MITA Festival Rio 2023 – Dia 2: Mars Volta brilha enquanto fãs gritam ‘gostosa’ para Florence e Este Haim se declara para Xuxa

texto de Marco Antonio Barbosa

Saiba como foi o Dia 1

Se a escalação do primeiro dia do MITA no Rio de Janeiro surpreendeu pelo ecletismo, o line-up de domingo se aproximava da pura esquizofrenia. Cantorinha teen genérica X refugos do rock BR dos anos 2000? Pop californiano ensolarado x experimentalismo noise pós-progressivo? Florence + Machine para fechar a mistureba? Diferentemente do sábado, os ingressos de domingo não esgotaram e o Jockey Club demorou bem mais a encher no decorrer da tarde. Em compensação, a massa presente tinha mais cara de “público de festival” do que a plateia de sábado – mais preocupada em ver & ser vista.

Não pergunte quem é Sabrina Carpenter. Pergunte, em vez disso, como e por que a cantora americana conseguiu levar um razoável punhado de fãs para assisti-la no palco Deezer, debaixo de um sol inclemente. A própria Sabrina parecia espantada: “Se aqui no palco está calor, imagina vocês, aí de cara pro sol!”. Nepo baby (sobrinha da atriz Nancy Cartwright) e cria da linha de montagem Disney, a lourinha se apresenta sem playback. Aparentemente. E esse é o único fato mais ou menos notável sobre seu show: 50 e poucos minutos de dancinhas desajeitadas e muita conversa fiada com a plateia. O cover de “The Sweet Escape” (Gwen Stefani) sobrou em meio ao repertório anônimo e anódino.

Sabrina Carpenter

O Scracho também dispensa apresentação; a banda é (ou foi) manjada, pelo menos no circuito carioca. Mas também cabe a pergunta: o que eles estão fazendo nesse festival, após um hiato de exatos nove anos? No palco principal? E acompanhados do figuraça Maurício Baia, ainda por cima? O fato de a baterista Dedé ser apresentadora do Multishow, canal parceiro do MITA, influiu na escalação? Enfim, muitas perguntas… A banda passou o recado, mandando uma mescla (literalmente) ensolarada de pop, reggae e MPB vitaminada por covers de Rita Lee e Novos Baianos. Continua a fazer tanto sentido quanto fazia em 2009. Se isso é positivo ou não? Decidam aí.

Scracho

Já o reagrupado NX Zero surpreendeu por AINDA fazer sentido em 2023, seis anos depois de sua dissolução. A existência da banda se deve a um equívoco: a esperança, cultivada na primeira década dos anos 2000, de que o rock brasileiro ainda era viável no mainstream. Não era. No entanto, não avisaram isso aos milhares de pessoas que cantaram, a plenos pulmões, todas as músicas do show. Se as letras EMOtivas já nasceram mofadas, as melodias de hits como “Pela Última Vez” e “Razões e Emoções” ainda levantam a galera. E Di Ferrero repaginou-se como um Dinho Ouro Preto para a geração pós-Los Hermanos. Ninguém pediu por uma figura dessas, mas se alguém precisa assumir o posto, que seja ele, uai.

NX Zero

O sol se punha quando a galera postada no palco principal reconheceu um som familiar emanando do PA. Era… “Ilariê”, da Xuxa? Cantada em espanhol?!? É isso aí. Este Haim, baixista do HAIM (nascida em 1986) cresceu assistindo, nos EUA, a versão hispânica do “Xou da Xuxa”. Foi o início da paixão da moça pelo Brasil e sua porta de entrada para a música brasileira. (Felizmente, ela não parou por aí; chegou a estudar nossa música na faculdade.) É por isso que Xuxa introduz o show; é por isso que Este e as irmãs Danielle e Alana vestem tops verde & amarelos no palco; é por isso que a baixista faz questão de parar o show para contar a história toda e conduzir o público em mais um coro de “Ilariê”. Ela chegou a implorar: “Xuxa, eu deixei uma mensagem pra você no Instagram, por favor responda!”

As irmãs Haim fazem um pop saltitante que, ao vivo, ganha inegáveis contornos roqueiros, como em “My Song 5” e “Now I’m in It”. É a dose extra de energia que arredonda a fórmula das garotas: canções chicletudas e bem construídas, interpretadas com vigor juvenil. O trio oferece um terceiro paradigma para um MITA muito feminino, distante tanto da melancolia teatral de Lana Del Rey quanto do clima ritualístico evocado por Florence Welch. São naturalmente sensuais, espontâneas e parecem se divertir ainda mais que o público. E olha que deu para o público se divertir um bocado, com hits como “Want You Back”, “3 AM” e “The Steps”.

Haim

Lá no palco Deezer, um punhado de espectadores – reunindo provavelmente todos os heterossexuais que sobraram na plateia do domingo – aguardava o The Mars Volta. O vocalista Cedric Bixler-Zavala reconheceu que pisava em território “hostil”. “Vocês estão aqui prestando atenção em nossa música, e é por isso que amo cada um de vocês”, pontificou. Um clássico caso de banda certa no festival errado. Mas quem encarou, não se arrependeu. Cedric ainda dança como James Brown, berra como Ozzy Osbourne e ostenta aquela cabeleira digna de Rob Tyner, do MC5. É dessa forma que ele comanda a banda em um set de metal / psicodelia / progressivo / latinidade à melhor moda do TMV: indigesto, mas fascinante.

Mars Volta

Imagine ser um fã desavisado de Florence + The Machine e encarar a gigantesca versão de “L’Via L’Viaquez”, com suas alternâncias entre puro noise e cumbia caribenha. Ou “The Widow”, que começa blues e degenera para um jazz quase free jazz. Ou o total descontrole de “Cicatriz ESP” (sempre um ponto alto nos shows da banda), com o pedal de wah-wah de Omar Rodriguez-Lopez ganhando vida própria. Não deixaram de fora o single “Graveyard Love”, que marcou o retorno da banda em 2022 – mais compacta e concisa, igualmente desafiadora. O grande show do evento. Infelizmente, não havia muitos fãs desavisados de Florence assistindo: todos já estavam imprensados no palco principal, tentando se aproximar tanto quanto possível da cantora ruiva.

Florence Welch é um daqueles fenômenos naturais de força incontestável, mas inexplicável. Como, sei lá, o mito do suicídio em massa de lemingues. Dá pra entender seu apelo junto ao público alvo: a figura feminina forte e altiva que emana empoderamento para elas & elas. Seria a música um detalhe secundário? Não por acaso, a plateia se esgoela em berros de “Gostosa!” e “Mulherão da porra!”, mas ninguém grita “Caramba, que arranjos surpreendentes!” ou “Esse é o melhor refrão que já ouvi!”. Enfim, digressiono.

Florence + The Machine

Em um espetáculo centrado 100% na prostração do fã-clube ante a presença da diva, não sobra muito para os interessados apenas no som. Destaca-se um refrão aqui, como o de “Ship to Wreck”, ou um cover ali (“You Got the Love”, de Candi Staton), mas o espetáculo sempre foi ela, não a trilha sonora. “Dog Days Are Over”, o grande hit, vem no meio do show; talvez seja esse o único real momento de desafio às expectativas. Daí em diante, a adrenalina só sobe mesmo em “Kiss with a Fist”, o single de estreia de 2008. É quando Florence, enfim, deixa a banda se soltar um pouco, com direito a guitarras (um tiquinho) mais altas. Só que aí eu já estava imaginando se as irmãs Haim iriam cumprir a promessa de fazer uma noitada na Lapa…

No cômputo final, a etapa carioca do MITA cumpriu seu papel. Mas qual é esse papel, afinal? Com suas tendas temáticas, barracas de comida & bebida inflacionadas e uma miríade de logotipos de patrocinadores, o evento no Jockey Club foi virtualmente indistinguível de tantos outros que ocupam a Marina da Glória ou a Praia de Copacabana. É o suficiente para tirar de casa o carioca com o perfil de “gente bonita”, tão desejado pelos produtores locais. A curadoria musical – elemento que poderia fazer a diferença e dar uma real marca ao evento – se limitou a vender incoerência como “ecletismo”. Não fez diferença: no Rio, sempre vai haver gente para ir a um festival com Jorge Ben Jor ao pôr do sol e cachorros-quentes a R$ 32. Como dito na cobertura do C6, o carioca gosta de quermesse, não de música.

Saiba como foi o Dia 1

– Marco Antonio Barbosa é jornalista (medium.com/telhado-de-vidro) e músico (http://borealis.art.br). Fotos de Ariel Martini, Bia Zvedo e Gabriel Siqueira / Divulgação MITA Festival

4 thoughts on “MITA Festival Rio 2023 – Dia 2: Mars Volta brilha enquanto fãs gritam ‘gostosa’ para Florence e Este Haim se declara para Xuxa

  1. O texto está ótimo, afiadíssimo, mas o q são essas fotos tiradas com um celular Nokia 2009? Posso passar o contato de vocês para um amigo meu que é fotógrafo?

    1. Oi Gabi, obrigado pelo comentário e pelo interesse em indicar seu amigo, mas geralmente nós temos fotógrafos parceiros cobrindo eventos importantes. No caso do MITA, queríamos ter nossos fotógrafos no evento, mas eles não tiveram credenciamento aprovado e fomos obrigados a usar as fotos dispobilizadas pela produção – o crédito está no fim da página. Importante salientar que a gente conhece e admira muito o trabalho do Ariel, que fez algumas das fotos para o festival, e que esse resultado demonstra que ele e os demais fotógrafos do festival devem ter tido muita dificuldade para registrar o evento dentro das regras propostas pela produção que os contratou – alguns artistas, como a Lana, só permitem foto de longa distância, o que é uma pena, pois o resultado poderia ser outro.

  2. Até que em fim um texto critico e sensato, não aguentava mais todo esse oba-oba que as resenhas referentes a esses festivais vaticinam !!!

  3. Dos melhores textos de crítica de shows que já li!
    Afiado, irônico e muito bem escrito.
    Até li duas vezes, pq realmente vale a pena.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.