texto por João Paulo Barreto
Em entrevistas sobre os vários trabalhos que realizaram junto ao ator/galã George Clooney, Ethan e Joel Coen têm uma opinião ao mesmo tempo firme e cômica acerca do modo como eles o enxergam despido daquela aura de beleza clássica hollywoodiana que remete a uma austeridade vista em figuras como Clark Gable ou Gregory Peck. Basicamente, os Coen, em sua escrita de personagens, o enxergam apenas como um completo idiota. E acertam em cheio quando, contando com o talento cômico e certeiro do ator, o deslocam propositalmente para essa posição. Não por acaso, os ótimos “E aí Meu Irmão, Cadê Você” (2000); “O Amor Custa Caro” (2003); “Queime Depois de Ler” (2008) e “Ave, Cesar!” (2016), série de quatro trabalhos nos quais os Irmãos Coen escreveram personagens para Clooney, trouxeram exatamente essa quebra da sua imagem austera, o colocando como alguém cuja imbecilidade perpassa qualquer nível básico de autocrítica.
É com a feliz percepção de estarmos diante de um produto semelhante no desenvolvimento de seu co-protagonista que encara-se o adocicado (quase diabético, na verdade) “Ingresso para o Paraíso” (“Ticket To Paradise”, 2022), filme que, apesar de não ter qualquer relação com o talento dos irmãos citados, traz, por parte do seu diretor e co-roteirista Ol Parker, a bem-vinda mesma intenção de deslocar Clooney de sua figura de olhar sedutor e grisalhos magnéticos. Na história, ele interpreta um bem-sucedido arquiteto divorciado que precisa “resgatar” a filha ao lado de sua ex-esposa, vivida por uma Julia Roberts que, apesar de se esforçar, não alcança o mesmo nível cômico de Clooney quando a ideia é fazer graça de si mesma.
O resgate aqui, porém, não se trata de nenhuma missão no nível “sequestro da filha do Liam Neeson”. É algo mais no nível Steve Martin sendo “O Pai da Noiva” (1991), ou Spencer Tracy, no clássico homônimo de 1950. Ao saber que a sua recém-formada advogada e bela filha se apaixonou perdidamente por um jovem empreendedor durante uma viagem a Bali ao ponto de ficar noiva e desistir de voltar para os Estados Unidos para iniciar sua bem-sucedida carreira no Direito, David (Clooney) e Georgia (Roberts) seguem para o paraíso do título, deixando de lado os traumas da sua conturbada e já superada antiga vida conjugal e se unindo para tentar recuperar seu rebento.
Alguém aí duvida que, para além das brigas e acusações constantes, para além do namorado francês e romântico a níveis abobalhadamente alarmantes que Georgia possui, o ex-casal de meia idade vai acabar junto ao final? Creia, não é spoiler se você já viu qualquer comédia romântica envolvendo brigas cômicas entre um ex-casal ou entre amigos que se dão bem até demais (nesse caso, vide “Harry & Sally”, pra citar só um exemplo).
Deste modo, trata-se de um roteiro que, apesar de previsível neste aspecto, consegue criar a empatia junto ao público por conta da química palpável entre Clooney e Roberts, que já haviam atuado juntos em “O Jogo do Dinheiro” (2016) e nas duas primeiras partes de “11 Homens e um Segredo” (2001 e 2004), sendo lá, também, interpretando marido e mulher, além do trabalho diretor e atriz na ocasião da estreia de Clooney atrás das câmeras no ótimo “Confissões de uma Mente Perigosa” (2002).
Como fiapo de história, “Ingresso para o Paraíso” se resume a isso: fazer-se valer da acidez dos diálogos entre seus dois protagonistas para, gradativamente, os vermos ceder ao romantismo de Bali, paraíso na Indonésia, além da percepção de que não conseguirão mudar a decisão de sua filha e à ideia de que, vinte anos depois, podem dar uma segunda chance a um possível novo relacionamento. Dentro desse mesmo fiapo, entretanto, as gags visuais envolvendo mordidas de golfinhos ou picadas de cobras venenosas, juntamente à já esperada competição de “quem bebe mais na festa da praia” (com direito a dancinha retrô no encontro de gerações e ao casal acordando de ressaca na mesma cama “sem lembrar o que aconteceu”), surgem como o já esperado clichê batendo cartão.
Diretor e roteirista da continuação de 2018 para o sucesso musical “Mamma Mia!” (2008), Ol Parker parece não se importar muito em manter sua carreira na direção de feeling good movies, uma vez que também roteirizou o simpático filme de terceira idade “O Exótico Hotel Marigold” (2011), bem como sua continuação de 2015. Quem sabe não veremos muito em breve os sessentões Julia Roberts e George Clooney voltando a trabalhar sob a batuta de Parker em alguma comédia que tenha suas futuras idades avançadas como mote? A rabugentice dos dois na construção de seus personagens, além da desconstrução do galão Clooney garantirão as risadas. Aqui, ao menos, conseguiram divertir.
– João Paulo Barreto é jornalista, crítico de cinema e curador do Festival Panorama Internacional Coisa de Cinema. Membro da Abraccine, colabora para o Jornal A Tarde e assina o blog Película Virtual.