texto de abertura Renan Guerra
faixa a faixa por Fernanda Porto
O nome de Fernanda Porto é sempre associado ao seu trabalho pioneiro dentro do universo drum’n’bass no Brasil; ela, junto a outros artistas, deu forma ao que conhecemos como drum’n’bossa lá na virada do século. Multiinstrumentista, cantora e compositora, Fernanda se apresenta agora em “Contemporâne@” (2022) de forma bem distinta: despida dos beats eletrônicos, acompanhada apenas de sua voz e de um piano.
Lançado pela gravadora Joia Moderna, de DJ Zé Pedro, o novo disco de Fernanda Porto parte do interesse dela e de Zé pelo que há de novo na música brasileira. Jovens compositores formam o repertório que é desnudo na voz de Porto e que ganha em delicadeza e força na sua produção mínima. “Contemporâne@” passa por diferentes nomes, indo dos mais populares, como Jão e Mallu Magalhães, até nomes importantes na cena alternativa, como Mahmundi, Bárbara Eugênia e Arthur Nogueira e aposta em nomes pulsantes e criativos como Bruno Berle e Bemti.
Segundo Zé Pedro, “’Contemporâne@’ é um álbum que clama por beleza e delicadeza num mundo de enganos e efemeridades que insistimos em viver”. Essa fala é bastante simbólica, já que a busca de Fernanda aqui é dialogar com esses jovens compositores que provam a criatividade, a inventividade e a pulsação da nossa música nesse momento. Porto inclusive explica que a ideia desse novo disco surgiu de sua amizade com Zé Pedro, em trocas virtuais durante esse processo de pandemia, “nas muitas de nossas conversas online, ele me propôs que lançasse um álbum com um repertório focado na nova geração do pop brasileiro, valorizando o meu lado intérprete e musicista”, explica Fernanda. “Além de servir de cartão de visita para esses novos compositores – que, em sua maioria, não conheciam meu trabalho, mas se mostraram disponíveis e interessados por uma artista que nascia agora para eles, através de contatos que tivemos pelas redes sociais”, conta.
“Contemporâne@” foi gravado ao vivo no estúdio Giramundo, nos dias 17 e 18 de junho de 2022. Com 11 faixas, o álbum é um mergulho na bela voz de Fernanda e no universo de compositores de universos e regiões bastante distintas do Brasil. Para o Scream & Yell, Fernanda Porto contou um pouco mais sobre a escolha de cada faixa e a sua relação com essas canções. Leia abaixo:
Faixa a faixa, por Fernanda Porto
01. Olhos Vermelhos (Jão)
Essa canção me pegou de cara. Gosto da maneira que ela fala sobre estar sozinho e suportar a ausência do outro com elementos de reflexão e autoconhecimento. Ao mesmo tempo insiste no refrão no desejo de se jogar nas fragilidades de quem está amando. “Eu quero me perder, incendiar, nadar além do mar, me deixa sentir medo”
02. Mãe Sampa (Paulo Vieira)
Eu achei maravilhosa a maneira que ele fala da cidade. “Tem muita gente estranha e esquisita em São Paulo / Eu gosto de andar com elas / de ser estranho também / estar entre a multidão pra ser alguém”. Afinal por aqui todos que chegam parecem acreditar no “milagre paulistano” de existir, trabalhar, acontecer e ser alguém, não é?
03. Por que você mora assim tão longe? (César Lacerda)
Uma melodia impecável vai desenhando o desejo de estar perto de alguém que “mora assim tão longe” num “lugar que eu nem conheço”, “imagina só minha solidão”. E segue em uma busca de um tempo que possa também acelerar esse encontro: “Me diz então se é possível com carinho inventar um mecanismo que acelere o tempo sem você”. Poesia pura em estado de paixão.
04. Livramento (Bemti/ Nina Oliveira)
Quantas vezes quando sofremos por uma separação aparecem dúvidas do gênero: “Se é castigo ou livramento não ter mais aqui” ou até mesmo” E se a sua camisa emprestada vira pijama ou pano de chão”. E ainda responde: “Não sei mais explicar mas eu posso tentar”. Muito bom poder cantar sobre esse “incômodo” de final de uma relação.
05. Fases da Lua (Mallu Magalhães)
Adoro várias canções dela, o Zé Pedro me apresentou essa que amei. “Me conta você, das fases da lua / eu quero saber o nome da rua que me leva pra casa / eu me perco demais por é que eu nunca olho tanto pra trás”. Uma melodia muito leve e a harmonia eu dei uma mexida, acrescentei mais acordes para que a música ganhasse mais movimento em cada repetição.
06. Pomares (Chico Chico)
Considero uma grande canção. Fala de maturidade e do tempo de uma forma tão especial. A construção melódico-harmônica é muito sofisticada. “Rendo-me ao tempo ciente que pereço e que o preço de estar é partir”. Aqui trago trechos da letra que gosto demais: “Mais seguro dos mergulhos livres de respostas, mas com a força do aço nas mãos sem medo de vilão, da dor vã”. Quando comecei a tocar no piano, deixei ela mais lenta talvez pra deixá-la mais clara.
07. Nos de Fronte (Mahmundi)
Muito bom falar de um amor que se denuda e aceita o que está na sua frente. “Para provar por aí que nada mas se esconde antes eu tinha medo agora eu sinto fome de viver”. Aqui gravei um piano mais pop mesmo.
08. Pra bem perto de mim (Guilherme Held/Rubel)
“Eu vejo o mundo torto / Paredes, rostos e canções / Invento um verbo pela boca / Ensinar, enojar, talvezar / Eu cheiro azedo às vezes / E chamo de calor / Mas eu sei / Onde está você / Eu quero que você voe pra bem perto de mim” comecei pela letra que é tão clara no contraste do desconforto do “mundo torto” com a felicidade de ter e saber onde está um grande amor. E ela ainda se encerra com o sentimento de tranquilidade “Já não sou quem era antes, já tem terra firme como nunca antes”.
09. “A vida não é bela” (Arthur Nogueira)
Um poeta, Arthur afirma: “E não é bela a vida se eu não posso ver por dentro de você o céu do dia”. Essa ele compôs pra mim, fiquei muito feliz, gravei com o coração na boca. Também com essas frases lindas… “Ouço o seu coração em mim, batendo até furar-feito mar / as minhas verdades de pedra”… não poderia ser diferente.
10. O Amor de Acabou (Bárbara Eugênia)
Acho bem divertida a maneira que a Bárbara Eugênia construiu um final para a sua decepção amorosa: ”Você quebrou e deixou pra lá todos os pedaços de amor inteiro que já durou mais do que devia” ironizando claramente: “O amor se acabou e eu nem vi nem te vi partir já não importa mais levo o que é meu e agora quem vai cuidar de mim mesma sou eu, sou eu”.
11. Amélia Rosa (Bruno Berle)
Sinto claramente influência das harmonias da bossa nova nas canções de Bruno Berle. Muito lirismo na melodia e uma letra reflexiva deliciosa de cantar. “Se minha vida pudesse voltar e afastar todas as distrações, tudo que eu não consigo explicar, as estrelas as constelações essas coisas do mundo são só ilusões, ilusões”.
– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava. A primeira foto é de Ana Alexandrino / Divulgação