texto por Renan Guerra
Casey (Josh Lavery) surge na tela como uma espécie de cáuboi em busca de caronas pelas estradas da Austrália. Seu rumo final é Sidney. Entre encontros furtivos na beira da estrada e sexo casual conseguido através do aplicativo Grindr, Casey conhece Tib (Daniel Gabriel) e surge entre os dois algo entre a amizade e o namoro, porém a insegurança e as dificuldades de ambos acabam criando rupturas nessa relação. Esse é uma espécie de resumo simplificado de “Solitário” (“Lonesome”, no original, 2022), filme de Craig Boreham, que tenta lançar um olhar sobre essa vida dos homens gays nas grandes cidades – incluíndo aí o combo sexo casual via apps, drogas e um bocado de solidão.
Casey e Tib nos são apresentados aos poucos na tela. Primeiro conhecemos o seu lifestyle, que inclui trabalhos esporádicos, encontros sexuais múltiplos e um distanciamento familiar por diferentes motivos. Tib teve sua mãe deportada do país, enquanto Casey fugiu de sua cidade natal após um escândalo envolvendo a descoberta de sua homossexualidade e seu envolvimento com um homem casado e pai de família. Na hora de nos contar as coisas, o roteiro tem algumas escolhas complexas, há uma expositividade muito latente, isto é, tudo que sabemos nos é contado de forma muito expositiva pelos personagens, não há uma grande sutileza na forma de descobrirmos as coisas. Para além disso, há uma curiosa opção estética mostrar tudo que for possível e aí temos alguns enquandramentos meio curiosos, que não dizem muito ao filme, mas que tentam criar essa estética entre a luxúria e a degradação.
O espectador é guiado pelo desejo de Casey e suas complexas escolhas, porém a atuação de Josh Lavery não tem lá grandes nuances – ele é belíssimo e seu físico é fundamental para essa construção sexualizada do personagem, porém sua atuação monocórdica não nos diz muito. Obviamente, isso é acompanhado pelo roteiro que também não ajuda muito o ator. Seu parceiro, Daniel Gabriel, até tem um tanto mais de desenvoltura e consegue criar mais complexidade em torno de seu personagem Tib, mesmo assim, as tensões que unem e repelem esse casal não são inteiramente intrigantes ou cativantes para quem assiste.
O diretor Craig Boreham tenta criar uma espécie de relato realista sobre essas vivências gays numa cidade grande e aí estão presentes diferentes tópicos: a facilidade dos encontros sexuais via apps de celular; a exploração de fetiches; a insegurança de encontros com desconhecidos; o uso de drogas e a liquidez dessas relações, ao mesmo tempo intensas e fugazes. Há um limiar interessante nessa construção, que consegue caminhar entre o sedutor e o assustador em tela, mesmo assim é como se faltasse alguma complexidade maior nesses relatos que nos são apresentados. A violência que aparece na tela não serve para nada muito além de sua gratuidade, o medo e as discussões raciais são soltas na tela e logo desaparecem, assim como a própria questão de saúde sexual é falada de forma leviana e veloz.
“Solitário” é uma espécie de tentativa de filme irmão do francês “Sauvage” (2018), de Camille Vidal Naquet, porém falha em não assumir todas as consequências de suas escolhas. “Sauvage” é intenso e forte, porém trata com complexidade seus personagens, tensionando de forma corajosa essa fluidez das relações e entregando seus personagens ao universo do prazer e do hedonismo – mesmo com seus altos custos. “Solitário”, por sua vez, parece indeciso se aprova ou desaprova essas escolhas de seus personagens e parece buscar soluções simplórias para desejos e complexidades muito maiores do que um simples romance. E isso não faz de “Solitário” um filme necessariamente ruim, não é nada que você queira abandonar a sessão, porém ao subir de créditos fica uma certa incógnita: o que Boreham queria nos dizer? O que ele queria nos apresentar?
No final das contas, “Solitário” é um filme frágil, que aposta suas fichas no sexo e na ousadia gráfica, mas que não dá conta das complexidades que isso envolve. Sexo e relações humanas podem ser temas de filmes geniais, mas o que temos aqui é uma espécie de soft porn com boas intenções. Mas aí de boas intenções o inferno está cheio.
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– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava.