A Capa do Disco: Mogwai e a fotografia do russo Sergei Mikhailovich Prokudin-Gorskii

texto por Luciano Ferreira

Décimo álbum de estúdio numa carreira de quase três décadas, “As The Love Continues” (2021) foi o disco que alçou o Mogwai pela primeira vez ao topo das paradas no Reino Unido, um feito definido pela banda como surreal. Considerando o gênero musical nada convencional ou comercial ao qual a banda tem se mantido fiel desde o seu surgimento, o post rock, mesmo tendo agregado elementos diversos e alargado as linhas do seu universo musical, pode parecer surreal mesmo. Mas o retrospecto da banda, para além de seus próprios discos, com a participação em trilhas sonoras de filmes, séries e documentários, pode explicar o motivo desse Mogwai ter ido além das linhas fechadas do círculo criado em torno de uma banda categorizada em algum gênero de nicho. Ou seja, o grupo escocês conseguiu transcender para além do gênero musical e se tornar “simplesmente” o Mogwai, aquela banda que constrói atmosferas envolventes que atraem.

Indo ao ponto de interesse maior ao qual se dedica essa coluna, a capa do disco, “As The Love Continues” usa uma fotografia de 1910 do químico e fotógrafo russo Sergei Mikhailovich Prokudin-Gorskii (1863-1944), conhecido pelo seu trabalho pioneiro em fotografias em cores no início do século XIX, na Rússia, usando o processo de sobreposição. A foto é conhecida pelo nome de “white fox” (imagem abaixo), e pertence a Library Congress, a Biblioteca do Congresso americano, em Washington D.C.

O fotógrafo russo pretendia que suas imagens fossem vistas em cores, e desenvolveu uma engenhosa técnica fotográfica para que elas fossem capturadas triplamente em preto e branco em negativos de lâminas de vidro, usando filtros vermelho, verde e azul. Essas imagens eram então apresentadas em cores usando um sistema de projeção de luz sobre as três paletas criadas podendo ser vistas em cores, mas não impressas, o que só viria acontecer décadas depois. É dele a única foto colorida do escritor russo Tolstoi, autor de clássicos como “Guerra e Paz” (1865/1869) e “Anna Karenina” (1877).

Tendo passado seus últimos dias de vida em Paris, toda a sua coleção foi adquirida, em 1948, pela Fundação Rockefeller por cerca de 4 mil dólares (em valores atuais: 49 mil dólares). Foi somente no início dos anos 2000 que o acervo pôde ser mostrado ao grande público, graças a técnica chamada digicromatografia, que permitiu que a Biblioteca do Congresso restaurasse todos os negativos de lâmina de vidro e o disponibilizasse online.

Em 2012, o trabalho do fotógrafo finalmente ganhou um livro reunindo parte do seu trabalho, “Nostalgia: The Russian Empire of Czar Nicholas II Captured in Colored Photographs”, lançado em inglês pela Editora Gestalten, contendo 320 páginas e 283 imagens de página inteira.

Dave Thomas, Designer Gráfico e Ilustrador, mais conhecido por dlt, foi o responsável pela escolha da foto que ilustra “As The Love Continues” (acima) – e que depois surgiu em variações em singles e remixes do disco. É dele também a parte gráfica de outros nomes da cena musical escocesa como The Twilight Sad e Frightened Rabbit – Thomas tem ligações com as bandas locais desde quando começou a se aproximar do selo local FatCat. São de sua autoria as capas de outros discos do Mogwai: “Mr Beast” (2006), “Hardcore Will Never Die, But You Will” (2011), “Rave Tapes” (2014), “Atomic” (2016) e “Every Country’s Sun” (2017), além das artes das várias trilhas sonoras executadas pelo grupo.

Thomas comentou em entrevista sobre a escolha da foto: “Foi, na verdade, uma continuação dos processos de ideias com as quais eu comecei no álbum anterior, querendo trabalhar novamente com várias camadas. Começou olhando para uma fotografia antiga, o processo original de fotografia colorida onde você tinha camadas de vidro com diferentes tipos de cores que eram sobrepostas para criar as camadas de cores. Eu tinha visto essas velhas fotografias russas da virada do século, e algumas das placas de cores estão danificadas, então você tem essa sensação de várias camadas de coisas. Eu senti que poderia realmente brincar com isso, no sentido de: com a música você tem todas essas diferentes camadas de som chegando, e elas estão todas entrelaçadas, mas elas têm seu próprio tipo de personagem dentro da música. Eu queria começar a jogar aquele jogo com o visual”.

A imagem já havia sido usada na capa do álbum “Pulsus Frequens” (2016), da banda eletrônica polonesa Lautbild (imagem acima), com uma paleta de cores mais difusa entre o verde e o marrom (que é a mesma do original), e utilizando a imagem como um todo. Na capa do Mogwai, Thomas utilizou alguns efeitos, enfatizando uma tonalidade mais “quente”, o vermelho. A figura do lobo do ártico surge de forma bastante difusa (não pega a foto original como um todo) o que casa perfeitamente com a sonoridade da banda que se utiliza de camadas sonoras diversas nos arranjos.

A Our Culture Magazine, revista digital de Música e Variedades, elegeu “As The Love Continues” capa do ano de 2021, numa votação das 50 melhores capas daquele ano. “Kick ii, Kick iii, Kick iiii, Kick iiiii”, do Arca, ficou em segundo e “Bright Green Field”, do Squid, em terceiro.

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 Luciano Ferreira é editor e redator na empresa Urge :: A Arte nos conforta e colabora com o Scream & Yell.

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