entrevista por Leonardo Tissot
Há cerca de um ano, a graphic novel “Pele de Homem” (Nemo, tradução de Renata Silveira) chegou ao mercado brasileiro. Agora, o premiado ilustrador da HQ, o francês Zanzim (pseudônimo de Frédéric Leutelier), está prestes a desembarcar no país para lançar a obra na Bienal Internacional do Livro de Brasília, no próximo dia 26, e em uma sessão de autógrafos em São Paulo, dois dias depois.
Escrita por Hubert — roteirista falecido em 2020, antes mesmo do lançamento da HQ na Europa — “Pele de Homem” conta a história de Bianca, uma jovem que vive na Itália Renascentista. Ao atingir a idade considerada “adequada”, ela é negociada pelos pais e tem a data do casamento marcada com Giovanni, um rico comerciante local.
Frustrada pelo enlace matrimonial com um homem que não conhece, Bianca é apresentada por uma tia à tal pele de homem do título, uma espécie de vestimenta que é um segredo de família e que a transforma no belo Lorenzo. A pele permite que ela se aproxime de Giovanni — e do universo masculino.
Além da evidente reflexão que a obra — ganhadora de nove prêmios — propõe a respeito de papéis de gênero e sexualidade, também fica muito clara uma preocupação com as imposições religiosas na sociedade. O irmão de Bianca, o religioso Angelo, acaba se tornando personagem essencial à história, pela forma violenta como prega suas crenças e transforma a cidade que serve de cenário para “Pele de Homem” em um lugar dominado pela intolerância.
Antes da vinda de Zanzim ao Brasil, Scream & Yell conversou com o artista a respeito da obra, desde seu conceito original, passando por alterações no roteiro, paleta de cores e expectativas do ilustrador a respeito de sua visita ao país.
Conte pra gente como surgiu “Pele de Homem”: o conceito central da história foi criado junto com Hubert ou ele trouxe a ideia e você se encarregou da arte?
A história de “Pele de Homem” nasceu da raiva. Na época dos protestos contra o casamento gay na França, entre 2012 e 2013, Hubert, que assumiu completamente sua homossexualidade, ficou com raiva e medo. Ele me ligou perguntando se eu queria desenhar uma história que seria um panfleto contra a igreja. O livro se chamaria “Me Desbatize!”. Na época, achei a ideia meio dura e vulgar. Falei para ele que pensaria a respeito. Alguns meses depois, ele me procurou, disse que tinha mudado tudo e me contou a história de “Pele de Homem”. Agora, era como uma fábula, algo menos frontal, muito inspirador e solar. Eu aceitei imediatamente.
Creio que um dos temas mais importantes do livro é a religião e seu poder sobre as pessoas. A religião e o conservadorismo, inclusive, podem ser decisivos nas eleições brasileiras deste ano. Você e Hubert se inspiraram em situações e pessoas reais para criar o personagem Angelo?
Hubert teve uma criação católica bastante rígida, sem tolerância para a homossexualidade. Na França, apesar de as coisas estarem mudando, temos que nos manter sempre vigilantes. Creio que ele também se inspirou em Girolamo Savonarola, o pregador [nota do editor: Savonarola foi um frei italiano do século XV que ficou conhecido por se rebelar contra a igreja católica, queimar quadros renascentistas e “lutar contra a corrupção” — soa familiar?].
Outro tema essencial do livro são as questões de gênero e sexualidade. Você e Hubert se preocuparam em trazer uma mensagem de esperança a quem sofre preconceito de gênero?
Acho que Hubert quis fazer o alarme soar e nos acordar para a necessidade de mais tolerância. O mais importante não é nosso corpo e orientação sexual, e sim o amor acima de tudo.
Sempre gosto de perguntar aos artistas a respeito da paleta de cores escolhida para seus trabalhos. Como você definiu os melhores tons a serem usados em “Pele de Homem” e como eles ajudam a contar a história?
As cores são inspiradas por pinturas renascentistas com um toque de pop art, para modernizar o tema. Precisávamos de uma mistura de tradicional e moderno. A ideia era colocar os personagens em cores diferentes das que apareciam nos cenários.
Qual sua expectativa em relação ao Brasil? Você virá ao país em um momento de tensão com as eleições presidenciais. O que espera encontrar por aqui?
Minhas expectativas são por uma calorosa recepção dos brasileiros e uma mudança total de cenário. Espero encontrar leitores que irão apreciar a mensagem de tolerância e amor que eu e Hubert tentamos trazer com “Pele de Homem”.
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SERVIÇO
Mesa-redonda “Pele de Zanzim”, na Bienal Internacional do Livro de Brasília
Onde: Arena HQ, com mediação de Pedro Brandt, seguida de uma sessão de autógrafos no local.
Quando: 26/10, às 19h
Lançamento e sessão de autógrafos em São Paulo
Onde: Livraria da Vila (Alameda Lorena, 1501 — Jardim Paulista, São Paulo).
Quando: 28/10, às 19h
A agenda do ilustrador no país tem o apoio da Embaixada da França no Brasil.
– Leonardo Tissot (www.leonardotissot.com) é jornalista e produtor de conteúdo