entrevista por Marcelo Costa
Chris Fuscaldo é uma escritora, cantautora, pesquisadora musical e jornalista que tem na música uma de suas maiores inspirações. Seja como artista – o disco “Mundo Ficção”, seu debute, saiu em 2017 –, como jornalista e, agora, editora de livros, Chris carrega a música consigo pra onde quer que vá. Lançou seu primeiro livro em 2016, “Discobiografia Legionária”, uma biografia sobre a Legião Urbana, e os frutos da experiência dessa primeira empreitada fizeram nascer a editora Garota FM Books, que nasceu no esquema “faça você mesma”: desgostosa da relação que teve com a editora de seu livro de estreia, Chris criou uma editora para lançar seu segundo volume, “Discobiografia Mutante” (2018).
Enquanto co-escrevia um “road book” sobre Belchior e coordenava a produção do Museu virtual “O Ritmo de Gil” pela plataforma Google Arts & Culture, que só foi lançado em 2022, Chris começou a se deparar com projetos incríveis de novos livros que, segundo ela, “o mercado tradicional não abraçaria”, e abriu as portas da editora para parceiros. Com isso vieram ao mundo “Jimmy Page no Brasil“, de Leandro Souto Maior em 2020, e, em 2022, mais quatro volumes: “Renato, o Russo“, de Julliany Mucury, “O Produtor da Tropicália – Manoel Barenbein e os álbuns de um movimento revolucionário“, de Renato Vieira; “1979 – O ano que ressignificou a MPB“, volume organizado por Célio Albuquerque que reúne textos sobre 100 discos do período; e “Cantadas – Ensaios sobre 35 grandes vozes de mulheres da música brasileira“, de Mauro Ferreira.
Na conversa abaixo, Chris Fuscaldo conta um pouco mais sobre a ideia da Garota FM Books, comenta sobre os livros lançados pela editora e adianta projetos, entre eles “De Tudo Se Faz Canção – Os 50 Anos do Clube da Esquina”, um livro organizado por ela ao lado de Márcio Borges que reunirá textos de Lô Borges, Milton Nascimento, Fernando Brant, Ronaldo Bastos, Wagner Tiso e Toninho Horta, entre outros, para celebrar as cinco décadas de um dos álbuns que revolucionou a música brasileira, além de um vindouro livro sobre Paul McCartney aproveitando a provável passagem do ex-beatle pelo Brasil em 2023. Ela também deve “arrumar a casa”, já que a editora cresceu “meio desordenadamente”, para que a editora continue oferecendo bons livros para apaixonados por música. Leia a entrevista abaixo. Fala, Chris!
Como surgiu a ideia da Garota FM Books? De ter uma editora voltada para livros sobre música?
A Garota FM Books surgiu de uma certa necessidade de fazer acontecer biografias da música brasileira. Uma necessidade minha e, de certa forma, de um mercado atrasado pela proibição de sua biografia por Roberto Carlos. Eu comecei a procurar editoras para meus projetos em 2008 e só consegui assinar meu primeiro contrato – do “Discobiografia Legionária” – em 2016, no ano seguinte do “cala a boca já morreu” pelo STF. Achei que tinha me encaminhado, mas fiquei três anos sem receber meus direitos pelas vendas. Isso me encheu de tristeza, mas é daí que saem as boas ideias e, no meio disso, em 2018, tive a ideia de editar o “Discobiografia Mutante” sozinha. Durante o processo, criei a Garota FM Books para dar um selo ao livro bilíngue que fez a virada da minha carreira, pois teve grande repercussão no Brasil e nos Estados Unidos, tendo sido vendido até em loja no Japão. Naquele momento a ideia não era editar para outras pessoas, mas começaram a aparecer pessoas muito legais com projetos incríveis que eu sabia que o mercado tradicional não abraçaria. Esperei terminar meu doutorado e ter o museu do Gil bem adiantado para colocar a segunda campanha de financiamento coletivo no ar: em novembro de 2020, do “Jimmy Page no Brasil” (Leandro Souto Maior).
E recentemente chegaram às livrarias alguns novos lançamentos da Garota FM Books, e eu gostaria que você comentasse sobre eles: o que você achou do “O Produtor da Tropicália – Manoel Barenbein e os álbuns de um movimento revolucionário”, do jornalista e pesquisador musical Renato Vieira?
Quando ouvi o podcast do Renato Vieira com o Manoel Barenbein, lançado só dentro do Discoteca Básica, pirei. Quanta informação que nenhum livro nunca deu! Quando delicadeza nas falas daquele que foi importantíssimo para o surgimento da Tropicália! Propus ao Renato transformarmos aquele papo em livro. Então, acho do livro a mesma coisa que acho do podcast. A diferença é que temos uma capa linda feita pelo publicitário e designer Renan Valadares e um projeto gráfico que me permitiu fazer parte dessa história que já amava antes e amo mais ainda agora.
