entrevista por Luiz Mazetto
Apesar de mais conhecido do grande público por seu trabalho com a banda de post-metal Neurosis, em que é responsável pelos teclados e sintetizadores há mais de 25 anos, Noah Landis sempre teve um pé fincado no punk e no hardcore. Essa identificação vai desde a influência direta de bandas como The Clash, Subhumans e Flipper em sua formação musical até o fato de ter tocado guitarra e cantado na cultuada banda de punk/hardcore Christ on Parade, que lançou dois discos essenciais durante sua curta, porém intensa carreira, entre 1985 e 1989.
Mais recentemente, em meio à pandemia de COVID-19, Landis voltou ao punk como músico com a sua nova banda Tension Span, formada ao lado de velhos amigos da região de San Francisco, onde vive até hoje, Matt Parrillo e Geoff Evans. O disco de estreia do trio, intitulado “The Future Died Yesterday” (Neurot Recordings), traz elementos de punk e post-punk clássicos do fim dos anos 1970 e início dos anos 1980, mas passa longe de qualquer nostalgia, já que soa extremamente urgente e intenso e conta com letras contundentes de Landis, que poderiam parecer saídas de uma obra distópica há alguns anos, mas soam apenas terrivelmente atuais em nosso tempo presente.
Na entrevista abaixo, Noah fala sobre o processo de criação do disco, durante o isolamento social imposto pela pandemia, compara o momento atual do mundo com o início dos anos 1980, quando começou no punk, analisa como a sociedade faz com que as pessoas deixem de se importar, relembra seu início na música com o Christ on Parade, e revela quais discos mudaram a sua vida. Confira abaixo!
PS: A entrevista foi feita no início de agosto, antes das revelações do agora ex-vocalista e guitarrista do Neurosis, Scott Kelly, sobre ter cometido abusos contra sua família, por isso não há perguntas sobre o assunto.
Digo isso como um elogio, mas o disco do Tension Span soa como a trilha-sonora perfeita para esses tempos horríveis que estamos vivendo, seja com músicas mais contemplativas como “Filaments” ou com faixas agressivas como “Ventilator”. Concorda com isso? E qual era o sentimento principal entre vocês quando estavam criando o disco? Nas letras de algumas músicas você faz questionamentos e afirmações como “Why is it so fucking hard to care?” (“Por que é tão difícil se importar?”, em tradução livre), “Nobody Cares, No One Cares” (“Ninguém se importa, nenhuma pessoa se importa”, em tradução livre), e “We’re all taught no to care” (“Somos todos ensinados a não nos importarmos”, em tradução livre). Esse era um sentimento comum entre vocês, o fato de uma boa parte das pessoas não se importar mais com as coisas?
Essa é uma pergunta muito boa. E é interessante que você tenha pegado isso como uma linha que permeia algumas das letras, porque esse é um sentimento muito antigo e conhecido para nós, punks “das antigas”. Nós três tocamos em bandas punk obscuras há… eu montei o Christ on Parade em 1985 e eu sou um pouco mais velho do que os outros caras, mas era um tema para a gente naquela época. Se você olhar para algumas das músicas importantes que vinham da cena anarcopunk daquela época, nos anos 1980, havia muito desejo para que as pessoas se importassem (risos). Tipo, ver o mundo colapsar à sua volta e as pessoas apenas com olhares vagos. Então é um sentimento bastante familiar e é triste, mas é verdade que esse seja um tema muito, muito relevante hoje em dia. Como você disse, que o disco soe como uma trilha sonora perfeita para toda a disfunção e o colapso da sociedade que nós vemos – e especialmente nos EUA, cara, em que as pessoas estão deliberadamente divididas ao meio e simplesmente apenas se odeiam. Eu nunca vi nada assim. Eu cresci com o Ronald Reagan e nunca imaginei alguém como o Donald Trump. Não quero ir por esse caminho porque isso me deprime, não quero direcionar a conversa nesta direção. Mas acho que há duas coisas, cara. Acho que há algo quintessencial com o qual nós nascemos, nós nascemos nos importando, e esse sentimento é meio que arrancado da gente ao longo das nossas vidas. A música “Cracked Society” fala sobre como a sociedade moderna realmente encoraja e recompensa quem deixa de se importar e tornam-se auto-centrados, querendo apenas subir escadas sobre outras pessoas. Eu apenas sempre me senti como as outras pessoas, sabe? Então obrigado por perceber isso como um tipo de tema recorrente nas letras. Mas honestamente, cara, é de partir o coração. E uma das únicas maneiras que eu conheço para lidar com coisas assim é escrevendo sobre elas – e como sou um músico, eu escrevo música sobre isso.
Já faz muito tempo que é comum falar sobre um futuro distópico nas artes, seja em livros, filmes ou músicas. Mas agora parece mais e mais que estamos realmente vivendo num presente distópico, como você fala nas letras de “Trepidation”, em que grita sobre a nossa “Dystopian Reality” (“Realidade Distópica”, em tradução livre). Voltando ao que você falou sobre o Reagan, quando você começou a tocar hardcore nos anos 1980, o mundo estava num momento talvez similar ao atual, com Reagan nos EUA, Margaret Thatcher na Inglaterra, ditaduras por toda a América do Sul, a Guerra Fria, etc. Por isso, quero saber se você acha que as coisas estão piores agora do que naquela época, com a pandemia, fascistas em todos os lugares, e a economia e a desigualdade atingindo números horríveis novamente?
Sim, sem hesitar eu digo que as coisas estão piores agora. Não sei como foi da última vez que você esteve nos EUA. Onde você vive?
Eu moro em São Paulo. A última vez que estive aí foi em 2019, em Nova York. Então foi antes da pandemia.
O que nós temos agora são comunidades gigantes de tendas, de pessoas sem teto. Realmente gigantes. É algo que você poderia esperar ver na Índia, por exemplo. Mas essas são pessoas que tinham vidas, famílias, casas e empregos e tudo desmoronou para elas – e quando uma última coisa desaba, você acaba sem uma casa. Esse tipo de estresse e dificuldade pode causar muitos problemas de saúde mental, com vícios, e as pessoas apenas meio que caem à margem da sociedade e acabam lá. Então isso é algo realmente gigante que vêm acontecendo nos últimos cinco anos neste país e não se pode esconder isso. Há uma música no disco intitulada “Human Scrapyard” que fala “Para onde elas devem ir?”. Sei que todos nós estamos apenas muito próximos de algo acontecer e fazermos parte disso, de viver em uma comunidade de tendas. E outra coisa que está muito, muito pior é que parece metade do país em que eu vivo decidiu que não quer mais a democracia. Então eles querem poder apenas jogar fora os votos, escolher o seu tirano e seguir. E todo o resto das pessoas apenas seriam esmagadas pelas rodas do movimento delas. Nunca imaginei que chegaríamos nesses números, sempre tivemos isso, sempre tivemos nacionalistas, racistas declarados na política, mas era sempre algo à margem, era sempre algo como “aqueles caras são extremistas” e nós éramos os extremistas do outro lado. E nós nos encontrávamos e lutávamos contra os skinheads. Só que agora isso cresceu para um movimento gigante neste país e é algo aterrorizante de verdade. A minha namorada me mostrou um canal do Instagram, se não me engano, que traz apenas vídeos curtos de nazistas sendo socados na cara e é a coisa mais satisfatória que eu já vi, fico apenas descendo a tela (risos). Mas é real e está em um nível totalmente diferente do que era nos anos 1980, quando era um jovem.
Aproveitando que estamos falando sobre coisas horríveis no mundo, gostaria de saber se o processo de criar e trabalhar neste álbum te ajudou a navegar por esse período atual? A arte é sempre um agente de cura, algo que nos ajuda em momentos difíceis, a lidar com a saúde mental. Por isso, queria perguntar se esse disco e a banda também foram uma forma para você lidar com tudo que estava e ainda está acontecendo no mundo? Porque algumas letras parecem apontar de maneira muito direta para a pandemia e tudo que veio junto, como, por exemplo, o trecho “Another day of dread and isolation and the inevitable capitulation”, (“Mais um dia de terror e isolamento e a inevitável capitulação”, em tradução livre) da música “The Future Died Yesterday”. O disco e a banda foram uma maneira de lidar com tudo que estava acontecendo?
