Séries: Com falhas e contradições, tal qual o punk, “As Vidas Secretas da Família Uysal” aborda impactos do capitalismo tardio

texto por Homero Pivotto Jr.

Henry Rollins (Black Flag / Rollins Band) disse, certa feita, achar interessante ver punks de outrora ocupando espaços de destaque na sociedade. Assim, esse povo que um dia questionou padrões, fez por si o que ninguém mais faria, levantou moicano, espetou ferro na cara e/ou usou roupa rasgada teria a chance de mostrar um pouco dessas vivências a quem não é familiarizado com o estilo – que, para além da música, é uma forma de comportar-se no mundo.

Não sei bem se é o caso, pois não fiz uma pesquisa aprofundada, mas diria que o diretor Onur Saylak e o roteirista Hakan Günday se encaixam bem no papel de ‘punks que deram certo’ e agora servem como divulgadores do gênero. Ou, ao menos, são profissionais do audiovisual que tiveram a decência de pesquisar sobre o tema para criar a série turca “As Vidas Secretas da Família Uysal” (“Uysallar” no original, “Wild Abandon” na versão inglesa, 2022), que tem uma temporada de oito episódios disponível no Netflix.

A produção usa o punk – que, reforcemos, é algo que vai além de simples três acordes ou do visual exagerado – como pano de fundo para abordar outras questões que perturbam as relações familiares e de trabalho nesse tempo tão ‘no future’ em que vivemos.

A obra é centrada em Oktay, bem sucedido arquiteto que não encontra mais realização na carreira e nem consegue entender-se com a família. Tendo crises de pânico e em conflito consigo mesmo, ele busca alento em algo que o ajudou na adolescência, mas que deixou de lado por repressão paterna: o punk. Oktay vive uma vida dupla para tentar descobrir quem realmente é e livrar-se de amarras psicológicas e sociais – um desejo de liberdade que contrasta com o fato de o personagem ser responsável pelo projeto da maior prisão europeia…

Paralelamente à conturbada rotina de Oktay, cada membro de sua família lida com seus próprios dramas. Aí temos o pai (do protagonista) mulherengo que putanhou a vida toda e agora acredita ter encontrado o amor (além de descobrir que vai colocar mais um filho no mundo), a esposa buscando aceitação profissional e afetiva em uma sociedade patriarcal, o primogênito sociopata e a caçula (nem tão) inocente em meio a esse turbilhão de loucura – que ainda inclui fatores externos, como uma neblina misteriosa.

Com falhas e contradições, tal qual o punk, “As Vidas Secretas da Família Uysal” aborda impactos do capitalismo tardio e como isso atravessa questões que vão da criação de filhos à subserviência, passando ainda por matrimônio, amizade verdadeira e cooptação de subculturas.

– Homero Pivotto Jr. é jornalista, vocalista da Diokane e responsável pelo videocast O Ben Para Todo Mal.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.