texto por Victor de Almeida
Em 2022, o Osheaga Festival, principal evento de música pop realizado em Montreal, Canadá, comemora 15 anos de história. Para este ano, o festival que acontece nos dias 29, 30 e 31 de julho no incrível Parc Jean-Drapeau, traz como atrações principais Arcade Fire, Future e Dua Lipa além de Yeah Yeah Yeahs, Turnstile, Mitski, Tove Lo, Idles, Lucy Dacus, Wet Leg e mais totalizando 101 atrações. O evento vai ter transmissão ao vivo e exclusiva através do aplicativo TikTok, a partir das 15h (horário de Brasília) da próxima sexta-feira (29).
É inegável que, cada vez mais, os headliners tem atraído mais e mais atenção na construção dos line-ups e se mostram como parte significativa do horizonte de expectativa de fãs e dos próprios eventos, afinal, como todo negócio, os festivais querem vender ingresso, atrair patrocínios e ter visibilidade nas redes sociais e mídia tradicional. Mas nem só de grandes nomes são feitos eventos desse porte.
Um debate que existe há alguns anos é em relação de como grande parte das programações de eventos estão virando um grande “mais do mesmo” a cada temporada (para quem quiser encarar um debate mais acadêmico, em 2017, publiquei um artigo sobre o assunto). Parte desse debate aparece após um editorial publicado pelo caderno de cultura do New York Times, ainda em 2016, falando que os repórteres do jornal não estavam mais fazendo planos para cobrir os maiores eventos de música dos EUA naquele ano e mostravam como eventos, a exemplo do Coachella e Bonnaroo, tem centralizado atrações que se repetem em diversos festivais.
Já há alguns anos, o Osheaga coloca na mesa uma programação que dialoga, sim, com essa cultura de headliners, mas tem também um grande trunfo na manga: ser realizado em uma cidade com uma forte vocação para a música ao vivo e de uma cena musical local interessantíssima. E, aqui, há de se reconhecer o papel de vitrine que esses eventos ainda têm para nomes emergentes. São justamente os artistas locais que acabam dando singularidade a eventos cada vez mais articulados através das lógicas de mercado, visibilidade nas redes sociais e números de seguidores ou streamings.
O Scream & Yell, além de cobrir a edição deste ano do Osheaga, destaca seis atrações canadenses – tanto anglófonas, quanto francófonas – que se apresentarão no festival em 2022, afinal de contas precisamos voltar a olhar as para cenas musicais onde esses eventos ocorrem indo (muito) além dos medalhões e, sem dúvida, o melhor dos grandes festivais está nas menores linhas.
01) Safia Nolin é uma cantora, compositora e ativista da Cidade de Quebec. De ascendência francesa, começou a carreira com o lançamento de “Limoilou” (2015) e foi destaque no FrancoFolies em Montreal, em 2016. Dona de uma voz incrível, Nolin tem um pé na tradição folk minimalista com violão dedilhado e lindas melodias, mas em trabalhos mais recentes, como o álbum “SEUM” (2021), tem investido em uma sonoridade mais rock e, em alguns momentos, grunge ou shoegaze.
02) San Farafina é co-fundadora do incrível e aclamado coletivo artístico Moonshine e uma referência cultural em Montreal. Antes da pandemia, todo sábado após a lua cheia, o coletivo organizava festas concorridas ocupando diferentes clubes locais. A trilha sonora privilegiava experimentações com afrobeats. Como DJ, San Farafina une pesquisa em sonoridades de raízes africanas, sobretudo kuduro e batida, e elementos cosmopolitas da música eletrônica, com ênfase no house. Os sets de San Farafina são verdadeiras celebrações dos ritmos da diáspora africana através, segundo ela, do “enjaillement” (algo como “sentimento de alegria”, em francês) – uma celebração da ancestralidade sonora africana na pista de dança. A riqueza de elementos percussivos em construções de polirritmia complexas são uma constante. Vale conhecer também Pierre Kwenders, outro membro do Moonshine e que também se apresenta nesta edição do Osheaga.
03) Hannah Kim, mais conhecida como Luna Li, é uma cantora e compositora de ascendência coreana, mas nascida em Toronto. Ganhou relevância online durante o período da pandemia, sobretudo durante o lockdown, quando fez bastante sucesso com vídeos caseiros de suas composições onde aparecia tocando todos os instrumentos. Em 2022, lançou seu álbum de estreia, “Duality”, mesclando uma sonoridade indie rock e chamber pop.
04) Zach Zoya é uma das revelações da pulsante cena do hip hop de Montreal, tendo lançado o seu EP de estreia, “Spectrum”, em outubro de 2020. O rapper cresceu num caldeirão de referências sonoras que remetiam tanto à música africana, herança do pai sul-africano que imigrou para o Canadá durante o regime de apartheid, quanto à um gosto pela música pop e soul, creditado à mãe franco-canadense. Ainda muito novo, desenvolveu um estilo próprio de rima, influenciado principalmente por Kendrick Lamar e Drake. No seu novo trabalho, “No Love Is Ever Wasted” (2022), Zach Zoya mostra versatilidade em versos e flow rápido, mas também muito domínio vocal em músicas que passeiam pelo R&B e soul.
05) Ceréna é uma artista que emerge da cena queer club de Toronto e que foi indicada ao prêmio JUNO (equivalente canadense ao Grammy) na categoria de melhor álbum de dance-pop do ano. Seu primeiro álbum, “resurection” (2021), traz colaborações com os produtores Kyaal Lund e Himera e reflete, na pista de dança, sobre os conflitos, alegrias e esperanças ou, como ela mesma define, as “complexidades da minha existência”. Além do hit “see”, a artista também faz tributo a sua ascendência latina em “pa’fuera” e “cielito lindo”.
06) Edwin Raphael nasceu em Dubai e veio para Montreal em 2013 para estudar Marketing na Concordia University. Em paralelo, iniciou sua carreira em 2015 com o lançamento do EP “Ocean Walk” e, mais recentemente, se juntou com Marcus Paquin, produtor e engenheiro de som que trabalhou com Arcade Fire, The National e The Weather Station. Em seus novos trabalhos, Raphael tem dialogado com o pop, o folk e alguns elementos de música eletrônica, em canções etéreas com, segundo ele, “vibrações de alívio”.
– Victor de Almeida (@Victoranpires) é jornalista, Doutor em Comunicação pela UFPE e professor da Universidade Federal de Alagoas. Autor dos livros “Além do Pós-Rock” (2015) e “Circuitos Urbanos e Palcos Midiáticos” (2017).