Contos Musicais #020: “Changes”

de Ismael Machado

Foi no show do Ozzy Osbourne no Rock in Rio. O primeiro. O melhor. De repente fui meio empurrado para o lado. Olhei e ela estava no cangote de um cara sem camisa. Ela estava enlouquecida. Já era o final da apresentação. Ozzy revisitava uma “War Pigs”, do Black Sabbath. Confesso que nessa hora chorei emocionado.

A primeira vez que ouvi o Sabbath foi ainda numa fita cassete. O “Volume 4”. O disco que tem “Changes”, com Rick Wakeman ao piano. Aquele show em janeiro de 1985 era o mais próximo que eu podia chegar, pensava eu, de ver meus ídolos. Ou parte deles.

Ela foi colocada ao chão novamente. Suada, sorriu para mim. Estava de preto, claro. Ela permaneceu ali perto, com o cara sem camisa, durante o final do show. E eu admito que comecei a dividir minha atenção entre o palco e ela, ao meu lado. Mesmo quando ela e o cara sem camisa se beijaram, ainda assim, eu continuava dando atenção a detalhes que percebia dela. Cabelos, pulseiras, riso, coisas assim.

Não fiquei para assistir ao Rod Stewart. Na época minha obsessão era apenas com o rock pesado. Achei que nunca mais a veria. Mas, quando as coisas precisam acontecer, não tem jeito. Três dias depois, novamente show do Ozzy. É, eu precisava conferir de novo. Não sabia se teria oportunidade assim novamente.

Para minha surpresa, ela surgiu do meu lado. Naquele mar de gente. Disse oi e sorriu. Perguntei pelo namorado e ela disse ter sido apenas aquela noite. Estava só.

Vimos juntos Ozzy, mas também Scorpions e AC/DC. Dividimos cerveja quente, a ‘malte nojenta’, como ela fez questão de enfatizar. Também água mineral e sanduíche frio.

Começamos a namorar ali. Na saída da Cidade do Rock, quando lamentamos, quase ao mesmo tempo, “Changes” não fazer parte do set list. A gente dizia repertório à época. Nos beijamos no meio fio da avenida apinhada de roqueiros felizes como nós.

Trinta e um anos depois, encontramos nossos três filhos na turnê de despedida do Black Sabbath. Fomos aos shows em Porto Alegre, Curitiba – capital do golpe, ela enfatizou. Eu rebati que a capital do golpe é São Paulo- e Praça da Apoteose no Rio de Janeiro, onde uma vez vimos juntos o show de Robert Plant e Jimmy Page.

Sempre cantamos “Changes”, a nossa música, no meu aniversário. E era justamente naquela noite, dois de dezembro. Ela e nossos filhos entoaram alto a música antes do show começar. Aos poucos, outras centenas de vozes foram se misturando às nossas.

E então, as luzes se apagaram. Ozzy, Iommi e Geezer surgiram no palco. Eu e ela nos olhamos. E a magia se fez.

– Ismael Machado é escritor, roteirista e diretor audiovisual. Publicou cinco livros e é ganhador de 12 prêmios jornalísticos. Roteirista dos longas documentários “Soldados do Araguaia” e “Na Fronteira do Fim do Mundo” e da série documental “Ubuntu, a partilha quilombola“.

LEIA OUTROS CONTOS MUSICAIS DE ISMAEL MACHADO

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.