de Ismael Machado
“Conhece esse disco? ”
Ela não entendeu bem o motivo da pergunta. Claro que ela conhecia o disco feito por Robert Plant e Jimmy Page, recriando o repertório do Led Zeppelin.
Ele escolheu a faixa. “Kashmir”. “Sabe, essa música é de um disco que marca o início do fim da banda. Eles já tinham vivido quase tudo. Passado da fase da euforia, da descoberta, da cumplicidade. Viviam uma crise. Excesso de drogas, excesso de loucuras, perdas, um monte de coisa atrapalhando. Eles estavam cansados. Aí uns poucos anos depois, o baterista morreu e eles decidiram colocar um ponto final naquilo tudo”.
Ela comentou que já sabia dessa história.
“Pois é, mas o que eles não sabiam é que não tinham vivido tudo. No fundo ainda havia sentimento entre eles. Bem que tentaram achar outros parceiros, mas nada parecia, naqueles primeiros anos, ser tão bom quanto o que eles já tinham construído juntos”.
Ela achou estranho o rumo da conversa, mas preferiu apenas aguardar.
“Eles bem que tentaram unir os cacos. Teve aquela apresentação no Live Aid. Mas eles estavam desacostumados uns com os outros. Não ensaiaram bem. Não foi um bom retorno, eles sabiam”.
Ela sorriu um pouco irônica. “Sei bem o que é isso”, murmurou.
“Espera, ainda não terminei. Eles ficaram mais maduros. Passaram a entender melhor o que valia a pena e o que devia ser deixado de lado. Aí os dois líderes da banda, o Page e o Plant, se reuniram e fizeram esse disco. E quando a gente ouve, quase não acredita, pois muita coisa ficou melhor que antes. Como ‘Kashmir’, percebe? Essa versão é muito melhor. Eles acrescentaram coisas novas e diferentes. Tem uma orquestra sinfônica, uma orquestra de percussão marroquina. Sabe o que isso quer dizer? Que é possível sim, melhorar algo que já foi muito bom. Basta saber unir a experiência de cada um, ceder um pouco, acrescentar o que aprendeu”.
A música estava no auge. Ele parecia ofegante, como se tivesse gasto toda a energia possível naqueles últimos minutos.
Ela levantou. Olhou todas as coisas ao redor, que conhecera tão bem há um tempo cada vez muito distante. Os discos, os livros, as revistas, os objetos todos.
Ele parecia aguardar, ansioso. Ela o abraçou com carinho.
“Desculpa”, finalmente disse. “Mas nossa história realmente acabou”.
Naquele mesmo dia ele leu num site que Robert Plant havia recusado a proposta de Jimmy Page por uma nova turnê do Led Zeppelin.
– Ismael Machado é escritor, roteirista e diretor audiovisual. Publicou cinco livros e é ganhador de 12 prêmios jornalísticos. Roteirista dos longas documentários “Soldados do Araguaia” e “Na Fronteira do Fim do Mundo” e da série documental “Ubuntu, a partilha quilombola“.
Esse bateu pesado. <3