texto por Renan Guerra
Produção holandesa, “O Amor” (“El Houb”, no original, 2022) acompanha a história do holandês-marroquino Karim, que decide contar aos pais sobre sua homossexualidade depois de anos mantendo as aparências. Shariff Nasr é diretor e roteirista de alguns filmes de comédia romântica que fazem sucesso nos Países Baixos, mas que não são lá grandes obras do cinema, e “O Amor” é seu projeto mais pessoal e autoral tentando, de algum modo, dar conta de temas complexos, como a aceitação familiar, a autoaceitação e as diferentes vivências da homossexualidade masculina, mas de algum modo o filme se esvazia nas suas próprias convicções.
Vamos lá: Karim (Fahd Lahrzaoui) é um homem nos seus 30 e tantos anos, com uma vida bem estabelecida na Holanda e que vive de forma independente, porém sua família marroquina ainda sonha com um bom casamento para ele. Em um relacionamento conturbado com Kofi (Emmanuel Ohene Boafo), Karim acaba sendo descoberto por seu pai e decide enfim conversar com sua família. Seus pais consideram que a homossexualidade é um erro e não abrem espaço para o diálogo. Em um encontro com seu eu criança, Karim decide fazer o que sempre fazia quando pequeno: se tranca no armário embaixo da escada da casa dos pais e diz que só sairá de lá quando os pais conversarem com ele.
Sim, ele entra dentro do armário para sair do armário. E sim, “O Amor” é construído com muitas metáforas óbvias e certos lampejos de uma identidade artística que acabam mais prejudicando do que ajudando o filme, mas esse não é o grande problema do longa. A questão principal é: qual o sentido dessa “aceitação compulsória” que Karim busca de sua família? Obriga-los a aceitar sua homossexualidade não parece a coisa mais sensata a se fazer quando você quer ser amado e isso fica bastante frágil dentro do roteiro.
Karim tem quase 40 anos, uma vida independente e ele próprio não consegue se aceitar de forma total. Sua relação com Kofi é prejudicada pelas internalizações de homofobia do próprio Karim, tanto que ele sofre com certa culpa e medo em função de sua sexualidade. Como esse personagem que demora uma vida para se aceitar pode cobrar de sua família uma aceitação tão rápida para um tópico tão sensível? Basicamente, o filme se constrói nessa espécie de tour de force entre Karim e a sua família e as suas lembranças de vida, como passagens de sua infância, sua relação próxima com um primo que também era gay e o surgimento de seu namoro com Kofi.
Kofi, aliás, é o melhor personagem do filme. Imigrante vindo de Gana, ele é uma espécie de respiro em toda a não-aceitação dos outros personagens. Bem resolvido consigo mesmo, o personagem traz algum tom de humanidade em meio as tristezas de “O Amor”. Além disso, seu intérprete, Emmanuel Ohene Boafo, é excelente, trazendo nuances no olhar e no sorriso do personagem, e isso fica bem contraposto com a atuação de Fahd Lahrzaoui, o Karim, que é bastante monocórdica, com uma mesma expressão que se repete nas mais diversas situações do filme.
Durante quase duas horas, vamos acompanhar essa tentativa de aceitação de Karim por uma família que acha que ele não irá para o céu e que acredita que ele tem cura. Com crenças tão arraigadas, é bastante óbvio que essa família não mudará seus pensamentos assim, em uma conversa, trata-se de um processo complexo e o filme falha ao tratar isso com leviandade, o que acaba fazendo com que o público se distancie tanto de Karim quanto dos familiares, e aí é difícil se conectar com uma história em que você não tem compaixão pelos personagens na tela. No final das contas, “O Amor” tem boas intenções, mas se perde em obviedades e soluções rasteiras.
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– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava.