texto por Paolo Bardelli
Carly Simon foi um ponto de referência feminina no início dos anos 70, mas, acima de tudo, depois de ter caído um pouco no esquecimento, vem sendo “redescoberta” ao longo do tempo, principalmente a partir do momento em que surgiam – nos anos 2010 – uma série de artistas femininas com total controle sobre sua produção musical: sua autonomia musical precursora, suas composições autorais cativantes, seu lado emocional combinado com uma garra inata, sua fusão entre soft rock e pop são características fundamentais para explicar sua atualidade e o motivo de seu resgate. Nesse sentido, Taylor Swift foi das jovens artistas a mais ativa, tendo convidado Carly a subir ao palco com ela em 2013 para cantar “You’re So Vain” num show esgotado em Foxborough, perante 55mil pessoas, na sua Red Tour.
Não obstante, Carly Simon começou a aparecer na lista de diversas artistas sendo citada como modelo por gente como Tori Amos e Carly Rae Jepsen, e até uma menina muito jovem como Clairo deu a ela um verdadeiro endosso no especial “Women Shaping the Future” 2021, da Rolling Stone USA, numa reportagem que pedia a 12 artistas atuais da música para falar sobre as mulheres que mais as inspiraram em suas vidas e carreiras. Finalmente, Carly Simon foi incluída no prestigiado Roll Hall of Fame no início deste novembro de 2022 junto com Eminem, Duran Duran, Dolly Parton, Lionel Richie, Eurythmics, Judas Priest e Pat Benatar, e – incapaz de estar presente pessoalmente – foi representada por Olivia Rodrigo, que ao fazê-lo juntou-se assim ao clube dos seus admiradores, dedicando a ela um cover da onipresente “You’re So Vain”. Música que, aliás, está em “No Secrets”, álbum que completou 50 anos em novembro de 2022.
No começo dos anos 1970, Carly era contratada de uma gravadora importante, a Elektra, casa de Doors, Stooges e Tim Buckley, entre outros. Seu disco de estreia lhe rendeu um Grammy (Best New Artist) e os dois primeiros discos bateram no número 30 da Billboard: Simon saiu da penumbra para se transformar em um estrondo. Na minha opinião, o debute (lançado em fevereiro de 1971) é o melhor entre os três primeiros discos de Carly, pois, acima de tudo – além de algumas canções country folk tendo o inevitável violão como instrumento principal, caso de “One More Time” e “Alone” – são as músicas onde o piano é o protagonista – como o single “That’s the Way I’ve Always Heard It Should Be“, “The Best Thing” ou “Just a Sinner” – que soam incrivelmente modernas: a sonoridade pop do piano (o pai de Carly era pianista de música clássica) mistura-se com acelerações elétricas que são herança da era hippie, mas que ficam em segundo plano face a uma perfeição formal global que tende, se quisermos exagerar, a um certo barroco. Como não notar, na poética atual de Weyes Blood, a influência decisiva de canções como a bela “Another Door”?
Nove meses após ter lançado o disco de estreia, em novembro de 1971, Carly Simon surge com seu segundo álbum, “Anticipation”, gravado em Londres (o primeiro foi gravado em “sua” Nova York). O ambiente aqui soa mais arejado e levemente psicodélico como se Simon estivesse mais nas nuvens do que no chão, resultando em um álbum que merece ser ouvido, mas que é notadamente inferior ao primeiro.
E assim chegamos a “No Secrets”: Simon continua gravando em Londres, cidade que – ela declararia na entrevista disponível em vídeo abaixo – “ela ama mais que Nova York”, com uma equipe “mista”, meio americana-europeia: o produtor é o nova-iorquino Richard Perry, que tinha um ouvido mais pop que os produtores anteriores que eram de filiação tipicamente rock (a estreia foi com Eddie Kramer, que já havia trabalhado com Beatles, Kinks, Jimi Hendrix e Led Zeppelin, enquanto o segundo disco ficou com Paul Samwell-Smith, ex-baixista dos Yardbirds), tendo já produzido artistas de “rádio” como Barbra Streisand; as orquestrações são do inglês Paul Buckmaster, que havia orquestrado “Space Oddity”, de David Bowie; e – sobretudo – o baixo é do alemão Klaus Voormann, radicado em Londres.
