textos por Pedro Salgado, especial de Lisboa
“Leve♀Escuro”, MEMA. (Edição de Autor c/ apoio da Fundação GDA e do Fundo Cultural da SPA)
Sofia Marques, a artista de Aveiro (cidade do norte de Portugal) conhecida como MEMA., revelou-se com o EP “Cidade de Sal” (2020) apostando numa eletrônica pop de tons folk que obteve execução em diversas rádios portuguesas com a faixa pulsante “Perdi o Norte” e lhe assegurou ainda uma menção honrosa no concurso Novos Talentos Fnac 2020. No seu álbum de estreia, “Leve♀Escuro” (2023), MEMA. desenvolve uma reflexão sobre a sociedade atual numa perspectiva feminina, apresentando momentos luminosos e facetas mais densas. A matriz sonora do trabalho, que conta com diversos colaboradores, assenta no indie pop alternativo e na eletrônica e numa componente lírica revestida por doses adequadas de romantismo. Em função da sua especificidade, o disco acaba por ser uma aferição das capacidades de MEMA. como compositora, produtora e intérprete. Na maior parte das canções, a artista aveirense está à altura do desafio, destacando-se a sua entrega vocal nas faixas “Descontrolado” e “Imortal”. Outros momentos interessantes resultam do cruzamento sonoro entre a eletrônica, o folk e o rock (“De Cabeça”), enquanto a ritmicamente insinuante “Mulher” (inspirada pela morte no Irã de uma jovem mulher devido ao uso indevido do véu islâmico), tal como o pop agradável e de espírito hedonista de “Ligas” assumem-se como as canções mais marcantes do álbum. No fundo, “Leve♀Escuro” é uma estreia suficientemente positiva para uma artista que poderá elevar o seu potencial nos próximos trabalhos.
Nota: 7
Ouça: Spotify, Youtube, Bandcamp
“Prazer Prazer”, Beatriz Pessoa (Discos Submarinos)
No seu disco de estreia, “Primaveras” (2021), Beatriz Pessoa apresentou um conjunto de canções que assentavam numa ideia de recomeço, marcado pelo pop e pelas suas influências musicais brasileiras. As 10 canções que compõem seu mais recente trabalho, “Prazer Prazer” (2023), vão um pouco mais além e propõem um aprofundamento sonoro e lírico do rumo inicial, com o foco na bossa nova, MPB e algumas inclinações indie, estabelecendo uma nova ponte musical e comunicativa entre Portugal e o Brasil. O trabalho se beneficia também com a direção artística e a produção atenta de Marcelo Camelo (que conjuntamente com Beatriz assina a maioria das canções, num álbum que conta ainda com as colaborações de Ana Cláudia, Mallu Magalhães, Margarida Campelo, Momo e Wado) destacando-se o cuidado nos arranjos e o foco na maior soltura vocal da cantora e compositora lisboeta. O desígnio de auto-valorização e de fruição que atravessa o disco é evidente no pop solarengo da faixa título. Enquanto nos singles de carga rítmica marcadamente brasileira como o encantador “Passou Pequeno” ou o envolvente “Dona da Verdade”, que parece evocar uma nostalgia veraneante, vem ao de cima a escrita poética e o jogo de palavras sugestivo de Beatriz. Globalmente, “Prazer Prazer” é um trabalho acolhedor e satisfatório, onde a progressiva emancipação artística de Beatriz Pessoa é acompanhada por uma corrente genuína de felicidade.
Nota: 7,5
Ouça: Spotify, Youtube, Bandcamp
“Wide Wall, Tree Tall”, Cave Story (Edição de Autor)
A forma entusiástica como os Cave Story se entregam à sua música evidenciou-se em álbuns como “West” (2016) ou “Punk Academics” (2018), que permitiram ao quarteto das Caldas da Rainha (cidade da região centro de Portugal) criar o seu núcleo de seguidores e excursionar por Portugal e pela Europa. No novo disco, “Wide Wall, Tree Tall” (2023), o grupo refreia um pouco a sua intensidade sonora anterior, aproximando-se da contenção rítmica do EP “The Town” (2021). Contudo, a aposta em faixas mais curtas e a incorporação de sintetizadores e teclados não diminuiu o poder da banda, que assina alguns dos seus melhores desempenhos, por via da maior ousadia musical e da importância acrescida das palavras cantadas por Gonçalo Formiga. O single “Sing Something For Us Now” é um exemplo da maneira hábil de explorar uma linha instrumental e manter a sua vitalidade, enquanto “Ice Sandwich” exibe um teor pop irresistível, “Dead and Fermenting” investe no indie rock característico do grupo de forma convidativa e “Unexpected Advantage” parece evocar uma odisseia urbana simultaneamente explosiva e dançável. Num trabalho guiado tematicamente pela ideia de mudança e pela forma de lidar com as alterações inevitáveis que ocorrem na vida das pessoas, os Cave Story revelam uma confiança interpretativa superior e abrem caminhos estimulantes para aprofundar a sua identidade artística.
Nota: 8
Ouça: Spotify, Youtube, Bandcamp
– Pedro Salgado (siga @woorman) é jornalista, reside em Lisboa e colabora com o Scream & Yell desde 2010 contando novidades da música de Portugal. Veja outras entrevistas de Pedro Salgado aqui.