A banda não começou com essa intenção, mas a música sempre é isso para nós. E nós sempre tivemos diversas bandas e projetos ou tocando com amigos para gravar uma determinada música, apenas para compartilhar com os nossos amigos. Então é algo normal para nós usar a música como terapia. Usar a música como uma forma de conversa, comunicação e expressão. Isso é algo que sempre fizemos, não decidimos fazer isso com esse disco porque a porra do mundo está colapsando e caindo aos pedaços (risos). Foi literalmente isso, “o céu está caindo, você não pode sair de casa e respirar o ar”. Dito isso, logo após eu me juntar aos outros dois caras da banda, que tinham basicamente escrito os esqueletos básicos das músicas, em termos musicais, com guitarra, baixo, bateria e sintetizadores… Muita coisa do disco foi escrita antes de eu entrar para a banda, eles compartilharam comigo porque eles sentiram que o que eles estavam escrevendo, de forma deliberada ou não, estava tocando em algo muito familiar, que era esse punk dark, emocional, das bandas em que nós tocamos e as bandas que nós amávamos nos anos 1980 e 1990. E uma vez que ouvi as músicas, eles deixaram tudo muito aberto para mim, tipo “Você pode contribuir da forma que preferir: pode tocar guitarra, baixo, teclado, o que que quiser”. E depois que ouvi, eu pensei “Esse disco é ótimo, mas precisa de uma voz. Precisa de algumas palavras que sejam bem pensadas e envolventes para fazer com que se conecte com as pessoas em seus corações e mentes”. E então apenas comecei a escrever enquanto ouvia o disco e foi isso que saiu, cara. A resposta para a sua pergunta é que sim, definitivamente o disco foi escrito para expressar a angústia e a aflição e também o desgosto e talvez a esperança. Tudo isso surgiu para mim nas músicas e então também acabou saindo nas palavras.
Pelo que entendi, vocês gravaram o disco separadamente durante o período de isolamento, sem que tenham se encontrado pessoalmente. Essa foi a primeira vez que você gravou inteiramente desta forma, longe dos outros integrantes? E como foi isso pra você?
Sim. Bom, começou comigo sentado no sofá, com fones de ouvido com microfone ligados diretamente no computador, cantando as minhas ideias sozinho com as primeiras versões da mixagem – e então as compartilhando com os outros integrantes por e-mail. Mas, na verdade, em um determinado momento nós decidimos que iríamos colocar máscaras e ir para um espaço de ensaios e colocar um microfone. Assim eu estaria em um espaço em que eu sentia que podia realmente ser barulhento e ter uma liberação pela minha voz e pelas palavras. Então diria que a maior parte (dos vocais) do que está no disco foi feita desta maneira: em um pequeno computador que tinha as faixas e era apenas eu e um microfone em um armazém que usamos para ensaios. E há algumas faixas das minhas gravações no meu quarto que acabaram entrando nas músicas como uma camada por trás dos vocais ou como um backing vocal, porque elas tinham uma determinada textura porque eram tão lo-fi, que nós meio que gostamos, então acabamos usando. Mas é, essa foi a primeira vez… quer dizer, eu não sei, acho que foi a primeira vez. Putz, eu tenho 53 anos e toco em bandas punks desde os meus 15 anos de idade. Naquela época em que estava começando, em que estava aprendendo a tocar guitarra e conhecendo amigos que gostariam de fazer isso, tudo era feito em quartos, em porões, em garagens. O primeiro espaço de ensaio do Neurosis ficava no porão da casa da mãe do Dave Edwardson (baixista e vocalista da banda). Então nós meio que sempre fizemos dessa forma… E devo dizer que muita da composição do Neurosis é feita nas madrugadas em nossos espaços pessoais, cantando suavemente e compartilhando uns com os outros, então não foi tão diferente. Tudo se resume a fazer o melhor que você pode com o que você tem. E quando fizemos esse disco, tínhamos um acesso muito limitado e desafiador uns aos outros, então fizemos o melhor que podíamos com o que tínhamos – mas eventualmente pudemos nos encontrar, a dois metros de distância um do outro, para poder cantar de maneira barulhenta na sala (risos).
E vocês tiveram a chance de tocar juntos como uma banda?
Eventualmente nós conseguimos. Levou muito tempo… E vamos fazer isso mais vezes agora.
Legal. E estão planejando fazer shows?
É, isso é o que precisamos fazer. Essa foi a primeira vez que a maioria de nós escreveu um disco sem ter a ideia de tocá-lo ao vivo. Então há mais camadas e faixas do que pessoas. Mas o que vamos fazer é entender como fazer isso. Eu precisarei aprender algumas dessas partes e tocar guitarra, baixo ou o que quer que seja necessário para fazer acontecer. Mas também não estou muito preocupado com isso, porque muitas vezes as gravações dos discos têm mais coisas do que você vê a banda tocando ao vivo. Penso no primeiro disco do The Clash, por exemplo, que tem todos os tipos de coisas legais. E então você vê filmagens deles tocando e a energia e o poder estão lá. Nós vamos entender como fazer isso acontecer, esse é o nosso trabalho agora, porque as pessoas estão animadas com o disco. Aqui mesmo na minha cidade, as pessoas querem que a gente faça shows. Preciso dizer que ainda não estamos exatamente prontos para tocar, mas estamos trabalhando nisso.
Como falamos há pouco, além de cantar você também escreveu a maior parte das letras do disco. Por isso, queria saber quais as suas influências nesse sentido, de escrever letras? Há algum autor ou músico que te influencie mais especificamente? Eu sei que você é fã do Nick Cave, por exemplo, que é um autor e também escreve as próprias letras.
Essa é uma ótima pergunta e fico feliz que alguém a tenha feito. Eu nunca realmente falo sobre isso. Há muitas influências, você tem pessoas como o Nick Cave e o Leonard Cohen, cujas letras realmente me impactam de maneira profunda. Acho que quando era jovem uma das primeiras bandas punks com a qual fiquei obcecado foi o Subhumans. E a maneira como o Dick Lucas (vocalista da banda) escreve realmente me influenciou, ele é muito sincero e as mensagens dele são muito diretas e claras. Mas ele também é, em inglês nós chamamos de “wordsmith”, o que significa que ele tem jogos de palavras nas letras que são espertos e legais. E isso sempre me pegou porque ativou a minha mente de alguma maneira, e acho que peguei uma parte disso como influência na minha primeira banda, Christ on Parade – eu fui muito influenciado pelo Dick Lucas e pelo Subhumans.
Mas se eu vou ser honesto com você, outro… quer dizer, eu sempre vou ser sincero com você. Mas outro letrista que sempre achei muito poderoso é o Roger Water, do Pink Floyd (risos). E muito disso tem a ver com o “The Wall” (1980) e o conceito por trás do disco, a ideia da crise de identidade, e uma pessoa meio que se fechando porque a vida, a sociedade e as emoções eram uma tempestade enorme acontecendo na mente dessa pessoa que ela se torna disfuncional. E como isso é colocado de uma forma poética e artística nas letras, acho que isso realmente ficou comigo – e as coisas iniciais da banda também. Acho que nunca disse isso antes em voz alta numa entrevista, então é isso aí. Então o Dick Lucas e o Roger Waters (risos).
Você mencionou o The Clash, o Subhumans e agora o Roger Waters, todos artistas ingleses. Como você é da Bay Area, na Califórnia, queria saber se as bandas punks da região, como The Dicks, Dead Kennedys e Avengers, entre outras, influenciaram a sua forma de abordar a música, não só em termos de som, mas também em atitude.
Sim, todas elas (influenciaram). Eu era um jovem punk, comecei cedo, aos 12 ou 13 anos de idade, no início dos anos 1980. Eu estava tão faminto e sedento por tudo que eu era como uma esponja: apenas ia e absorvia tudo de toda banda que pudesse ver. E o Dave Edwardson esteve comigo desde que nos conhecemos, no primeiro dia do Ensino Médio. Nós íamos a todos shows de punk que podíamos encontrar, e você tinha muitos porque San Francisco era logo ali do lado. O On Broadway, o Mabuhay Gardens, muitos espaços em armazéns e galpões que duravam pouco tempo, em partes muito ruins da cidade, muitos drogados e junkies e muitas bandas que vieram dos cantos obscuros do mundo em que vivíamos, daquela cena. Acho que as coisas nunca mais serão daquele jeito. Dessas bandas (locais), deixe-me dizer para você quais eram as mais importantes para mim. O Flipper, eles eram uma banda de Berkeley, nós frequentávamos a Berkeley High School. Era uma cena menor do que a de San Francisco, mas era intensa. Porque Berkeley era realmente conhecida pelo movimento hippie. Então quando éramos jovens você tinha esses fãs do Grateful Dead o tempo todo, e foi por isso que nos tornamos punks, para ser algo muito diferente daquilo. O Flipper foi a primeira banda que me lembro, que eu entendia como anti-música, música que era difícil e talvez injusta com quem está ouvindo porque há tanto barulho e coisas desconexas acontecendo. Mas eles também tinham um groove e riffs repetidos que pareciam um transe, em que você podia definitivamente se perder. Não era algo tão abrasivo e desarticulado como outras bandas, você pode pensar em bandas mais experimentais como Throbbing Ghristle e Coil, por exemplo, que também eram coisas muito intensas e que eu definitivamente tinha muito interesse em escutar. Mas poder ver o Flipper muitas vezes foi algo que, até hoje, me deixa um lugar quente no coração por esse tipo de arte que eles faziam.
Outra das minhas grandes favoritas era o Crucifix. Essa banda sempre foi muito próxima e importante ao que eu respondia emocionalmente. As músicas deles me acordaram por dentro e fizeram eu me sentir exatamente como eu me sentia aos 15 anos. Deixa-me pensar… Os Avengers, na verdade, eram um pouco mais velhos do que eu. Então pude vê-los, mas foi em um outro momento da carreira deles, não foi naquele primeiro momento fantástico em que eles chegaram à cena, eu era muito jovem nessa época. É engraçado porque eu sempre sinto que perdi muitas coisas, como se eu tivesse nascido tarde demais (risos). Mas depois de muitos anos estando em bandas, desde o início dos anos 1980 até a abertura do Gilman Street em Berkeley, o Christ on Parade fez o seu primeiro show lá (no Gilman), todas essas coisas. Eu pude ver uma cena como um participante por muitos e muitos anos. E sempre senti que perdi muita coisa, mas está tudo bem. Porque os anos passam e aquele pequeno pedaço que você perdeu na verdade é muito pequeno. Mas eu não vi os Pistols nem os Ramones, então…(risos).
Então é, havia bandas locais importantes. Outra banda da região da Bay Area era o Social Unrest. Muitas dessas bandas faziam parte da primeira fase da Maximum Rocknroll (icônico fanzine punk), daquela compilação “Not So Quiet on The Western Front” (1982). Essa era uma grande reunião de bandas e tinha realmente muitas das bandas que eu e meus amigos, como o Dave Edwardson, estávamos ouvindo naquela época. Ah, também vale muito também mencionar as bandas de “peace punk” que existiam em San Francisco na época. Eu provavelmente seria repreendido por chamá-los de uma banda de peace punk, porque eles não gostavam de ser rotulados, eles eram muito sérios e artísticos. Mas tinha uma banda chamada Trial – depois surgiu uma banda de hardcore com o mesmo nome, mas essa era uma banda de peace punk de Berkeley. Eles só tiveram alguns lançamentos, mas eles eram realmente uma das minhas favoritas. Tinham letras muito obscuras, um som quase industrial, meio death rock, mas sem as fantasias. Havia meio que um sentimento de depressão, mas também era muito bonito e rítmico. Também tinha uma banda chamada Atrocity. E havia irmãos em todas essas bandas, que eram da família Borruso. Então o John Borruso era o vocalista do Trial, sempre o admirei como um grande artista e um grande letrista, apenas por ter uma visão para a banda. Ele tinha uma irmã chamada Sarah Borruso, que era vocalista do Atrocity. Isso vai ser meio difícil para você encontrar, é algo bem escondido nos registros da história. E então se você for olhar a formação do Crucifix, eles tinham um guitarrista chamado Matt Borruso. Então esses três, que eram muito jovens na época, eram incrivelmente criativos. Não sei se o que era, se era algo que vinha de família (risos).
Sempre gosto de fazer essa pergunta. Por favor, me diga três discos que mudaram a sua vida e por que eles fizeram isso.
Ok, o primeiro que vem à minha cabeça, até porque esse é o tipo de pergunta em que você não quer pensar demais, é o “Axis: Bold as Love” (1967), do Jimi Hendrix. Acho que esse é o ápice criativo dele. Nessa idade, entre os meus 13 e 14 anos de idade, eu estava experimentando muitas coisas que alteravam a mente – e obviamente ele (Jimi) também estava experimentando muitas coisas que alteravam a mente – e esse disco abriu totalmente uma nova janela quanto a novas formas de ver as coisas, de imaginar e de criar. Foi um disco muito importante para mim. No decorrer da minha vida passei muito tempo lendo livros sobre ele, lendo sobre as gravações, sobre o engenheiro de som do álbum, porque sou fascinado por essas coisas. Então esse é um.
O segundo disco que me vem à cabeça é o “From the Cradle to the Grave” (1983), do Subhumans. O lado B inteiro desse álbum é composto por uma música, a faixa-título. Essa música é uma realização em termos de composição, como letrista e como vocalista. Para mim, é como uma soma perfeita de tudo pelo que eu acreditava no punk. Para mim, o punk estava resumido nessa música, que era algo como “Nascido em um mundo de alienação e lavagem cerebral”. Mais uma vez, é um tema recorrente, mas é o quanto essa realidade é desoladora. É algo como “Vamos chamar as coisas como elas são, vamos falar a verdade para o poder, vamos tentar…”. Deixe-me pensar em como dizer isso. É uma dualidade: é desolador e empoderador – é as duas coisas. Sinto que esse disco expressa isso de uma maneira que é muito poderosa para mim. Lembro de pensar “É isso, essa é meio que a música definitiva. Eles conseguiram fazê-la”. E muitas das músicas do Tension Span meio que seguem pelo mesmo canal, em uma mesma linha. É engraçado porque acabei de pensar na semelhança entre o título do disco do Tension Span, “The Future Died Yesterday”, e “The Day the Country Died” (1983), do Subhumans.
Bom, de qualquer forma, o número três… deixe-me pensar nesse por um segundo. Porque não tenho outra chance, só tenho mais um número para preencher. O que é difícil, meu amigo, é que a música é tão vasta e ilimitada, e sou um fã e um estudante há tanto tempo, a minha vida toda… Então poderia te dizer meu disco favorito do Johnny Cash ou meu disco favorito do Stevie Wonder. Acho que, se fizer sentido manter as coisas no mundo do punk, eu colocaria o “London Calling” (1979), do The Clash, nesta lista. Vou fazer isso, apenas para a entrevista não ficar presa nesse pedaço enquanto eu fico tentando apontar algo. Há muita criatividade nesse álbum. Para mim, o que é mais importante em todo tipo de música é pensar “Você acredita? Você acredita quando escuta? Você acredita na pessoa tocando? Você acredita na pessoa cantando? Eles estão tentando ser de uma determinada maneira ou estão tentando fazer você acreditar que eles são de uma determinada maneira?” Uma vez que você está tentando, então você não acredita. Penso que somos todos muito sofisticados como ouvintes e temos um bom senso sobre o que é besteira ou não.
Essa é a última pergunta. Você toca/ tocou em bandas cultuadas, já fez turnês pelo mundo e está lançando um disco muito legal com alguns velhos amigos. Por isso, gostaria de perguntar do que você tem mais orgulho na sua carreira?
