por Marcelo Costa
“Spencer”, de Pablo Larraín (2021)
Tudo (absolutamente tudo) que acontece em torno da Coroa Real Britânica parece ter um lugar reservado na cultura do “entretenimento” moderno, o que soa assustador – principalmente para quem vive dentro dos castelos reais. Por isso, a série de eventos que movimenta “Spencer”, a “fábula de uma tragédia real” (disponível na Prime Video) escrita por Steven Knight e dirigida pelo excelente diretor chileno Pablo Larraín (dos ótimos “No” e “O Clube”), já foi dissecada tanto em tabloides e biografias (sensacionalistas ou não) quanto na já mítica série “The Crown” (2016/2022), da qual qualquer obra história britânica acontecida sobre o reinado de Elizabeth II, de “O Destino de Uma Nação” a este “Spencer”, parece um spin-off. Talvez, até por isso, Larraín tenha pesado a mão na autoralidade para tentar fugir da sombra da série ao contar dos eventos que, um ano depois, culminariam na separação da Princesa Diana e do Príncipe Charles. Na véspera de Natal de 1991, a família real britânica se prepara para comemorar a data em um encontro tradicional na propriedade da rainha em Sandringham, Norfolk. A situação na corte, porém, necessita de atenção: a traição de Charles, que nunca deixou de ver e se encontrar com sua paixão de adolescência, Camila, está sufocando Diana, a ponto dela quase enlouquecer. Bulímica e com o sistema nervoso em frangalhos, a princesa se sente como uma prisioneira de guerra em território inimigo (tema que o roteiro demarca desde a primeira cena), fardo que as tradições reais presentes nesses três dias natalinos em Sandringham só irão amplificar. Dessa forma, tudo soa exagerado (muitas vezes, até demais) em “Spencer”, a começar pela interpretação carregada (e indicada ao Oscar) de Kristen Stewart, cujo sotaque monocórdico exprime o mais puro tédio, e que ganha contornos perfeitos com as alegorias de drama e loucura da protagonista. Desta feita, Pablo Larraín alcançou com méritos o resultado que desejava: “Spencer” é um belo filme chato e uma experiência extravagante esquisita (valorizada pela trilha de Jonny Greenwood) só indicada para fetichistas da realeza.
Nota: 4
“A Garota Inflamável”, de Elisa Mishto (2019)
Logo que a projeção inicia, a câmera passeia lentamente pelo corpo de Julie (Natalia Belitski) de seus pés até seu rosto. No percurso, enquanto ela narra sua filosofia de vida baseada em formigas, um detalhe: Julie usa luvas de borracha amarelas (que, descobriremos, ela nunca tira). O hino indie “The Skin of My Yellow Country Teeth”, da Clap Your Hands Say Yeah, irrompe pelas caixas e, quando menos se percebe, Julie já está incendiando um carro – logo após transar com o dono do veículo, rapaz que conheceu depois de um choque de carrinhos no supermercado, minutos antes. Fria, Julie, aparentemente, sofre de doença psiquiátrica após o suicídio da mãe e vive numa redoma pessoal contra tudo e todos. Internada (por vontade própria) numa clínica, ela se envolve com a enfermeira Agnes (Luisa-Céline Gaffron), cuja rotina familiar (casada e mãe de uma garotinha com quem ela não sabe lidar), ainda que oposta a de Julie, encontra-se na mesma situação de desejo por espaço. E, juntas, as duas irão tentar estender seus próprios limites. Primeiro longa-metragem de Elisa Mishto, italiana residente na Alemanha, “A Garota Inflamável” (“Stillstehen”, no original, quer dizer “Fique Parado”) soa linear boa parte de seus 91 minutos, com o olhar penetrante de Julie fisgando o espectador e o de Agnes pedindo socorro numa espécie de comédia indie dramática ácida pontuada por uma delicada trilha sonora de Apparat (reconhecido por seu trabalho na série “Dark”), que soa bem interessante, já que Julie caminha para o precipício (Elisa, inclusive, replica o enquadramento da cena inicial para demarcar o momento), mas o encontro com Agnes poderá mudar sua história. O roteiro pisca o olho de modo gracioso para o espectador sugerindo leveza, e ainda que a proposta demarque uma postura de fé na vida diante de todo o caos, o que em tempos insanos como os atuais soa, no mínimo, corajoso, seu destino parece ser bom demais pra ser verdade. Mas alguém precisa pensar positivo, né mesmo, Elisa.
Nota: 6
“DC Liga dos Superpets”, de Jared Stern (2022)
Krypto é um Supercão. Ele foi enviado à Terra junto ao bebê Kal-El, que virá a ser Clark Kent e, consequentemente, o Super-Homem. Eles cresceram juntos nessa bolota azul cada vez mais sem árvores, são amigos inseparáveis e, melhor de tudo, compartilham superpoderes que os permitem lutar contra o crime em Metrópolis. Tudo segue as mil maravilhas na vida dessa dupla dinâmica (ops) até que dois imprevistos atravessam o caminho do poderoso cão: 1) o Super-Homem está apaixonado pela repórter Lois Lane, e sua posição de centro das atenções de Clark Kent está ameaçada; 2) Uma perigosa porquinha-da-índia aprendiz de Lux Luthor não só capturou toda a Liga da Justiça como ainda presenteou nosso caõzinho com um delicioso pedaço de queijo com kriptonita. É, não será um dia fácil, ainda mais se contarmos que Krypto é tão ególatra que afasta qualquer possibilidade de amizade. E, com seu dono preso e você sem poderes, como fazer pra salvar o mundo… sozinho? Bem, Krypto conhece alguns animais “rejeitados” de uma loja de adoção, e precisará não só os convencer de que ele não é o babaca que ele é, mas também ensinar esse grupo atrapalhado a lidar com seus superpoderes recém-adquiridos. Sim, “DC Liga dos Superpets” é uma história clássica de heróis, daquelas batidíssimas, manjadas, mas extremamente eficiente e divertida. Muito porque o roteiro soube trabalhar com cuidado e carinho os personagens secundários (algo que faltou em uma das promessas do ano, “Minions 2”), dando a eles personalidade. Dessa forma, o destino do planeta está nas mãos do metido a malandro cachorro Ace, da adorável porquinha PB, da velhota tartaruga Merton e do inseguro esquilo Chip. E, claro, do Supercão – numa deliciosa inversão de protagonismo, os heróis “de verdade” são motivo de chacota num filme que, assim como tantos, fala da importância da amizade, da tocante relação com pets e do perigo da união de uma classe humilhada (no caso, a dos porquinhos-da-índia). Sem medo de soar clichê, “DC Liga dos Superpets” surpreende.
Nota: 7.5
– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne