma analogia aos sentimentos mais íntimos, aqueles que guardamos em nosso lugar mais secreto”, explica Júlio. “O jarro simboliza um lugar oculto, reservado, onde guardamos sensações e sentimentos que normalmente não colocamos para fora. Neste reservatório, os sentimentos ficam retidos até um dia transbordar. O diamante é a luz, o momento em que a energia cintila, trazendo leveza e refletindo todo seu brilho ao ambiente”, filosofa o músico.
“Este jarro diamante está cheio de canções soturnas”, antecipa o artista, com a consciência de que criou uma obra densa, tensa, bela e lírica, cuja voz surge muitas vezes escondida entre notas de piano, mellotron, violão e gaita. A depressão e a resiliência são temas que permeiam um álbum forte que nasce como registro de “momentos de confusão, tristeza e instabilidades das emoções. Este capítulo expõe minhas dores mais profundas, assim como as tentativas de me erguer”, conta Júlio.
“O Soturno Jarro Diamante” é daqueles discos minimalistas e especiais que não se contentam com uma audição desonesta. Para adentrar no território nebuloso de Júlio Ferraz em “O Soturno Jarro Diamante” você precisa mergulhar de peito aberto e ouvidos bastante atentos, porque entre nuvens lo-fi de psicodelia que trazem também marcas de blues, jazz e folk nos pulsos está um disco que merece a sua total atenção, e no qual você pode mergulhar ainda mais profundamente no faixa a faixa abaixo escrito por Júlio. Prepare o seu coração!
01) Corações Solitários – Essa música teve seus primeiros versos escritos no dia 28 de maio de 2022, em Recife, data em que começava a trágica chuva o qual Pernambuco vivenciou uma das maiores catástrofes naturais deste século, deixando mais de 130 mortos entre maio e junho. A canção é um lamento, que retrata o desamparo daqueles que são negligenciados nas áreas de risco em todo o país, sem que sejam feitas mudanças sociais efetivas, expressa meu pesar por um Brasil marcado pela desigualdade.
02) Tell Me If The City – A canção composta pela musicista e poetisa canadense Maud Evelyne chegou a mim em sua versão original em francês com o título de “Dis-moi si la ville”. Fiquei arrepiado com as possibilidades de linguagem musical e poesia, com a forma que Evelyne construía as cenas. As melodias também me tocaram muito, fiquei muitos dias com essa música tocando em minha cabeça. Em pouco tempo, começamos a conversar e a conhecer o trabalho um do outro. Surgiu então a ideia de gravar a sua versão em inglês, também composta pela própria Maud Evelyne. Recebi um take da gravação em piano e voz e, a partir daí, construí todo o arranjo. Quase na finalização da versão, senti falta da presença dela e a convidei para declamar os versos finais em seu idioma original. Foi uma honra e uma experiência nova para mim, pois costumo compor o disco inteiro. No entanto, nessa oportunidade, fui tomado por uma canção que me arrebatou, que me seduziu a trazê-la ao meu universo.
03) Autofagia – Em um mundo egoísta e tendencioso, é comum esbarrar em situações nas quais outras pessoas lhe enxergam como um adversário, mesmo quando você não é. Mesmo quando você encontra sua autonomia, cria seu próprio lugar e busca construir sua história, é natural que outras histórias aconteçam ao seu redor, verdadeiras ou não, afinal nem todos estão do nosso lado por bem. Mas é preciso ser maior que isso, ser maior que esse mal, devorando suas próprias dores. Por favor, agora mude o ângulo, olhe apenas com o olhar social, ou como alguém frágil passando na rua, alguém comum que, logo que acorda, já encontra barreiras para vencer. Quando sai de casa, percebe que essas barreiras e desafios estão por todos os lados, tendo como sua única solução seguir em frente. Não há escolha, este alguém digere suas próprias dores e dificuldades para continuar seguindo em frente. “Autofagia” fala sobre isso.
04) Canção Para Despertar – Um dia percebemos que tudo mudou, estando prontos ou não para os novos despertares. Surgem novos passos e com eles novos encontros. Versa sobre o amadurecer e a necessidade de entendimento. Sobre a naturalidade e a compreensão de que a vida se renova.
05) Dissociativo – O instante de conflito entre a percepção do sonho e da realidade. Surge a aflição, a dúvida de estar desperto ou não. Um momento dissociado do presente, o estado que se encontra entre o sono e a vigília. Entre o trauma e a realidade que conseguimos suportar. Os acordes dissonantes trazem a tensão, suscitam a dúvida: o que será real?
06) Aurora – Nascida de um sonho. Ao despertar, sua presença era tão real, tão claro foi registrar todo cenário e sua história. A melodia ecoava insistentemente em minha cabeça, foi uma experiência onírica que tomou forma e virou som.
07) Laura – Uma canção que fala sobre impulsividade e mudanças. A escolha de se autoavaliar, de modificar o próprio interior e de trilhar novos caminhos. Essa é uma estrada difícil de percorrer, porém todas elas são desafiadoras, não existem atalhos. Nessa jornada, muitos serão os frutos colhidos ao desbravar os caminhos ocultos em nossa mente.
08) Entre Espelhos – Uma cena que expõe a vulnerabilidade de nossa mente. Somos frágeis, porém dotados da capacidade de exercer a generosidade, aptos a estender as mãos. Desejo que esta canção seja uma mensagem de empatia e de encorajamento àqueles que passam por algum tipo de sofrimento mental.
09) Sem Saber Que Sou Eu – Aqui conto a história de um compositor cujas obras chegam ao público de uma maneira inesperada. A música tem esse poder, ela atinge pensamentos opostos e apazigua conflitos e ideias. O desejo de se fazer conhecido por suas obras e pela sua paixão, assim como as inquietações mais profundas do autor, ficam bem claras nessa faixa.
10) Hipotimia – Relato de minha vivência em um episódio depressivo, um momento que vivi, lutei e venci. Foram momentos de confusão, tristeza e instabilidades das emoções. Este capítulo expõe minhas dores mais profundas, assim como as tentativas de me erguer. Busco revelar todos os desafios e diferenças na apresentação deste sofrimento, mostrando todos os nuances das emoções que me inundavam naqueles dias. Assim como luto todos os dias pela melhora, espero que outras pessoas se identifiquem com minha história, escutem esta arte e encontrem nela forças para seguir.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.
Muito bom Júlio. Bem elaborado a divulgação.
Parabéns parceiro.
Abraco