texto por Renan Guerra
Fausto Fawcett é uma figura ímpar na cultura brasileira. Nascido Fausto Borel Cardoso, Fawcett é um filho orgulhoso de Copacabana, e é de lá que seu radar aponta para o resto do mundo e para outras galáxias. De nome artístico inspirado em Farrah Fawcett, Fausto é poeta, compositor, escritor, músico e um cronista nato do nosso tempo e dos tempos futuros. Pioneiro do cyberpunk na literatura brasileira, é também responsabilidade de Fausto os primórdios do que podemos chamar de “rap rock brasileiro”, com suas potentes experimentações entre o canto e a fala, de onde nasceram clássicos como “Kátia Flávia, a Godiva do Irajá” e “Rio 40 Graus”, colaboração com Fernanda Abreu.
Só nesse compêndio já há possibilidades múltiplas para um documentário, mas Fawcett ainda tem mais a ser desvendado e é isso que surge na tela em “Fausto Fawcett na cabeça”, documentário de Victor Lopes, disponível na programação da 15ª edição do In-Edit Brasil (tanto presencial quanto virtual), festival focado em documentários musicais. O longa-metragem encontra Fausto ainda em seu habitat natural: Copacabana. E é de seu pequeno apartamento na zona sul carioca que fazemos uma viagem ao seu passado, desde o começo dos anos 80. De forma bastante linear, o filme acompanha as mais variadas fases da carreira do artista, desde seus trabalhos musicais ao lado dos Robôs Efêmeros até a sua voluptuosa trupe de loiras que fez sucesso gigantesco nos anos 90.
“Fausto Fawcett na cabeça” segue uma linha temporal bem estabelecida, mas não espere do filme um compilado de dados e informações precisas, pois o que move o ritmo da história são as memórias e os afetos de Fausto. Por isso mesmo seus reencontros são fundamentais para o andamento do filme. Em uma espécie de estúdio-caverna-inferninho em Copacabana, o documentário reúne o artista com nomes importantes tal qual Fernanda Abreu, Carlos Laufer e até sua musa-maior Regininha Poltergeist. Nesses encontros é importante frisar algo: a incômoda falta de créditos durante o filme; há uma moda recente em documentário de não colocar GCs que só faz atrapalhar ao público, pois cabe ao espectador ficar tentando adivinhar quem está em tela e qual a sua relação com o protagonista do filme; isso acaba prejudicando o entendimento e o fluxo da obra, o que é uma pena.
Misturando leituras poéticas, números musicais e performances à narrativa do filme, “Fausto Fawcett na cabeça” consegue apresentar a efervescência da mente desse artista tão múltiplo. É interessante como o filme é bastante focado em sua obra, sem interesses maiores em sua vida pessoal. Sabemos que ele teve problemas com álcool, em algum momento ele cita a não construção de uma família e até esboça alguns pensamentos mais íntimos, mas a investigação real do filme está muito mais em tentar entender como funciona a mente de Fawcett e como ele consegue transformar isso em arte. É como um olhar que deixa de lado o cotidiano e vai em busca de captar o sublime, o único e isso é que é misteriosamente interessante.
Entre os entrevistados, temos nomes importantes como Deborah Colker, que foi coreógrafa da trupe de Fawcett nos anos 1990; Katia B, que foi uma das loiraças da fase “Básico Instinto” na primeira metade dos anos 1990 e temos até a presença de Aleta Valente, artista e performer (mais conhecida por suas polêmicas do que por suas obras) que faz aqui uma conexão entre o passado e o presente ao reencenar um dos números mais famosos dos espetáculos de Fausto Fawcett (um segundo parênteses aqui, pois talvez o rosto de Aleta seja familiar para uma parte do público e tem um motivo: ela é uma das personagens do genial “Jogo de Cena”, de Eduardo Coutinho). De todo modo, de todos esses encontros, os mais enriquecedores são quando ele está ao lado de seus parceiros clássicos, como Laufer, que rende momentos muito interessantes e instigantes.
“Fausto Fawcett na cabeça” é como só um pedacinho dessa cabeça doida e instigante, e por isso é tão interessante ver Fausto falando de conceitos como a “fricção científica” ou sobre um Brasil enquanto cenário de um “Brega Runner”. O filme de Victor Lopes é como um cartão de visitas para que mais gente descubra a fascinante história de Fausto Fawcett e por isso merece ser visto e revisto.
MAIS SOBRE O IN-EDIT BRASIL NO SCREAM & YELL
– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava.