entrevista por Renan Guerra
Tímida, de olhar observador, Luiza Brina parece sempre uma artista atenta ao seu entorno e transforma tudo isso em canções de delicada beleza, que captam essas coisas simples e belas que às vezes nos passam desapercebeidas. Em 2022, ela celebra os 10 anos de lançamento de seu disco de estreia, “A Toada Vem é Pelo Vento”, lançado em 2012. Artista nascida nesse entremeio em que a música deixava de ser física e se tornava cada vez mais digital, Luiza aproveitou a data de celebração para dar novo fôlego para o álbum.
“A Toada Vem é Pelo Vento” foi relançado esse ano em versão de luxo pela dobra discos. As canções originais, à época produzidas por Luiz Gabriel Lopes, tiveram gravação caseira, com equipamentos limitados, e agora ganharam nova masterização, aos cuidados de Kiko Klaus, que masterizou a versão original. As oito canções também foram registradas em novos formatos: Luiza gravou em voz e violão e em voz e piano, todas as músicas, se voltando aos instrumentos que marcam o começo de sua relação com a música. Por fim, três das canções ganham releitura ainda mais especial. Luiza decidiu regravá-las com uma nova abordagem, partindo de um olhar de hoje para elas.
Em “Back in Bahia”, ela assina a produção de uma nova versão em voz, guitarra e sintetizadores, e convidou Castello Branco para dividir vozes com ela. Já em “Somos Só” é Ana Frango Elétrico quem reconstrói, ao lado de Luiza, uma nova versão. As duas, que contaram com as percussões de Marcelo Costa (Maria Bethânia, Tribalistas, Gilberto Gil e cia), assinam em conjunto a produção, além de dividir vozes. Por fim, a faixa título foi revisitada por Luiza ao lado de Zé Manoel, que rearranjou a canção, trazendo elementos rítmicos novos a ela e, com isso, um novo tempo.
Para o Scream & Yell, Luiza Brina respondeu três perguntas sobre esse novo lançamento e suas parcerias. Confira:
Nesses 10 anos, o modus operandi da música independente brasileira mudou muito. Então gostaria de saber mais sobre como foi o processo de criação e gravação de “A Toada Vem é Pelo Vento” e como você enxerga esse processo agora, com a distância do tempo?
Sim, tudo mudou muito! Do início dos anos 2000, até um pouco depois de quando eu gravei o disco, em 2011, a engrenagem da produção musical operava sob uma perspectiva que estava nascendo. A ideia de um mercado independente, livre das amarras do mercado tradicional, estava em alta, vários artistas começaram a gravar em home studios e lançar seus discos no MySpace, no Facebook, em sites como a Musicoteca – num tempo em que ainda não havia plataformas de streaming como Spotify, Deezer, etc. Isso, em alguma medida, era o formato, e não a estratégia. Hoje isso pode e é muitas vezes construído como estética, como uma identidade, algo afim de projetar uma imagem para o artista. Então é curioso olhar pra isso tudo mais de uma década depois. Em alguma medida, olho com certa beleza e alguma idealização, tanto tempo depois. As coisas foram ficando melhores em muitos aspectos técnicos, mas o mercado que em algum momento chamamos de independe foi afunilando e absorvendo a estrutura do mercado tradicional, repetindo lógicas e modelos, então gosto de pensar que pude criar meu primeiro disco sem tanta rigidez e pressão. Foi um momento importante pra minha geração.
Nesta nova edição, você pode contar com a colaboração de novos nomes que também foram ouvintes atentos do seu disco, como Zé Manoel, Ana Frango Elétrico e Castello Branco. Para você, qual é a importância de trabalhar e trocar com esses nomes? Como foi esse momento de encontro?
Zé, Ana e Castello são três artistas que admiro muito, mas também três amigos queridos. Cada um à sua maneira fez parte desses meus 10 anos de estrada, e foi muito especial perceber que meu disco também esteve no caminho deles. O convite que fiz a cada um partiu disso, de um desejo imenso de estar ainda mais perto deles, de trocar, mas também de registrar e consolidar um trajeto que fizemos em paralelo, com influências diversas numa via de mão dupla.
Quem me apresentou ao Zé foi o Luiz Gabriel Lopes (hoje Luizga), em uma situação super legal: o LG estava fazendo uma série de shows na Casa do Mancha, sempre com convidados, e convidou eu e o Zé para participarmos juntos de uma edição. o Zé tinha acabado de lançar o “Canção e Silêncio” (que eu já amava) e eu tinha recém lançado o “Tão Tá”. O encontro foi tão legal que depois o Zé convidou a gente para participar de um show dele em BH. E desde então, seguimos. Nessas trocas, descobri que ele tinha um carinho especial pelo meu primeiro disco. Quando convidei ele pra gravar “A Toada”, propus que o arranjo partisse dele, do piano, da voz, das ideias dele. Foi maravilhoso, porque ele logo me enviou uma gravação com uma percussão de caboclinho, somado ao seu piano. Achei incrível, porque essa música é originalmente um boi, e foi feita em homenagem ao boi de Maracanã.
Já Ana, conheci através do Vovô Bebê – nosso irmão de música. Nessa mesma época, a gente dividiu uma noite no Sonora RJ, e foi super especial. Quando fui gravar a versão de “Somos Só”, comecei a imaginar a voz de Ana cantando, depois fui imaginando as guitarras ali, e então fiz o convite. A gente produziu juntes essa faixa, e isso foi super legal porque temos jeitos distintos e muito específicos de pensar a produção. Eu amei essa junção, Ana fazendo uma direção, ouvindo, sugerindo instrumentos, samples, e até a participação do Marcelo Costa – que gravamos nós mesmas, em sua casa. E eu ia gravando em casa violões, baixos, synths, vozes. Fiquei feliz com essa nossa versão.
O Castello é também um amigo querido, e cujas canções tenho muita admiração. Tocamos juntos desde 2018, e temos também um show de duo, de violões e vozes, onde eu o acompanho. Tenho um carinho gigantesco pela obra dele. Em nossos shows de duo, ele sempre me pedia pra tocar “Back in Bahia”, então foi muito natural pensar nele quando fui gravar essa música. Pensando no nosso encontro musical, propus que a gente juntasse no final a minha “Back in Bahia” com “Back to Myself”, canção dele que mais gosto.
Foram encontros importantes ao lançamento, mas em especial sinto que foram importante como registro das afinidades e trocas musicais que tenho com eles.
As versões acústicas que completam a nova edição do disco têm definições específicas, como “na janela version”, “pôr do sol version”, “embaixo da árvore version”. Queria que você contasse um pouco mais sobre essas localizações espaciais das canções e como foi esse processo de desnudar elas para o acústico.
Eu diria que tudo o que componho nasce, antes, do violão. Mas no meu disco de estreia, isso foi ainda mais forte, porque ali eu apresentava canções muito embrionárias da minha relação com a música. Quando pensamos em editar essa edição especial d’”A Toada” pela dobra discos, pensamos imediatamente que gostaríamos de ter as versões cruas dessas composições. E fizemos essas gravações na casa dos meus pais, onde eu ainda vivia quando gravei o disco, uma década atrás. Então registramos uma canção no piano que foi da minha avó, outra na janela onde eu gostava de sentar pra compor, outra embaixo da árvore que foi plantada pela minha mãe no quintal, outra com o sol se pondo no horizonte de BH, e assim fui batizando os registros. Achei importante marcar essa memória também no nome das músicas, lembrar que elas foram gravadas naquele lugar, perto da minha família, num ambiente onde passei tantos anos da minha vida, e onde a música já estava completamente presente. É uma forma de registrar também a minha história, e de celebrar ela. Agora coloco essa história pra circular na turnê (fique atento às datas), junto a parceiros que construí ao longo dos anos. É um momento bem especial pra mim.
– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava.