entrevista por Renan Guerra
Lançado em 2019, “Violeta”, terceiro disco da Terno Rei, expandiu o alcance da banda e conquistou uma nova leva de fãs, o que fez com que as expectativas e a ansiedade em torno do novo disco se tornassem inevitáveis. “Gêmeos” (2022), lançado no dia 9 de março via Balaclava Records, mostra que a banda não se intimidou com a responsabilidade acrescentando novas camadas ao seu som e mostrando um fôlego renovado de quem sabe o caminho que está trilhando.
O novo disco combina o tempero clássico do quarteto: melancolia, guitarras quase lânguidas e uma concisão nas canções, que chegam com uma pegada mais pop e demonstram mais otimismo, algo que poderíamos definir como um lado “mais ensolarado” da banda. “Gêmeos” é um disco com a marca da Terno Rei, mas que aponta novos passos de um grupo vem construindo, disco a disco, uma carreira ascendente.
Antes da pandemia, eles circularam o país com o disco “Violeta” e em 2022 se apresentam no palco do Lollapalooza Brasil, depois de vários adiamentos do evento. Agora, a ansiedade de pisar num palco tão importante como esse se mistura ao lançamento do disco e ao frio na barriga causado por uma nova turnê, que já se inicia com inúmeros ingressos esgotados.
Para falar sobre disco novo, turnê, criação e tudo mais, batemos um papo via Zoom com os quatro integrantes da Terno Rei: Ale Sater (baixo e vocal), Bruno Paschoal (guitarra, vocal e sintetizadores), Greg Maya (guitarra e sintetizadores) e Luis Cardoso (bateria). A conversa foi realizada dois dias antes do lançamento do disco e pode ser conferida na íntegra abaixo:
A última vez que a gente conversou ‘frente a frente’ foi em 2019, antes do primeiro show da turnê “Violeta”, no Z Carniceria, aqui em São Paulo, e de lá pra cá muita coisa mudou: a gente passou por uma pandemia, mas acredito que vocês também, como banda, passaram por muitas mudanças. Naquele momento lá a gente falou um pouco sobre as expectativas de vocês com o lançamento do “Violeta” e eu queria saber como foi essa fase antes do novo disco e de poder circular com o “Violeta” pelo país.
Ale Sater: Eu me lembro muito desse dia aí… e arrepia! E lembro da entrevista que a gente fez, foi umas duas horas antes do show, e foi um dia memorável. E desde então a gente rodou bastante o Brasil, a gente cresceu bastante como banda, fez outras coisas, como a cover do Djavan, o negócio com o Samuel Rosa, então foi um período de muito crescimento, apesar da pandemia. E aí agora a gente está com esse disco novo, mas mesmo assim é muito louco esse paralelo: que a gente está vivo! A gente quis sempre só permanecer vivo e agora não estamos apenas vivos, como estamos maiores, não só maiores de tamanho, mas maiores como um todo.
Vocês entendem que circular e poder fazer shows em outros lugares, como vocês fizeram antes da pandemia, fazer turnês maiores, possibilitou que vocês chegassem na produção desse disco com um olhar diferente, com uma forma nova?
Bruno: Acho que influencia sim, pois quanto mais você vai tocando, mais você vai entendendo como funciona, porque hoje a banda vive praticamente pra fazer shows. Tipo, acho que é o principal motivo, e é aquele momento de catarse, que toda pessoa que tem banda sonha, em fazer um show irado, que a galera esteja lá e role uma troca. Então quanto mais shows a gente vai fazendo, rola uma percepção sobre as músicas e aí, com certeza, influencia no seu jeito de criar. A gente rodou um ano com o “Violeta”, depois já entrou a pandemia. Uma pena que foi só um ano, mas deu pra fazer bastante show e acho que isso com certeza influenciou na criação desse disco novo – além de toda a pandemia, porque a gente começou a fazer o disco durante ela. Então acho que foi meio que uma somatória desses fatores, basicamente.
Luís: É, 2019 foi um ano de muito aprendizado para gente. Saímos de um lugar que era fazer mais shows no Sudeste, BH e uns outros lugares, e começamos a entender como tudo funcionava, como as contas funcionam numa tour no Nordeste ou com 50 shows; e até como se portar no palco! Muita coisa somou depois dos 50 shows que a gente fez… a gente começa a perceber o que está fazendo de errado, como se pode melhorar, como pode crescer e isso com certeza influencia muito na hora de fazer o disco novo. E, principalmente, aumentou a nossa responsabilidade de entregar algo bom, né? Então, esse ano pré-pandêmico que a gente conseguiu rodar um pouco com o “Violeta” foi muito importante para nós, até para pegar uma vivência de estrada foda. E na pandemia a gente ficou parado só fazendo o disco.
Quando a gente conversou da última vez, vocês falaram que tinham outros empregos, outros trabalhos paralelos e uma das metas com o “Violeta” era poder pagar o ensaio sem ser do bolso de vocês. Isso está rolando?
Bruno: O ensaio já está rolando.
Greg: A gente ensaia em casa hoje em dia.
Luís: A gente não tira mais do bolso pra ensaiar, cara, coisa linda.
Ale: Mas eu ainda tenho outro emprego, ó aqui, tá cheio de roupa [Ale mostra o ambiente onde está, com gôndolas de roupas para venda].
Luís: Então, eu também aqui ó [e gira o computador mostrando o ambiente de escritório em que ele está sentado].
Bruno: Mas quem sabe com esse agora a gente não reverte essa história.
Luís: Esse papinho aí é velho hein? [Risos]
Acho que também teve a pandemia no meio, vocês interromperam a turnê que estava rolando, acho que isso também modificou um pouco do processo de vocês de produção do trabalho. Vocês ficaram muito tempo sem se ver fisicamente?
Ale: Cara, a gente ficou até maio [de 2020] sem se ver, que foi quando a gente fez a venda na loja. Abrimos a loja on-line e a gente fez 300 pedidos na mão, separando para os fãs.
Bruno: Verdade, foi a primeira vez que a gente se encontrou.
Ale: E aí a gente se encontrou de novo em julho pra fazer o acústico, que foi uma das coisas que a gente entregou nesse tempo. Nem lembrava do acústico e é mó legal aquele negocinho lá.
Luís: Pois é, velho!
Ale: Só que no meio de tudo, eu até já esqueci o que fiz.
Luís: A gente fez questão de não ficar parado, né? A gente fez o lance com o Samuel [Rosa], fizemos feats, feat com o Fresno…
Ale: Cover, que a gente nunca tinha feito. Fizemos dois.
Luís: Sim, lançamos dois na pandemia. Djavan e “Eu amo você”, do Cassiano. Então a gente tentou não ficar parado já que a gente não podia sair de casa. Na verdade, as únicas pessoas que eu encontrava eram eles, tinha aquele lance de “não saia de casa”, e não saímos, eu fiquei na casa dos caras, tá ligado? A gente ficou se encontrando, porque ninguém saía, então a gente conseguiu fazer o disco novo, que provavelmente a gente não ia conseguir fazer se tivesse continuado na turnê do “Violeta”. Talvez nem estaríamos vivos, não sei. É aquele negócio de estar numa correria muito grande que não ia ter tempo para fazer um acorde novo.
Pra essa produção nova vocês ficaram um tempo também num sítio, reunidos, como foi esse processo?
Ale: Foi legal, pô, era meio que um sonho fazer isso, de ficar 8, 10 dias num sítio compondo. A gente fez isso num sítio em Araçoiaba da Serra, se chama Estúdio Sítio Romã. A gente foi pra lá umas três vezes e foi legal, é legal você ter acordado com a pessoa no mesmo dia e fazer uma música, tem outro gosto, você fez o café com a pessoa, fez o almoço, aí quando você começa (a compor) já começa mais aquecido. E não vem com aqueles tormentos do dia a dia, de que um veio do trabalho, outro do médico, não sei o que lá e quando começa o ensaio, começa tudo meio torto. Estando no sítio as coisas começavam mais redondas.
Ouvindo o disco agora, é como se ele fosse um passo além pós “Violeta”, mas ainda conversa com aquilo que vocês estavam fazendo ali. Eu queria entender como foi esse processo de pensar a sonoridade de “Gêmeos”. Vocês ficaram com um frio na barriga, pensando “o que a gente vai fazer agora”, “o que as pessoas esperam” e “o que a gente quer fazer a partir de agora”?
