entrevista por Renan Guerra
A voz de Tetê Espíndola parece cada vez mais límpida com o passar do tempo. Artista inquieta que é, Tetê está sempre buscando levar seu canto para novos lugares, cantos e projetos. Nessa toada, a cantora sul-mato-grossense lança agora o EP “Notas de Tempo Nenhum”, com canções dos parceiros Arnaldo Black e Hilton Raw que estavam guardadas em gavetas, memorabílias e outros espaços – Arnaldo é o compositor de “Escrito nas Estrelas”, canção que projetou Tetê nos anos 80.
Muitas das canções apresentadas em “Notas de Tempo Nenhum” estavam gravadas em versões voz e viola. A voz de Tetê foi separada da viola e ganhou aqui contornos mais épicos com os arranjos de Rodrigo Morte. Como pequenas crônicas urbanas, espécies de polaroides paulistanas, as canções que compõem o EP apresentam um universo mais soturno, como a noite de um filme noir. E a voz de Tetê Espíndola nos leva nesse passeio quase cinematográfico por esse universo.
“Notas de Tempo Nenhum” soma menos de 20 minutos em seis belas canções, um passeio por um tempo que se esvai nos sons e por isso encanta o ouvinte. Para entender melhor o projeto, conversamos com Tetê Espíndola via e-mail sobre o lançamento. A artista falou sobre suas experiências na pandemia, da criação desse disco e de sua sempre sedutora voz. Confira abaixo:
Para começar, gostaria de saber como foi o seu tempo de distanciamento social, longe dos palcos, e como tem sido, para você, esse retorno dos eventos?
Foi estranho não poder fazer shows, desmarcar tudo que estava se encaminhando pra 2020. Foi um período longo e difícil para qualquer pessoa do meio artístico, mas não fiquei ausente. Participei de algumas “lives”. Logo no primeiro ano, eu e Arnaldo Black criamos “Na Toca com Tetê”, com diversos vídeos criados a distância com convidados especiais, amigos, familiares. Foram mais de 10 vídeos caseiros, estão todos no meu canal do YouTube.
“Notas de Tempo Nenhum” é construído com músicas que estavam na gaveta. Como foi esse processo de reencontrar essas canções? Algumas delas já existiam em versão voz e violão, não?
Foi um convite do Hilton. Sim, algumas dessas estavam guardadas numa versão muito intimista voz e violão. E com a tecnologia de hoje a voz foi separada do violão. Gostei muito do efeito que se criou como se a minha voz estivesse num lugar sem tempo.
Nesse processo de preparação do disco, a sua voz ganha essa presença forte dos instrumentos orquestrais. Como foi esse processo de gravação? E qual foi o caminho para entender o que adicionar em cada canção?
A ideia e atitude de colocar arranjos de cordas e chamar o Rodrigo pra escrevê-los também foi produção do Raw. Aí ficamos empolgados e fizemos mais duas gravações, “Vulgar” inspirada na minha versão voz e craviola e “Pesado de Estrelas”, com uma letra recente do Black.
As canções de Arnaldo Black e Hilton Raw têm temas mais urbanos e contemporâneos. Foi uma linha temática que foi se formando de forma natural quando vocês resgataram essas canções?
Verdade, as letras têm essa inspiração urbana, pois Arnaldo Black sempre teve um “flerte” com cinema. Adoro cantar belas e sonoras palavras, deixa a melodia mais fascinante, às vezes me dá a sensação de que a letra sempre esteve ali, isso é uma particularidade do Black enquanto letrista, pois antes de mais nada ele também já compôs belas melodias de sucesso…
As canções têm essa formatação robusta, quase standard clássicos, parecem ao mesmo tempo trilha de antigos filmes românticos, mas também criam cenas muito vivas para o ouvinte. Você entende a relação dessas canções e do seu canto com o cinema? Isto é, o cinema também é uma referência para a sua criação?
Sim, isso que me inspira a cantar as parcerias dessa dupla, adoro esse clima de harmonias jazzísticas e boas estórias pra se contar, gosto muito de ver um bom filme. Gosto da capa do EP, tem um movimento como o tempo das músicas do trabalho. Inclusive a que fecha o projeto, “Ècran Triste”, só voz e piano, eu quis colocar nesse EP, mas ela faz parte de um projeto anterior chamado “Três Saudades”, com o incrível piano de Paulo Braga. Convido a todos a ouvi-lo e ver o clipe abaixo.
Quando a gente pensa no seu trabalho, ele passa tanto por esses universos rurais quanto urbanos, meio que se misturam. Você percebe isso também? Pra você existe essa separação ou é tudo um universo só?
Eu sempre tive esses dois lados fortes na minha trajetória: o regionalismo e a experimentação. A multiciplicidade é reforçada também pelo fato de ser intérprete e instrumentista, que compõe na craviola e que toca há mais de 40 anos. Então os universos temáticos surgem e são assumidos às vezes ao mesmo tempo. Já faz parte da minha maneira de lidar com a música, sempre um repertório vasto que pendula entre o erudito e o popular. Pra mim as músicas são atemporais, sempre curti essa linha “urbana” que ganhou força com a minha convivência com o repertorio que até hoje faço com Arrigo Barnabé e recentemente com essas canções que sempre cantei da dupla, com as letras do Black.
A sua voz parece cada vez mais límpida com o passar do tempo e por isso é inevitável a curiosidade: como você cuida da sua voz? Existem alguns rituais específicos?
É tão natural pra mim cantar, ainda mais quando a base é volumosa, mas é claro que dou uma aquecida nas cordas vocais fazendo algumas emissões de pássaros. O que atualmente estou mais curtindo é cantar numa tonalidade mais grave, ativando meu mezzo-contralto que atualmente ficou maduro e prazeiroso.
A sua figura está sempre atrelada ao Pantanal, então a curiosidade surge: você está acompanhando a nova versão da novela “Pantanal”? Se sim, o que tem achado?
Só vi um capítulo da novela, tem imagens lindas e só artistas competentes, mas ultimamente não estou ligada em novelas.
Esse ano o clássico “Pássaros na Garganta” completa 40 anos, uma data simbólica. Você é do tipo que gosta de celebrar essas datas? Pretende fazer alguma celebração em torno disso?
Por causa da pandemia os projetos acumularam, muita coisa nova e vontade de ativar outros lados. Quando esse LP completou 30 anos ele foi muito bem festejado. Procurem saber do álbum duplo lançado pelo selo SESC.
Quais os planos para “Notas de Tempo Nenhum”, você pretende levá-lo para os palcos? Tem alguma ideia de como essas canções robustas serão apresentadas ao vivo?
Não temos plano no momento de fazer show, mas estamos lançando um clipe da música “Objetos” pelo YouTube, produzido pelo Arnaldo Black. Acabou de ir ao ar. Confiram!
– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava.