de Ismael Machado
Ele desconfiou do futuro daquela relação quando pediram os chopps logo depois de terem assistido a um filme de Tarantino e ela desdenhou da paixão dele por Elton John. “É brega”, ela sentenciou, definitiva. Ele despejou todo o chopp garganta abaixo e preferiu não responder. Não queria estragar a noite.
Riram, contaram histórias engraçadas e tristes, reclamaram um pouco, sonharam com planos mirabolantes. A noite passou rápido e ela preferiu ir para casa. Sozinha.
No pequeno apartamento, ele, ainda apostando fichas na relação, pôs ‘Don’t go breaking my heart’ para tocar e fez uma dancinha desengonçada, mas feliz.
Marcaram novos encontros. Começaram a namorar. E ele, mesmo evitando tocar no assunto, sempre recorria a Elton John nos momentos de oscilações no relacionamento. Quando dormiram juntos a primeira vez ele amanheceu ouvindo Rocket Man. Ela torceu o nariz, e ironizou enquanto tomavam o café da manhã. Logo após a primeira briga feia, ele chorou sozinho ouvindo Mona Lisas and Mad Hatters. Quando se reconciliaram, ele reviu diversas vezes a cena de Quase Famosos, com a música Tiny Dancer.
Um dia a relação chegou ao fim, como tudo na vida. Ele passou dias e noites ouvindo canções melancólicas como Goodbye Yellow Brickroad, Daniel, Skyline Pigeon ou Benny and the Jets na voz de Nei Lisboa.
Um dia recebeu uma mensagem. Fazia meses que não trocavam palavras. Ele quase nada sabia dela. Evitava.
A mensagem era curta. “Você tinha razão. Ele é foda! E você pode contar pra todo mundo que essa é a tua canção”. O arquivo tinha um anexo. Ele o baixou e o suave som do piano deu vez a uma voz já tão conhecida. “It’s a little bit funny this feeling inside/I’m not one of those who can easily hide”. Ele primeiro sorriu. Depois chorou. E ‘Your Song’ se fez ouvir durante todo o dia.
– Ismael Machado é escritor, roteirista e diretor audiovisual. Publicou cinco livros e é ganhador de 12 prêmios jornalísticos. Roteirista dos longas documentários “Soldados do Araguaia” e “Na Fronteira do Fim do Mundo” e da série documental “Ubuntu, a partilha quilombola“.