Esse livro sobre o Manoel me deu o estalo de que a gente deixou os produtores de lado na história da música brasileira. Alguns conseguiram construir um nome, mas pouca gente sabe realmente da história da maioria deles. Existem outros cuja carreira você acha que merecia ser esmiuçada?
Há anos eu falo sobre isso por aí. O meu livro “Discobiografia Legionária” já havia me despertado para isso. Não à toa eu costumo dizer que os personagens mais interessantes dali são os “coadjuvantes”, que são os produtores, os técnicos de som e toda a turma que em geral só aparece nos créditos (quando são creditados). A entrevista com Mayrton Bahia para esse livro sobre a Legião Urbana me deixou com uma baita vontade de fazer um livro só sobre ele. “O Produtor da Tropicália”, de certa forma, também cumpriu uma missão minha de ter o Manoel Barenbein valorizado. Há muitos outros aí para contar boas histórias: João Augusto, Liminha, Rick Bonadio, Dudu Borges (para falarmos do universo sertanejo, também tão rico no mercado nacional) e Mahmundi (para não esquecermos que há mulheres incríveis produzindo por aí).
Recentemente também saiu “1979 – O ano que ressignificou a MPB”, que deve ter sido um esforço colossal de todos da Garota FM Books, tanto no quesito de unir os resenhistas quanto se fechar no discos. Mas achei a ideia incrível. Primeiramente: por que 1979?
Essa foi uma ideia do organizador, Célio Albuquerque, que em 2013 organizou um outro livro parecido chamado “1973 – O ano que reinventou a MPB”. Estávamos assistindo juntos a um curso de história da música brasileira ministrado pelo Rodrigo Faour no qual muito se falou da produção nacional em 1979. Foi o ano da Anistia Internacional, o que ajudou na abertura do mercado. Foi também o ano em que as gravadoras mais investiram em mulheres após o boom de Clara Nunes. Também os discos independentes como o de Antônio Adolfo tiveram seu espaço. Saiu de tudo naquele ano. E o livro traz de Lulhi e Lucina a Gretchen, passando por Paulinho da Viola, Gilberto Gil etc.
E como foi pra você o processo de construir esse livro, “1979 – O ano que ressignificou a MPB”?
Naquele curso de que falei, o bichinho mordeu Célio, que de 2019 a 2021 ficou coordenando os convites aos colaboradores. Como a editora ainda não estava na ativa naquele momento, eu primeiro só era uma das autoras. Escrevi sobre o “Ave de Prata”, álbum de estreia de Elba Ramalho. Em 2021, começamos a falar sobre edição no início do ano. Minha participação na curadoria foi apenas pedindo para que, se ele havia conseguido 93 discos e autores, que chegasse a 100. E questionei a ausência de alguns que ele acabou incluindo. A edição deu um trabalho danado. Padronizar os textos, tentar conferir dados, fazer mil revisões… Mas valeu o trabalho. O “gigante amarelo” ficou lindo!
Outro volume recente que também chegou nas livrarias foi “Cantadas – Ensaios sobre 35 grandes vozes de mulheres da música brasileira”, do jornalista e crítico musical Mauro Ferreira, responsável por, talvez, um dos poucos espaços sobre música na grande mídia brasileira. Conta um pouco sobre esse livro?
Outro convite meu. Mauro Ferreira lançou em 2013 um livro com o mesmo nome, “Cantadas”, perfilando 25 cantoras. Eu adorei e usei muito ele para consulta em minhas pesquisas. Ano passado, lembrei que ele estaria celebrando seus 35 anos de carreira e 10 deste livro, que acabou não tendo distribuição e ficado meio restrito a quem teve a chance de comprá-lo na época. Sugeri ao Mauro reeditá-lo pela Garota FM Books. Ele topou contanto que pudesse reescrever os textos e incluir mais 10 mulheres. Até pensamos em mudar o título, mas é um nome tão forte que deixamos. De Anitta a Maria Bethânia, ele destila seu texto tão próprio e exalta o poder da voz feminina. Tudo a ver com pesquisas que faço há anos sobre a mulher na música brasileira.
E o que vem por ai? Tem um sobre Clube da Esquina e 2023 inteiro! O que é possível revelar?
O Clube da Esquina está no forno, quase saindo. Organizado por Márcio Borges e por mim, tem textos de Milton, Lô e todos os outros que participaram da história, além de uma breve biografia escrita por mim e um faixa a faixa com pessoas que eu queria há tempos trazer para meus projetos (você, Ana Maria Bahiana, Charles Gavin e tantos outros). Vou começar 2023 fazendo um balanço, porque este ano foi incrível, mas crescemos meio desordenadamente. Tivemos presença em várias feiras literárias (Flip, Filigram, Flipoços) e conseguimos entrar em lojas como Travessa e Vila. Mas não conseguimos aumentar a equipe e isso me sobrecarregou demais. Além de ter que ver isso, tenho um livro para terminar e o site da editora para montar. Só vou entrar com novo projeto lá pra março ou abril. Posso adiantar só que devemos aproveitar a vinda de Paul McCartney para pensar em algo. De resto, são só vontades por enquanto.
– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne