texto por João Paulo Barreto
Nas primeiras cenas de “Thor – Amor e Trovão” (“Thor: Love and Thunder”, 2022), a impressão que temos é a de um tom dramaticamente mais pesado e diferente do de “Ragnarok”, colorida comédia escrachada que o personagem da Marvel protagonizou em 2017. Agora, no longa que o mesmo cineasta Taika Waititi apresenta neste seu retorno à saga do filho de Odin, o diretor do excelente “O Que Fazemos nas Sombras” (2014) e do oscarizado “Jojo Rabbit” (2019) cria uma densa atmosfera de luto e nos traz, de cara, a trágica vida e morte de Gorr, sofrido escravo da fé religiosa interpretado por Christian Bale.
E se os aspectos visuais já nos levam a imaginar que Waititi deixou de lado a paleta de cores extravagantes justamente para poder investir em uma soturna ambientação diante do trauma da perda que o crente Gorr está prestes a sofrer, o arco do personagem ao qual somos apresentados aqui em uma rápida introdução nos confirma tal peso de maneira tanto melancólica e fria, quanto pragmática. Mas as tais cores e o escracho cômico que as acompanha não tardam a aparecer novamente.
Neste citado pragmatismo daquele ser que renega sua fé de modo drástico no momento em que a decepção diante da arrogância de seu deus o faz se vingar por sua perda, está uma das poucas coisas que podem ser levadas a sério de verdade na proposta que Waititi, junto a Jennifer Kaytin Robinson, trouxeram em seu roteiro. Mas, uma vez que o espectador entende a total ausência de compromisso (na melhor das intenções, friso) diante do que a dupla se propõe aqui, os rápidos 120 minutos de projeção se tornam um leve modo de descompressão. Mas não sem um certo incômodo.
Isso acontece precisamente porque a marcha engatada para o personagem Thor (vivido por um Chris Hemsworth cada vez mais à vontade no tom de galhofa) no MCU (Universo Cinematográfico Marvel, na sigla em inglês) se tornou exatamente a da comédia que beira ao pastelão. Aqui, no entanto, tal marcha age negativamente, eclipsando momentos de perda que seriam melhor aproveitados dramaticamente em um modo mais sóbrio, como comprovamos mais à frente neste novo capítulo de uma, convenhamos, já cansativa série de filmes de super-heróis. Mas nada que impeça o público de gargalhar em vários momentos.
Trazendo novamente a presença de Natalie Portman como a Dra. Jane Foster que, agora, se torna a poderosa Thor, versão feminina do herói, “Amor e Trovão” encontra justamente neste desenvolvimento de sua co-protagonista sua principal falha narrativa. E isso acontece não porque a premissa de ter tal personagem como uma super-heroína surja de maneira tão repentina e absurda. Tampouco por haver qualquer risco de sua inclusão naquele universo soar deslocada.
É necessário salientar que a presença da Poderosa Thor remete precisamente à fidelidade aos quadrinhos que o filme traz em sua essência. Porém, em seu desfecho fiel, clássico e trágico, o roteiro de Waititi e Robinson falha pelo não se aproveitar de um tema que renderia um melhor aprofundamento diante da doença terminal com a qual o par romântico de Thor convalesce. E a ausência de qualquer apuro dramático por parte de Hemsworth em sua atuação ao lidar com tudo aquilo tampouco ajuda naquele impacto para com a audiência.
“Thor – Amor e Trovão” foca exclusivamente em seu apelo cômico. Para além de qualquer possibilidade de se aprofundar no trágico e promissor arco dramático envolvendo Jane Foster, a trama prefere se manter em um terreno seguro diante de um público alvo que não está disposto a refletir acerca das auguras da morte.
Assim, fica apenas para o espectador mais atento observar que para além da graça absurda de bodes escandalosos ao som de Gun N’ Roses, um Zeus tresloucado e hilário (Russell Crowe mostrando porque é um dos melhores e mais versáteis atores em atividade) e a ideia infame de se usar crianças como heroínas poderosas em seu ato final, existe um fiapo de trama que nos chama atenção com mais atratividade do que as cores berrantes dos uniformes dos dois Thor(s).
Tal fiapo é aquele em que Waititi reconhece o exagero visual de sua própria história e consegue, em uma sagaz quebra da quarta parede, colocar seus personagens cientes das cores gerais da atmosfera que os cerca. Do mesmo modo, quando as cores deixam de existir naquele ambiente e ele se torna preto e branco, tal fato não passa incólume para os que habitam aquele universo tanto real em seu conceito intrínseco quanto cinematográfico em sua ideia gráfica.
E perceber Taika Waititi utilizar isso de modo a diminuir a fragilidade de seu produto final que, basicamente, se baseia em cores berrantes e escracho para existir, funciona quase como uma redenção. Quase. Nada justifica o apelo para a inserção de um exército infantil. Ah, sim, seu público alvo, é mesmo…
– João Paulo Barreto é jornalista, crítico de cinema e curador do Festival Panorama Internacional Coisa de Cinema. Membro da Abraccine, colabora para o Jornal A Tarde e assina o blog Película Virtual.