texto de Samuele Conficoni
Fotos de Fabio Izzo / Fabrique Milano
Texto publicado originalmente no site italiano Kalporz, parceiro de conteúdo do Scream & Yell
Continuação de um discurso artístico e, ouso dizer, filosófico que começou há algumas décadas, e que nunca parou realmente – e que como capítulos recentes teve o último trabalho do Radiohead lançado em 2016, “A Moon Shaped Pool”, e depois “Anima”, disco solo de Thom Yorke, sem esquecer as trilhas sonoras compostas por Jonny Greenwood ao longo dos últimos seis anos –, The Smile não só faz sentido existir como é necessário neste momento.
Juntando-se à eloquência composicional dos dois principais deuses ex machina do Radiohead – πνεῦμα (espírito), platonicamente falando, do grupo desde os seus primeiros dias – veio a bateria multifacetada e reflexiva de Tom Skinner (Sons of Kemet), que parece dar nova vida ao talento excepcional de Thom e Jonny, que também nesta nova aventura artística soam maravilhosos juntos.
Apesar de existirem há pouco tempo (um ano e meio), os Smiles já demostram uma rara compreensão do palco: movidos por uma intensidade extraordinária e um sentimento mútuo notável, os três se portam no show com uma determinação e entrega únicas, também fruto da sólida relação entre Yorke e Greenwood, especificamente musical, mas também pessoal: os dois, com diferentes atitudes e formas de entender uma apresentação ao vivo, complementam-se com habilidade e elegância.
O set apresentado em 14 de julho no Fabrique, em Milão, abrindo uma turnê italiana de cinco datas, não foi composto apenas pelas canções presentes no seu debut lançado há alguns meses, o brilhante “A Light for Attracting Attention” (2022), embora estas, é claro, monopolizem em grande parte da noite: das 13 canções presentes no disco, 12 foram tocadas, a começar pelas hipnóticas e sinistras “Pana-Vision” e “Thin Thing”, a abertura perfeita de um show incandescente e perturbador. Na primeira, Thom, após adentrar o ambiente em grande estilo, toca sentado ao piano de costas para o público; na segunda ele assume o baixo, instrumento que irá tocar bastante durante o espetáculo, embora muitas vezes pegue a guitarra e também se aproxime, embora mais raramente, do piano elétrico e do sintetizador.
Greenwood, por sua vez, irá se alternar entre baixo, guitarra, piano elétrico e sintetizador, às vezes toca baixo com arco do violino, e contorcendo todo o seu corpo para conseguir o som que mais lhe agrada. Tom Skinner, por sua vez, não age como um simples metrônomo: sua bateria, na verdade, é pungente, refinada e diversificada. Ele sabe perfeitamente que roupa tem que vestir em cada música e sua condução nunca é igual a anterior.
O show segue perfeito. Yorke está animado e exibe movimento e vitalidade extraordinários: sua voz continua mágica, como sempre, e seu vínculo com Greenwood transcende qualquer rótulo banal, encarnando-se em um todo musical e humano modulado e refinado. Seja na magia de “Speech Bubbles”, no embalo onírico preparado por “Skrting on the Surface” ou no ritmo venenoso e contagiante da enevoada “The Smoke”, a aproximação dos músicos a cada performance é tanto mental quanto física, visceral e cerebral: no The Smile, assim como no Radiohead, os dois nunca estão em conflito.
A noite foi aberta por Robert Stillman, saxofonista que surge acompanhado por uma loop station numa performance solo muito boa. Ele retorna ao palco no show principal e, ao lado do trio, participa de duas músicas, a nova “Colors Fly”, uma exótica explosão de cheiros e imagens, e na última peça antes do bis, a violenta e sanguinária “You Will Never Work in Television Again”, que apresenta Greenwood e Skinner como soldados nas trincheiras e Yorke tocando com agressividade magistral.
Além de “Colors Fly”, o público italiano viu o Smile tocar várias músicas inéditas, escritas durante as sessões de gravação de seu álbum de estreia, e aperfeiçoadas nos meses seguintes. Algumas delas já tinham sido tocadas nas últimas semanas, na perna europeia da turnê que o Smile realiza há mais de um mês, também com passagem pelo Primavera Sound Festival, em Barcelona. Em Milão foi tocada pela primeira vez “Under Our Pillows”, uma música apaixonada e esfumaçada.
O bis trouxe mais duas canções já fixas no set list do The Smile: “Bending Hectic” e “Just Eyes and Mouth” são composições que não teriam feito feio se tivessem sido incluídas no disco e que mostram que a inspiração, neste momento, está nas mãos dos três, cujo projeto não parece um capricho temporário, mas uma lua de mel destinada para durar. Prova disso é a energia e convicção com que os três “diálogam” – musicalmente – diante da plateia.
Completaram o bis com os versos poéticos de “Free in the Knowledge” e da alienante “The Same”, com seu andar trágico e inquieto, dois dos cartões de visita mais sólidos e coerentes do The Smikle. O show se encerra com uma peça solo de Yorke, “Feeling Pulled Apart by Horses”. Diante de aplausos animados da audiência, Thom agradece quase emocionado, como já havia feito – também falando em italiano – na primeira parte da apresentação. Depois de Milão, o trio também se apresentou em Ferrara, Macerata, Roma e Taormina (cinco shows em sete dias), encerrando a primeira parte da turnê. Em novembro e dezembro, o trio desbrava Estados Unidos e Canadá. Quem sabe, Brasil em 2023.
Texto publicado originalmente no site italiano Kalporz, parceiro de conteúdo do Scream & Yell