Texto por Renan Guerra
Fotos por Fernando Yokota
Desde 2018 estamos dizendo aqui no Scream & Yell que você deveria estar prestando atenção em Rosalía – falamos disso lá no lançamento de “El Mal Querer” (2018) e depois quando do lançamento do arrasa-quarteirão “Motomami” (2022). A passagem de Rosalía por São Paulo, marcada para uma segunda-feira, parecia como uma parada extra entre seus shows em outros países da América Latina e, aparentemente, os responsáveis pelo evento pareciam ter subestimado o poder da motomami. Marcado originalmente para um espaço menor, o Tokyo Marine Hall, com capacidade para 4 mil pessoas, a alta procura pelo show fez com que o evento fosse transportado para o Espaço Unimed (8 mil pessoas) e mesmo assim até o último dia ainda havia gente buscando ingressos – mesmo com o elevado valor.
Segunda-feira de manhã já havia fila na porta do local e o público logo que entrou já buscou guardar seus lugares nas duas grades possíveis – a grade da pista premium, em frente a artista, e a grade normal, da pista comum. Os telões laterais ao palco traziam um aviso dizendo que, conforme recomendação da produção de Rosalia, eles não transmitiriam o show, decisão que visava valorizar uma parte essencial da turnê “Motomami”, que são os telões colocados no palco, junto de Rosalía, ela inclusive se apresenta a frente de um grande telão branco, que ora faz as vezes de fundo, ora é utilizado como espaço de projeção.
Com poucos minutos de atraso, Rosalía entrou em cena com o nível lá em cima: ela e sua trupe de dançarinos surgiram com grandes capacetes luminosos (o objeto havia sido proibido pela produção, que alertava: “capacete só no palco”), em uma espécie de dança motorizada e logo tudo explodiu com o hit “Saoko”. Na sequência, outros hits: “Candy” e “Bizcochito”. Essa última ficou famosa na internet pelos takes em que Rosalía masca um chiclete, com cara de deboche, expressão que foi replicada como meme no Twitter e no TikTok – para o Brasil ela adaptou e repetiu a palavra “abafa”, outro meme em alta nas redes por aqui.
Demonstrando alegria de estar pela primeira vez no Brasil, a cantora arriscou algumas palavras em português. De vez em quando ela se confundia e meio que parava, como quem faz aquela cara de “como se diz isso nessa língua?” e aí misturava palavras num clássico portunhol acrescido de inglês. De todo modo, ela aproveitou para confessar sua paixão por Elis Regina e também pela bossa nova, deixando claro que “Águas de Março” é uma das suas canções favoritas – chegou até a entoar alguns versos. Mas foi se arriscar um pouco mais ao dedilhar e cantar “Você Vai Ver”, de Tom Jobim, famosa na voz de João Gilberto.
Sua alegria e seu desprendimento com o público apareceram em outros momentos. Na hora de “Abcdefg”, o alfabeto da motomami ganhou adaptações: o F ganhou um grito do público de “Fora Bolsonaro”, o S virou “São Paulo” (que, aliás, em inúmeros momentos ela chamou de Sampa) e o P virou “pão de queijo”, que ela falou ter comido um monte durante o dia – seus stories do Instagram inclusive exibiam uma foto dela ao lado de duas cumbuconas da iguaria mineira. Ainda sobrou espaço para receber presentes do público: um boné que ela logo vestiu e depois um chapéu que ela seguiu usando durante mais uma música. Jogaram também ao palco ursinhos, sacos de presentes e até uma espécie de balaclava de diabinho que, obviamente, ela também experimentou e fez graça. A bandeira do Brasil também se fez presente, item que ela pegou com muito carinho e se enrolou enquanto contava histórias.
Tudo isso era visto pelo público em grandes telões que ficavam na vertical, nos cantos do palco, em formatação que parece a da tela do celular. Um dos shows de lançamento do “Motomami” foi transmitido via TikTok e é curioso que as formatações que vemos lá são repetidas de forma extremamente interessante ao vivo no palco. O show segue e os dançarinos formam uma moto-humana na faixa “Motomami”, os jogos de luzes e as movimentações em cena, tudo conversa com essa linguagem virtualizada. Inclusive, em determinado momento, as câmeras são dadas nas mãos dos dançarinos e, como se fosse uma selfie, eles filmam aquilo que acontece no entorno do público. A própria Rosalía em determinados momentos canta com essa câmera de selfie e a audiência vê isso com uma nitidez tremenda nesses grandes e belos telões, onde a cor é até mais viva do que aquela cor que nossos olhos veem ali, ao vivo durante o show.
A turnê “Motomami” é uma experiência imersiva diferente, completada pelo cameraman que circula pelo cenário todo equipado e que possibilita ângulos e enquadramentos completamente únicos. E é tudo tão bem orquestrado que muitos até poderiam crer que o que passa nos telões não é ao vivo, tamanha a qualidade e técnica, porém realmente estava tudo acontecendo ali, diante dos olhos de todos os presentes. Com um repertório calcado no álbum “Motomami”, Rosalía ainda abriu espaço para algumas faixas do disco “El Mal Querer”, como “Malamente” e “Pienso En Tu Mirá”, e ainda passeou pelos inúmeros singles que lançou entre os dois discos, como “Con Altura” (parceria com J Balvin), “Yo x ti, tú x mí” e, claro, seu mais recente hit, “Despechá”.
No final das contas, ao vivo Rosalía oscila entre momentos de ritmo frenético, com coreografias extasiantes e super pops, e outros momentos emotivos, que deixam a mostra o poder de seu vozeirão – em alguns deles mais focados na voz ela inclusive foi às lágrimas (como em “De Plata”, de seu disco de estreia, “Los Ángeles”, de 2017). Para o público é avassalador poder presenciar tudo isso ali, tão de perto: todas as nuances, as intenções, as complexidades de uma artista tão jovem e tão múltipla. Rosalía consegue transitar entre gêneros, casando o clássico e o moderno apontando possibilidades de futuro para a música pop e, por isso mesmo, é um nome em constante ebulição e que deve ser observado de perto. E que, “se Deus quiser” (como ela mesma disse em português), deve voltar em breve aos palcos brasileiros. Que não demore muito.
SET LIST – ROSALIA EM SÃO PAULO
SAOKO
CANDY
BIZCOCHITO
LA FAMA
Você vai ver (João Gilberto) (Trecho a capella)
Dolerme
DE AQUÍ NO SALES / BULERÍAS
MOTOMAMI
G3 N15
Linda
LA NOCHE DE ANOCHE
DIABLO
HENTAI
PIENSO EN TU MIRÁ
Perdóname
De plata
Abcdefg
LA COMBI VERSACE
Relación
TKN
Yo x ti, tú x mí
DESPECHÁ’
AISLAMIENTO
Blinding Lights (Remix)
DINERO Y LIBERTAD
COMO UN G
MALAMENTE
DELIRIO DE GRANDEZA
LAX
Con altura
Encore:
CHICKEN TERIYAKI
SAKURA
CUUUUuuuuuute (extended)
– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava.
– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: http://fernandoyokota.com.br/
Um texto lindo que deixa muito claro como foi a passagem avassaladora da motomami em sampa. Ameeei.