15º In-Edit Brasil: Importante, “Chiquinha Gonzaga – Música Substantivo Feminino” resgata raízes negras da compositora

texto por Renan Guerra

Para uma geração, a primeira imagem que vem à mente quando se fala em Chiquinha Gonzaga é a figura de Regina Duarte na minissérie produzida pela Rede Globo no final dos anos 90, uma imagem que, hoje em dia, é bem questionável – e nem estamos falando do que a triste figura de Regina se transformou nesse país, mas sim que durante o século XX, a figura da compositora e maestrina carioca Chiquinha Gonzaga passou por um processo de embranquecimento, como foi usual com outras figuras históricas tal qual Machado de Assis e Mário de Andrade. Chiquinha era filha de pai branco e filha de mãe negra forra, bem como era neta de uma mulher negra escravizada. Todas essas nuances formam a gênese do trabalho artístico de Chiquinha Gonzaga e é isso que é analisado e debatido no documentário “Chiquinha Gonzaga – Música Substantivo Feminino” (2023), de Juliana Baraúna e Igor Miguel.

É importante pontuar aqui que quando se fala em embranquecimento de uma figura histórica, não estamos falando de algo deliberado, não é como se alguém em determinado momento decidisse “vamos embranquecer essa figura e tentar apagar as suas origens”. Estamos falando de algo sistêmico que colabora pouco a pouco para esse apagamento. Um ponto crucial nisso está na fotografia e como ela registra as pessoas a partir do final do século XIX. Todo o processo de revelação sempre levou em conta padrões brancos e todas as outras tonalidades de peles perdiam suas nuances nas fotos, e aí estamos falando tanto em fotos em preto e branco lá nos primeiros formatos rudimentares de fotografia até as modernas revelações da Kodak na segunda metade do século XX. Outro fator que leva a esse apagamento está na criação de memórias: famílias brancas e nobres sempre tiveram uma grande memorabília de seus antepassados, enquanto pessoas negras que vieram escravizadas para o Brasil tiveram suas narrativas vilipendiadas e esquecidas. Esse é o caso do lado negro da família de Chiquinha Gonzaga: muitas pesquisas se atentam muito mais a cronologia familiar paterna de Chiquinha e deixam de lado as histórias que vem dessa genealogia materna negra.

Nesse sentido, o documentário de Juliana Baraúna e Igor Miguel é como uma primeira porta aberta para essa discussão. Nos últimos anos tivemos pesquisas e exposições que atentaram para essa outra narrativa da história da maestrina, mas é interessante que isso vá para a tela do cinema e suscite outros debates. De formato bem clássico, “Chiquinha Gonzaga – Música Substantivo Feminino” ganha força pela sua narrativa bem alinhavada e bastante envolvente. Os diretores utilizam esses padrões do documentário para criar um desenvolvimento que consegue costurar tanto a história de Chiquinha como os debates em torno de sua importância e de seu legado para a cultura popular brasileira. E para isso eles se valem de uma gama de entrevistadas que dão sustentação a tudo.

Quando se fala de uma figura histórica lá do século XIX, não temos entrevistados que podem trazer essa narrativa afetiva sobre a personagem, então o que surge aqui são pesquisadoras e biógrafas que podem trazer um olhar mais atento para a história dessa protagonista. O interessante nesse documentário é a inserção de outras figuras femininas que são proeminentes em suas áreas e que veem em Chiquinha essa figura primordial. Pianistas, filósofas e historiadoras aparecem traçando um panorama muito rico sobre a importância da história de Chiquinha para a música popular brasileira, para o Carnaval de rua e até mesmo para a legislação em torno dos diretos autorais dos artistas.

Produzido em parceria com o Canal Curta!, logo o filme deverá ir para as telas de TV e isso é bastante enriquecedor, pois Chiquinha Gonzaga é uma figura central para pensarmos em uma arte brasileira múltipla e diversa e, nesse sentido, “Chiquinha Gonzaga – Música Substantivo Feminino” é um interessante pontapé inicial para revisarmos essa história a partir de outros olhares.

MAIS SOBRE O IN-EDIT BRASIL NO SCREAM & YELL

– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava

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