texto por Bruno Lisboa
O historicismo é, para o filósofo alemão Wilhelm Dilthey, o ato de ver os fenômenos da vida humana como históricos, dotados de valor, significado e finalidade. Para tanto, devem ser observados momentos marcantes e as fases de desenvolvimento da sociedade. Sob esta perspectiva, aspectos políticos, psíquicos, técnicos e artísticos devem ser levados em consideração. Promover este olhar abrangente, como se percebe, não é exercício dos mais fáceis, mas tem todo jeito de ter sido a intensão dos autores do soberbo “Music is History” (2021).
Em nova parceria, iniciada no livro de memórias “Mo’ Meta Blues” (2015), o multifacetado Ahmir “Questlove” Thompson (músico, escritor, produtor, podcaster , vencedor de cinco prêmios Grammy e diretor musical do The Tonight Show Starring Jimmy Fallon) e Ben Greenman (jornalista e escritor), fazem de “Music is History” um belo apanhado da história da música norte–americana e sua relação com o grande número de transformações ocorridas nos últimos 50 anos – Questlove ganhou recentemente o Oscar de Melhor Documentário de Longa-Metragem por “Summer of Soul” (2021), sobre o lendário Harlem Cultural Festival de 1969, que celebrou a música e a cultura afro-americana.
Em “Music is History” (editado por Harry N. Abrams), porém, Questlove parte do ano em que nasceu, 1971, e chega até os dias atuais, promovendo um olhar abrangente do contexto político-social ao qual cresceu, mas sempre tendo a música e o cinema como ponto de referência. Membro fundador e baterista do essencial grupo de hip-hop The Roots, Questlove age como um autêntico historiador nas 352 páginas do livro (e nas 11 horas do audiobook – trecho abaixo).
Com um olhar centrado a cultura negra ao longo dos capítulos, Questlove escreve, durante o livro, perfis biográficos de figuras públicas diversas, as quais escancara seu amor, admiração e influência. Neste seleto hall da fama estão ícones da música negra (Prince, Run-DMC, Public Enemy, KRS-One, A Tribe Called Quest), da política (Os Panteras Negras, Malcolm X, Martin Luther King), do movimento cinematográfico Blaxploitation e da obra do diretor Spike Lee (com olhar especial para o clássico “Faça a Coisa Certa”, de 1989).
Em termos musicais, os anos 90 é o período mais luminoso da obra. Como testemunha ocular de uma revolução (ele estava entrando na casa dos 20 anos e tinha formado o The Roots com Black Thought em 1987), Questlove aborda a época com ares de grandeza ao falar sobre a importância e o legado de artistas diversos que vão desde Kurt Cobain à Tupac Shakur. Também oriundo desta época marcam presença relatos do início de sua carreira como músico / produtor e esse fator rende boas linhas sobre os bastidores de produções antológicas do período, como os discos do próprio The Roots e trabalhos de D’Angelo, Erykah Badu e Jill Scott.
Dedicado aos cientistas da música, “Music is History” é uma obra que cumpre o papel essencial de abordar a função social das artes como instrumento para entender nosso presente, compreendendo que é importante olharmos para trás para construir nosso futuro. Numa leitura cativante, divertida e repleta de informações, Questlove e Greenman produziram uma enciclopédia musical altamente recomendável, que ainda não ganhou edição nacional, mas merece sua atenção e seu investimento.
– Bruno Lisboa escreve no Scream & Yell desde 2014.