Bom, primeiro deixe-me dizer que eu tendo a não pensar muito nesses tipos de palavras. Essa é a razão para isso: eu conheci muita gente que esteve em bandas quando eram jovens, e uma banda tem um determinado tempo de vida e depois acaba, e depois elas acabam virando capítulos das vidas dessas pessoas, que muitas vezes ficam sempre olhando de volta para esse momento de juventude, poder e energia que elas tiveram e que não podem ter de novo. Sempre tomei uma decisão muito deliberada de não olhar para a minha vida dessa maneira. Por isso, não olho para trás e penso “Há esse momento do qual tenho mais orgulho e que eu gostaria de capturar novamente com cada banda nova, com cada disco novo”. Não penso nisso dessa maneira. Mas também posso dizer que tenho orgulho de tudo. O fato de a minha primeira banda, quando eu era tão jovem e com tanto entusiasmo na minha cabeça, no meu coração e na minha energia com a música, com o punk e com o ativismo, posso dizer que tenho muito orgulho pelo fato de as pessoas ainda verem o Christ on Parade como uma banda especial. Porque havia tantas bandas naquela época, todo mundo que eu conhecia tinha uma banda – até os irmãos e as irmãs dos meus amigos tinham bandas, e todos estavam fazendo shows. O fato de o Christ on Parade de alguma forma ter capturado o raio em uma garrafa de uma maneira que afetou as pessoas e que até hoje elas vêm falar comigo sobre o quanto a banda foi importante e especial em suas vidas. Acho que sempre vou ficar um pouco satisfeito e orgulhoso que eu fiz algo certo. Porque quando eu estava falando antes sobre tocar música em que você acredita, as pessoas sabem quando você acredita. E eu fiz algo que era puro, verdadeiro e poderoso, de uma maneira que as pessoas acharam que era especial o bastante para lembrar e ainda apreciar tantos anos depois. Dito isso, a maior parte da minha vida, quase 30 anos, tem sido tocar com o Neurosis. E quando o Christ on Parade acabou e o Neurosis estava buscando incorporar teclados, samples e texturas, e eles me trouxeram para fazer tudo isso, esse foi o meu segundo foguete para expressão e criatividade. E eu diria que estimo mais isso do que tudo que já fiz, a música que faço com o Neurosis. Acho que olhando para trás tenho alguns discos favoritos, mas todos eles são especiais para mim. Nenhum é igual ao outro, isso é algo que sempre nos comprometemos, a não escrever o mesmo disco duas vezes, como algumas bandas fazem – e bandas que eu amo, como Motörhead, AC/DC e até mesmo Slayer. E tudo bem, não há problema com isso, fico feliz em escutar todos os discos deles, mas escolhemos um caminho diferente, que era não escrever o mesmo disco duas vezes. E tenho orgulho de como conseguimos fazer isso, porque nos permitiu cruzar fronteiras para territórios de sons que ainda não conhecíamos, para tentar ver que tipo de arte nós conseguimos criar. No fim das contas, e isso pode se conectar com o Tension Span também, acho que o que estamos tentando fazer aqui é fazer algo que importa em um mundo que talvez não importe. Quer dizer, quem sabe para onde essa porra de mundo está indo? Então nós podemos pegar todas as nossas experiências e pensamentos profundos e canalizar isso em algo que, quem sabe, seja especial de alguma maneira porque diz algum tipo de verdade. É isso que estamos fazendo. Com o Neurosis, é uma verdade que você sente…quer dizer, algumas pessoas analisam as letras, com certeza, mas é meio que uma percepção mais poética do sentimento. E de algumas maneiras pode ser um canal mais poderoso para esses pensamentos chegarem às pessoas do que, digamos, as minhas letras no Tension Span ou no Christ on Parade. Mas tudo isso tem o mesmo objetivo final, que é apenas se conectar com as pessoas. Quero me conectar com as pessoas da maneira como as pessoas que eu amo se conectam comigo, da maneira que me sinto quando leio as letras do Nick Cave ou escuto Rudimentary Peni. Para terminar, acho que talvez trocaria a minha terceira resposta na pergunta anterior pelo “Death Church” (1983), do Rudimentary Peni. Porque esse disco apenas me faz sentir tudo quando o escuto: faz eu me sentir feliz e triste ao mesmo tempo (risos). É apenas algo verdadeiro e puro. E é isso que eu quero fazer. Quero expressar coisas que são verdadeiras e puras, com as quais as pessoas possam se conectar.
– Luiz Mazetto é autor dos livros “Nós Somos a Tempestade – Conversas Sobre o Metal Alternativo dos EUA” e “Nós Somos a Tempestade, Vol 2 – Conversas Sobre o Metal Alternativo pelo Mundo”, ambos pela Edições Ideal. Também colabora coma a Vice Brasil, o CVLT Nation e a Loud! As fotos presentes no texto são de Jorin Bukosky.