Voormann é um personagem menor, mas importante para aquela cena: ele tinha como crédito a arte da capa de “Revolver”, dos Beatles, e as linhas de baixo de “Perfect Day” e “Satellite of Love”, de Lou Reed: bastante eclético, não? Voormann também soa marcante ao lado de Carly Simon: é ideia dele aquele riff de baixo inicial em “You’re So Vain”, muito reconhecível e ao mesmo tempo estranho. A gênese, porém, é controversa: no documentário “Classic Albums – No Secrets” (2017), Voorman declara que ouviu bem o começo da letra e como Carly cantava sobre um “homem vaidoso, que brilhava”, fez deliberadamente uma introdução “que se destacava” enquanto o produtor Richard Perry diz que Voorman estava apenas aquecendo as mãos e foi ele quem pediu para que Klaus fizesse o que estava fazendo casualmente de novo. Ainda assim, muita gente perguntou – através das décadas seguintes – como Klaus conseguiu aquele efeito, e ele simplesmente respondeu que lhe veio naturalmente porque tem noções básicas de estudo de violão clássico.
Ok, a introdução é realmente “algo”, mas se “You’re So Vain” permaneceu “imortal” é sobretudo por seu texto que trouxe consigo décadas de aprovação feminina: como terminar uma história de amor? Dar de ombros e ser “implacável” com o ex. “Você entrou na festa como se tivesse chegado de iate”: impressionada. “Você é tão vaidoso que provavelmente pensa que essa música é sobre você”: boom! Atingido e afundado! O “lenço laranja”, “uma olhada no espelho” para verificar se está tudo em ordem, tudo remete a um homem muito cheio de si, que pode partir imediatamente com seu avião particular para ir ver um eclipse solar na Escócia, mas que deixa para trás as pessoas que ama, ou melhor, que amava. Sentido: Um “son of a gun”, que é uma forma educada de dizer “son of a bitch”.
Carly Simon acabou sendo muito apreciada justamente por ser apaixonada e sincera. Não era mais o tempo do amor livre e ela encarnava a consciência de uma monogamia finalmente igualitária e não tendenciosa aos “desejos masculinos” (“Papai, eu não sou virgem / E já esperei demais”, canta em “Waited So Long”). Ela vinha de romances com Cat Stevens e Warren Beatty (a quem parece ser “dedicada” “You’re So Vain” – Carly confirma que “o segundo verso é Warren” e que embora “Warren pense que tudo é sobre ele, ele é o assunto apenas desse verso, com o restante da música referindo-se a dois outros homens, ainda sem nome“) até seu primeiro casamento com James Taylor, que aconteceu algumas semanas antes do lançamento de “No Secrets” (eles vão ficar juntos até 1983). Simon, inclusive, inclui um cover de “Night Owl” do maridão em “No Secrets”, virando o do avesso: se o original é meio bobo, a versão de Carly Simon é envolvente e rock, e ela também mostra ser capaz de registros vocais graves.
A chave para o sucesso de “No Secrets”, que alcançou o número 1 da Billboard, é certamente a produção: um disco pop cristalino e verdadeiramente radiofônico. Mesmo que a comparação possa parecer exagerada, Perry fez com Carly Simon o mesmo trabalho que Butch Vig fez com o Nirvana: limpou as arestas, aumentou o brilho, inseriu uma camada de luxuosa elegância. E as colaborações fazem o resto: Mick Jagger faz backings em “You’re So Vain”, Paul e Linda McCartney marcam presença em “Night Owl” – Carly Simon não estava em Londres a passeio…
Por fim, o disco é enriquecido por uma capa que é uma bela fotografia de Carly Simon tirada em Notting Hill, obra de Ed Caraeff, fotógrafo famoso pela foto de Jimi Hendrix incendiando sua guitarra no Monterey Pop Festival de 1967. Caraeff a retrata simples, na rua, muito casual, confortável em sua indiferença feminista (não usar sutiã em 1972 era uma clara afirmação feminista). O site “Carly Simon – Album Covers” afirma: “Como as outras fotos (abaixo) demonstram, os dois passaram por uma série de configurações e trocas de figurino, algumas das quais faziam referência ao single principal do álbum, com um chapéu que poderia ser estrategicamente colocado sob um olho e um cachecol cor de damasco. No final da sessão, no entanto, Caraeff não estava convencido de que havia terminado o trabalho. Então ele a seguiu enquanto ela voltava para o Portobello Hotel, em Notting Hill, e continuou a clicando na rua. Foi dessa sessão improvisada e não planejada que acabou resultando a foto da capa do álbum.”
“No Secrets” é um disco que tem muitas histórias, e que contém muitas das razões pelas quais Carly Simon é tão citada como inspiração nos dias de hoje. E se por vezes algumas das suas melodias podem ser, para alguém, um pouco açucaradas, basta ouvir com atenção as progressões harmônicas de matriz beatle de canções como a derradeira “When You Close Your Eyes” para mudar imediatamente de ideia. “No Secrets”, um álbum que é a personificação da verdadeira paixão, determinação e autonomia musical feminina. Um disco que você precisa ouvir.
Texto publicado originalmente no site italiano Kalporz, parceiro de conteúdo do Scream & Yell.