texto e fotos por Marcelo Costa
vídeos por Bruno Capelas
Shows de lançamento no Sesc são sempre um momento raro que um artista/ banda tem para mostrar ao público seu novo material com tudo aquilo que se tem direito. O cachê, mais gordo que o de um show “comum”, permite replicar no palco das unidades o material produzido em estúdio tal qual ele soa em disco, e para levar seu quinto trabalho ao palco da charmosa choperia (eu sei, eu sei, comedoria) do Sesc Pompeia, o recém-lançado “V”, a Maglore não economizou: ladeado por um trio de cordas à direita e por um trio de metais à esquerda, a banda mostrou seu novo álbum na integra de uma maneira que poucos sortudos vão ver no país.
Em uma conversa elucidativa com Leonardo Vinhas no Scream & Yell, Teago Oliveira já dava a letra: “(O show do ‘V’ na estrada) Vai ficar naked mesmo”, explicando logo depois: “Dessa vez a gente foi em prol da música mesmo, se permitiu falar assim: ‘olha, é uma orquestra e uns sopros, é Frank Sinatra com Jorge Ben e foda-se’, entendeu? A música tá pedindo isso, então é isso que vamos fazer. E acho também que pode ficar até mais interessante deixar a coisa diferente ao vivo”. De fato, uma das coisas belas da música pop é a maneira como ela pode se adaptar, se recriar, transformando-se em outra coisa nova e bela, mas nessa noite em São Paulo um grupo de 10 pessoas sobre um palco tinha a fina missão de dar vida a um dos grandes discos de 2022 do jeitinho que ele nasceu.
E o começo não poderia ser melhor com três canções de “V” abrindo a noite de modo festivo, com todo público cantando junto letras que dizem muita coisa sobre esses dias estranhos que estamos vivendo: da primeira “A Vida é Uma Aventura”, que também abre “V” e traz frases (pós pandemia) que beliscam o braço do ouvinte como “A gente envelheceu, a gente superou” ou “Inevitavelmente, você vai sofrer de novo” ou ainda “Cada segundo em cada lugar / Tem sangue e cachaça pra gente brindar” passando pela candura pop de “Amor de Verão” e chegando na poderosa “Eles” (com intro remetendo a “Rockixe”, do grande Raul), uma canção sobre fuzis e botas, verdades e conspirações, que define sabiamente: “Eles não têm chance, não / Eles não entendem o que são / Não há beleza, é só tristeza e vício em destruição”.
A receptividade ao bloco inicial não passou batido por Teago: “Ô, galera, que bom saber que vocês realmente ouviram o disco”, comentou, avisando que a banda ainda iria passar pelo repertório dos álbuns anteriores, deixa para que “Me Deixa Legal” (do disco “Todas as Bandeiras”, de 2017) e “Ai Ai”, do disco “III” (2015), preenchessem o ambiente e fossem tomadas pela audiência, que levou a letra da segunda sozinha. “Se Você Fosse Minha” surgiu na versão do disco ao vivo, acrescida de “Lenda do Abaeté”, e a felicidade estampada em cada rosto dava conta de que algo especial estava acontecendo em um dos lugares mais especiais da cidade (“Tem cinco anos que a gente não toca no Sesc Pompeia, um dos lugares mais importantes de São Paulo”, comentou o vocalista em certo momento).
O público, que esgotou antecipadamente todos os ingressos da apresentação, foi saudado por Teago na sequência: “Ficamos dois anos enclausurados em nossos apartamentos e a gente não faz ideia como a banda não acabou, acho que foi um pouco por causa de vocês, muito obrigado”. Mais duas faixas novas, a bonita “Transicional” (uma música sobre “força e coragem” cuja letra Teago se inspirou a escrever após ler uma entrevista de Hunter Schaeffer, atriz da série “Euforia”, mas que também soa como quase uma irmã mais nova de “Hate It Here”, do Wilco) e a mineirice beatle (leia-se: Clube da Esquina) linda de “Vira-Lata”, com o baixista Lucas Gonçalves reforçando os vocais, antecipando a já clássica “Motor”, para delírio do público. “Essa sequência a gente pegou do Twitter de alguém”, confidenciou Teago.
Após outra música do “III” (“Invejosa”), a banda começou a diminuir a velocidade com mais um bloco (fofo) de “V” (entre Wilco e Clube da Esquina com um pé na psicodelia) aberto primeiramente com “Talvez” e seguida por “Medianias”, “Outra Vez” (acompanhada em coro pelo público, que vibrava a cada canção nova presente no set) e o reggae “Revés de Tudo”, preparando o público para a dobradinha “Dança Diferente” / “Café com Pão” (outras duas do “III”). As baladinhas bossa “Amor Antigo” e “Para Gil e Donato” – que devem ficar ausentes de outros shows – foram o momento para o público lotar o bar atrás de cerveja se preparando para a micareta final – antes, porém, Luquinhas mostrou uma das mais belas canções de “V”, a maravilhosa “Maio, 1968”.
Após o deslumbre, a farra. “Logo mais a gente vai tocar em Salvador e lá vou precisar colocar a minha bandana do Bell Marques”, brincou Teago. O público, porém, levou a sério, e o carnaval se instaurou no Sesc Pompeia com uma tríade de canções retiradas do disco “Todas as Bandeiras” incendiando a galera: “Calma”, “Aquela Força” e “Valeu, Valeu” fizeram todo mundo dançar, pular, pogar abraçados como se estivessem em um bloco de rua e, não querendo perder a magia do momento, a banda nem deixou o palco, emendando no bis o hit “Mantra” e uma das preferidas do disco novo pelo fã clube, a poderosa “Espírito Selvagem”, com metais e cordas juntas encorpando o som e fechando com chave de ouro com Teago apresentando os nove músicos presentes no palco e finalizando uma noite deliciosa de música e festa dizendo: “E eu sou Luiz Inácio Lula da Silva”.
No Scream & Yell, ao falar sobre “V”, Leonardo Vinhas escreveu: “…ouvido na sequência, o novo disco da Maglore tem um efeito de ‘elevação’. Ao resgatar sentimentos e ideias que ficaram soterrados sob camada de ódio e ansiedade em nosso dia a dia, a Maglore entrega o que só a melhor música pop consegue entregar: a sensação de que, por mais difíceis que as coisas estejam, ainda é possível encontrar e vivenciar beleza e alegria”, definindo não só com perspicácia o novo trabalho do quarteto, como o sentimento que as novas canções causam no público, algo que ficou estampado na plateia do Sesc Pompeia, felizarda ainda por assistir ao show completo, com todas as canções do disco “V” soando como soam em estúdio. Como vão soar essas canções na versão “naked”, sem metais e sem cordas, na estrada? A gente vai descobrir logo, logo. Por enquanto, sorriso no rosto e o pedido para tratar um dos candidatos a disco do ano do jeito que ele merece: ouvindo-o. Play no disco e pausa para os novos capítulos.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.
– Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista. Apresenta o Programa de Indie, na Eldorado FM, e é autor de “Raios e Trovões – A história do fenômeno Castelo Rá-Tim-Bum”, editado pela Summus Editorial. Colabora com o Scream & Yell desde 2010.