texto de Renan Guerra
Joana tem 13 anos e está naquela fase entre a pré-adolescência e a adolescência. É o fim de um verão no litoral do Rio Grande do Sul e ela retorna para sua casa para o velório de sua tia-avó. Essa é a tal “primeira morte” que está presente no título do filme de Cristiane Oliveira, “A Primeira Morte de Joana”, um olhar delicado sobre esse processo de amadurecimento que é desencadeado por experiências novas e que nos desestabilizam. A morte da tia-avó da protagonista a coloca diante de uma questão: por que sua tia nunca teve um namorado? O que levou essa senhora a viver uma vida de “solteirona”?
Letícia Kacperski dá vida a jovem Joana e ela é nossa condutora durante o filme, é pelo seu olhar que descobrimos o mundo que a cerca. Acompanhamos a sua relação com a perda da tia-avó, sua rotina cotidiana ao lado de sua mãe e de sua avó que fazem cucas para vender na cidade, bem como seu dia a dia escolar e sua relação com sua melhor amiga, Carolina (Isabela Bressane). As duas meninas vivem em uma cidade de imigração alemã, tanto que a mãe de Carolina mora atualmente na Alemanha e ela vive na cidade com o seu pai, após os dois retornarem para o Brasil. Carolina é a parceira de Joana nessa espécie de investigação para desvendar o porquê da solteirice da tia falecida e é nesse percurso que as duas descobrem e investigam suas próprias desventuras de amadurecer.
Segundo longa-metragem da premiada cineasta gaúcha, “A Primeira Morte de Joana” foi filmado entre novembro e dezembro de 2018 na região de lagoas do Rio Grande do Sul, com locações nas cidades de Osório e Santo Antônio da Patrulha. A trama do filme se passa nos anos 2000, algo próximo de 2007, e essa escolha de locação se deu em razão da transformação pela qual a região passou entre 2006 e 2007 com a instalação de um enorme parque eólico que tem uma função bastante simbólica dentro da história. “A Primeira Morte de Joana” fez uma interessante carreira em festivais nacionais e internacionais, somando 11 prêmios e mais de 40 festivais – destacamos aqui o prêmio da crítica no Festival de Gramado de 2021.
Esse sucesso do filme com a crítica pode ser explicado pela delicadeza da condução de sua história. Cristiane Oliveira escreveu o roteiro do longa ao lado de Sílvia Lourenço, que é atriz, roteirista e preparadora de elenco, e é interessantíssimo como as duas conseguem conduzir o expectador por um filme que é aparentemente simples, mas extremamente sinuoso em suas complexidades e amplitudes. A forma como o roteiro constrói cada personagem feminina e como essas personagens são lidas pelo olhar de Joana é muito cativante, pois nos coloca nessa perspectiva juvenil de quem descobre o mundo e descobre que as vivências de cada pessoa são mais complexas do que parecem na superfície.
Nessa narrativa sutil que avança pelo filme, as jovens Joana e Carolina acabam por se emaranhar nas descobertas de suas próprias sexualidades e desejos. E isso não é um spoiler, até porque “A Primeira Morte de Joana” é um filme muito mais construído a partir das sensações e vivências do que de uma narrativa de surpresas e segredos. O longa de Cristiane Oliveira se preocupa muito mais em captar toda essa sensação de deslocamento, de dúvida e de solidão que a adolescência pode nos trazer e é nisso que o filme se torna tão rico. É um mergulho de novo em nossos medos e prazeres da juventude.
De caráter belo e delicado, “A Primeira Morte de Joana” é um olhar muito terno sobre as descobertas da adolescência, sobre se entender enquanto uma pessoa LGBTIA+ no mundo e sobre experimentar outras vivências, e por isso mesmo merece ser visto de peito aberto.
– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava.