de Ismael Machado
O primeiro sinal foi quando numa festa de amigos, ela dançou “Like a Virgin” e ele fechou a cara. Ela sempre amara Madonna, desde criança. Mas a partir daquela noite passara a relacionar a música dela a brigas e agressões.
Ela passou a notar, na pele, que havia mudanças de humor sem explicação alguma. Oscilava entre carinhos e atenção e ciúmes desproporcionais e agressões. No dia em que seus braços apresentaram marcas roxas, ela disfarçou com uma blusa de mangas compridas ao ir para o trabalho.
Foram meses na montanha russa de sensações. Ora pareciam fadados a uma felicidade singular, dançando agarradinhos um forró sacolejante e em mesas de bar com amigos. Em outros momentos, as explosões surgiam intempestivamente.
A gota d’água veio em uma noite quando precisou fugir para a casa dos pais. Ele a ameaçou de morte. E a relação teve um ponto final.
Foram dias, semanas, noites, entre lágrimas e pensamentos. A caverna escura, a confiança em frangalhos, a dor exposta. Mas aos poucos parecia que uma nova pele brotava de antigos ‘cascões’ de ferida.
Mas ela só percebeu o quanto estava realmente livre quando poucos meses depois, na piscina da casa de uma amiga, pôs um até então proibitivo mini biquíni e dançou a valer uma sequência de músicas de Madonna. Entre “Holliday” e “Express Yourself” deixou seu corpo ser levado por “Like a Virgin”. E gargalhou como há muito tempo não fazia.
– Ismael Machado é escritor, roteirista e diretor audiovisual. Publicou cinco livros e é ganhador de 12 prêmios jornalísticos. Roteirista dos longas documentários “Soldados do Araguaia” e “Na Fronteira do Fim do Mundo” e da série documental “Ubuntu, a partilha quilombola“.