textos de Marcelo Costa
“Um Crime Argentino” (2022), de Lucas Combina (HBO Max)
Rosário, 1980. Sob a sombra da violenta ditadura argentina, um caso policial chama a atenção: um bon vivant, filho de uma família argentina descendente de turcos, desaparece de maneira aparentemente misteriosa numa época em que desaparecer misteriosamente não era tão incomum, principalmente se a pessoa fosse “adversária” do regime ditatorial. Porém, esse não era o caso do turquinho Gabriel Samid, que estava mais interessado em gastar o dinheiro da família em bares, restaurantes e bordeis de luxo. Por isso, exército e polícia se “juntam” para tentar desvendar o desaparecimento do homem. Baseado no romance do jornalista e escritor Reynaldo Sietecase, que por sua vez tem como centro um caso real acontecido em Rosário em 1980, “Un Crime Argentino” (disponível na HBO Max), estreia na direção de Lucas Combina, padece de ambição, pois todos os elementos para um bom filme estão presentes na trama, que, no entanto, corre solta demais tentando abarcar humor, romance, amizade e ditadura, e deixando o clima noir – tão necessário ao estilo de filme proposto – se esvair. Ainda assim, o resultado mediano é recomendável, pois o grupo de atores cumpre bem o seu papel, com destaque para os veteranos Luis Luque, brilhante como o juiz que conduz o caso pressionado por um tenente coronel do exército, e Darío Grandinetti, colaborador frequente de Almodóvar, sem contar que a história real é… tenebrosa, vasculhando não só os porões da ditadura argentina como também dos crimes quase perfeitos, não fosse um crime argentino. Para assistir despretensiosamente.
Nota: 5
“Glass Onion: A Knives Out Mystery” (2022), de Rian Johnson (Netflix)
No embalo da recepção calorosa dedicada a “Entre Facas e Segredos” (“A Knives Out”, 2019), uma sequência para o hilário (e, agora, cada vez mais forçado) detetive Benoit Blanc (o ex-007 Daniel Craig) era bastante presumível. E ele retorna acompanhado de um elenco estelar que, além de Beatles (“Glass Onion”, um dos clássicos do antológico “White Album”), ainda conta com pontas de Ethan Hawke, Hugh Grant e Serena Williams, entre outros. A trama, no entanto, é aquela bobajada em que o roteiro tenta fisgar o espectador para fazer o que quiser com ele, já que todas as prerrogativas para as bobagens em cena estão nas mãos do… roteirista, e o espectador só fica tentando caçar um fio a que possa se agarrar. Dito isso, temos um milionário maluco (Edward Norton vibe Elon Musk) que vive isolado em uma ilha grega, local em que planeja um jogo de detetive com alguns de seus “melhores” amigos, uma ex-modelo (Kate Hudson ótima no papel bela e burra estilo Luana Piovani), um Youtuber machista que anda com uma arma na cintura mesmo quando de sunga (Dave Bautista excelente), uma governadora (Kathryn Hahn sempre incrível), um gênio da tecnologia (o ótimo Leslie Odom Jr.) e uma ex-sócia (Janelle Monáe sendo Janelle Monáe, ou seja, espetacular). Daí você já sabe: alguém vai morrer, tudo mundo vai parecer culpado e Benoit Blanc irá tentar desvendar a trama, certo? Por aí… “Glass Onion” é entretenimento esquecível, aquele tipo de piada que você ri divertidamente ao final, mas esquece logo em seguida – com a diferença de que essa piada dura 2 horas e 19 minutos. Um é pouco, e dois já soa demais, mas alguém duvida que Benoit Blanc ainda vá retornar para desvendar muitos mistérios? Esse é fácil de resolver, vai.
Nota: 6
“Argentina, 1985” (2022), de Santiago Mitre (Amazon Prime)
Após a morte de Perón em 1974, a Argentina entraria em período de caos que culminaria em seu último regime ditatorial. Estima-se que mais de 30 mil pessoas desapareceram entre 1976 e 1983 por culpa dos militares do país – a Argentina integrava a Operação Condor, campanha de repressão política promovida pelos Estados Unidos e que também contava com Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai, um grifo importante para valorizar os acontecimentos de 1985, já que além do julgamento de Nuremberg (1945/1946), sobre crimes do nazismo, e de um julgamento contra coronéis golpistas gregos em 1975, a classe militar, via de regra, era anistiada após seus golpes, não pagando por seus crimes. “Argentina, 1985”, de Santiago Mitre, lança luz sobre o histórico julgamento em um tribunal civil de nove líderes militares da ditadura argentina em um país que havia pouco recuperado sua democracia, ou seja, ainda era assombrado por milicos. Tendo Ricardo Darin à frente, como o juiz Julio Strassera, responsável por conduzir o caso, o que temos aqui é um autêntico filme de tribunal, cuja permissão por acompanhar os bastidores valoriza a conquista corajosa da justiça argentina. Indicado pelo país para representá-lo no Oscar 2023, “Argentina, 1985”, no entanto, é muito mais um bom filme sobre uma grande história do que, necessariamente, um grande filme. Todos os elementos cinematográficos estão bem-dispostos na trama, as atuações são convincentes e a direção é segura, e tudo isso, junto, valoriza um dos momentos mais importantes da história argentina, e do mundo, no século passado. Para assistir e não deixar a história se repetir.
Nota: 7
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.