Ao vivo: Contido e feliz, Lobão canta hits e pérolas para um grande público em BH

texto por Bruno Lisboa
fotos de Tamás Bodolay

Dono de uma carreira tão errática quanto genial, Lobão é, inegavelmente, uma personalidade que precisa ser analisada além do reducionismo ame ou odeie. Desde o início de sua trajetória musical como baterista do Vímana nos anos 70 (junto a Lulu Santos e ao cantor Ritchie) e como cofundador da Blitz, já no início dos anos 80, o músico soube explorar os mais diversificados gêneros (da new wave ao rock ao samba e chegando na música eletrônica) que foram associados a letras que celebravam tanto o amor quanto traziam mensagem de teor político.

Em um país cuja grande maioria de artistas não se posiciona politicamente com medo de perder patrocínios e chocar fãs, Lobão nunca se omitiu de se posicionar, estando tanto do lado certo da história na era Collor quanto errado ao apoiar o golpe de Dilma e migrar para o antipetismo chegando a navegar, recentemente, pela onda bolsonarista, no que se diz arrependido.

Se fora dos palcos Lobão sempre foi uma figura contraditória, cercada de polêmicas, em cima dele o músico procurou se entregar de corpo e alma para o público, e ainda que seus últimos discos não tenham sido recebidos com euforia pela crítica, é quase impossível não se sentir seduzido por uma carreira solo de 40 anos repleta de momentos mágicos (no absurdo).

E foi justamente isso que os belo-horizontinos puderam assistir no último dia 08 de outubro como parte da programação do Projeto Experimente, tradicional festival de cervejas artesanais que completou 8 anos de existência em 2022. Ao vivo, seu repertório combina hits incontestes que todo mundo nasce sabendo cantar como também resgata pérolas de álbuns dos anos 90 / 00 e aposta em releituras de outros artistas presentes em seus projetos mais recentes “Antologia Politicamente Incorreta dos Anos 80 pelo Rock” (2018) e na série de singles “Canções da Quarentena” (2022).

O set list revistou a grande lista de clássicos atemporais do grande lobo e teve “Vida Louca Vida”, “Rádio Blá” e “Vida Bandida” (todas em parceria com o letrista Bernardo Vilhena e presentes no disco “Vida Bandida”, de 1987, que vendeu 350 mil cópias), “O Rock Errou” (outra parceria com Vilhena) e “Noite e Dia” (parceria com Julio Barroso, as duas presentes no disco “O Rock Errou”, de 1986) além de destacar seu trabalho ao lado da banda os Ronaldos, com o single “Decadence Avec Elegance” e os hits “Me Chama” e “Corações Psicodélicos” (ambas do álbum “Ronaldo Foi pra Guerra”, de 1984).

Fazendo uma ponte entre passado e futuro, a ala nostálgica conviveu em harmonia com canções nem tão conhecidas / radiofônicas como “Samba da Caixa Preta” (do álbum “Noite”, de 1998), “A Queda” (do irretocável “Nostalgia da Modernidade”, de 1995), além de três canções do belíssimo disco “A Vida é Doce”, de 1999: a faixa título, “El Desdichado II” e “Vou Te Levar”.

Na ala das covers se destacaram as versões para “Dias de Luta” (Ira!) e “Toda Forma de Poder” (Engenheiros do Hawaii) mais “O Tempo Não Para” (de Cazuza / Arnaldo Brandão) e “Eu Sei” (Legião Urbana) que foram executadas com a propriedade de só quem viveu o período poderia fazer tão bem. Se por um lado as canções ganharam um formato visceral e cru (valorizando ainda o formato power trio no palco), o Lobão verborrágico de outrora foi deixado de lado por uma versão mais contida e menos comunicativa com o público. Visivelmente feliz, o músico tem buscado a redenção daqueles que passaram perto de cancelá-lo na década passada.

Num exercício dificultoso de separar o homem e o artista, o Lobão de 2022 segue sendo relevante artisticamente, mas é inegavelmente um dos culpados, em parte, pelo caos em que ele próprio se encontra e em que todos nós estamos. Tempos atrás ele já cantou sobre “não querer nosso perdão” (uma poesia resgatada de Júlio Barroso musicada por ele e presente em seu último grande suspiro discográfico, o brilhante “Canções Dentro da Noite Escura”, de 2005), mas em tempos de conciliações e de repaginação de conflitos do passado, por mais complexo que seja equilibrar ambas as esferas, talvez, por hora, devamos perdoar o velho lobo arrependido, e seguirmos em frente (juntos) na tentativa de reconstruir o país. Será possível?

–  Bruno Lisboa  escreve no Scream & Yell desde 2014.  Tamás Bodolay é fotógrafo: https://bodolay.com.br/

One thought on “Ao vivo: Contido e feliz, Lobão canta hits e pérolas para um grande público em BH

  1. Há muito que me bato internamente com isso. Fagner e nana Caymmi não consegui deixar de ouvir. Elomar sim. Lobão, umas três ou quatro, com muita dor. Ultraje não me faz falta alguma e o Roger é um ser humano pior que o lobão. Capital tbm ficou meio de lado. Mas lobão é complicado pois suas músicas são fodas. E fazem parte de uma memória emocional muito forte pra quem, como eu, foi adolescente nos anos 80

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