Bruno: Cara, foi uma loucurinha, querendo ou não, a responsabilidade que a gente estava falando está aí, mas a gente tentou relevar ao máximo, de falar assim “pô, vamos fazer as coisas do jeito que sempre foram, do jeito que a gente gosta”, sabe? Até porque boa parte do nosso público fala que a gente tem uma identidade bem sólida, então a gente não pode nunca perder isso e o jeito é realmente pensar de soar de um jeito que a gente gosta, mesmo. Esse disco foi muito isso, de “vamos tentar uma coisa diferente de tudo que a gente já fez, dos três discos anteriores, mas que seja soando Terno Rei ainda”, sabe? Então a gente tentou caminhar e achar esse buraquinho aí. E ao mesmo tempo acho que está todo mundo mais velho, 10 anos juntos e tal, então a gente quis fazer uma música que fosse um Sol, um Mi e um Dó, uma coisa que a gente nunca conseguia fazer, a gente nunca fazia música com acorde maior, sempre era menor, aquela coisa mais fechadinha assim, então nesse disco a gente conseguiu colocar isso pra fora de um jeito que tem a nossa cara. Então foi meio que um desafio que a gente tentou fazer.
Ale: Ao mesmo tempo, tem várias músicas que preservam aquelas características principais, aquelas camas de synth, as guitarras limpas do Sad [Bruno], a mão leve do Loobas [Luís], a melancolia na letra e nas coisas, as guitarras safadas do Greg, então isso existe. Ao mesmo tempo tem um outro lado que é isso, tentar fazer uma música mais solar, tem mais distorção, tem mais fuzz, tem alguns músicas que a batera vem mais rápido, tenho alguns refrões mais chiclê, então ele mistura bem a identidade da banda com tentativas que conversam com o que a gente gosta, coisas que a gente adora também.
Luís: É, dessa vez a gente não queria ficar preso, sei lá, o “Violeta” já foi escrito, se você quer ouvir alguma coisa igual a ele é só dar o play, tá ligado? E também não tinha um conceito fechado “ó, a gente só vai fazer música rápida” ou “só música com synth”. Bem como o Ale falou, foram 30 ideias que a gente acabou esmiuçando para chegar em 14 músicas e dessas 14 músicas, as mais variadas possíveis, porém sempre tentando chegar no melhor delas e não em como elas iriam soar, até por que tem música aí que a gente mudou três, quatro vezes a velocidade, o timbre, o tipo de música, ela saiu de uma música de violão para virar uma música pra frente, pra depois virar uma música diferente, dando várias voltas, porque acreditávamos que a música era boa, mas ainda não tínhamos chego na fórmula ideal que a gente queria para ela ficar perfeita. E aí acabamos chegando em vários resultados diferentes que você pode ouvir no disco, que são coisas que não necessariamente tem o mesmo conceito, mas se conversam.
Bruno: Eu acho que os outros discos tinham meio que uma historinha, eles eram mais lacrados num conceito, esse eu acho que está mais eclético, tem várias vibes diferentes no disco. E acho que isso é reflexo, a gente tentou trabalhar cada música ao máximo ao invés de fazer tudo numa mesma linhagem.
Isso que eu ia dizer: é interessante que quando a gente o escuta em sequência, ele tem uma lógica, um caminho que percorre que é muito interessante. Eu entendo o que vocês estão falando, pois têm faixas que se eu pegar elas soltas, elas funcionam de forma muito diferente, mas quando a gente ouve na ordem, elas formam uma lógica muito interessante, que é como se a gente fosse levado para um espaço, e eu, pelo menos, sinto que vai ficando cada vez mais triste até chegar no final.
Bruno: Mas é isso mesmo, acho que é isso mesmo, você está certo. E uma das coisas mais legais de tudo é fazer a ordem, por mais que as músicas tenham sido pensadas separadamente, é muito legal depois disso tudo jogar e ficar falando “velho, qual vai ser a ordem disso aqui? Como que a gente vai dar sentido pra esse quebra-cabeças que a gente criou”… fazer a ordem é tipo “puta, essa faz sentido, depois migrar pra esse mood, ah, vamos terminar com ‘Olha Só’ que é uma mais carregadona”, então é isso. Mas você está certo, ele vai ficando mais denso pro final.
Ale: Nossa, aquela melancolia braba!
Agora no final desse mês vocês vão tocar no Lollapalooza, o disco tá pra sair, as pessoas vão poder ouvir, imagino que vocês devem estar ansiosos…
Luís: Só de você falar assim já me dá um negócio, nem lembrava que era esse mês.
Ale: Ah, você não lembrava?
Bruno: É quarta-feira [o lançamento do disco], doido, depois de amanhã.
Luís: Não, eu não lembrava que o Lolla era esse mês. O disco é depois de amanhã e tô ansioso pra caralho.
Ale: Estou ansioso, Renan, mas nesse disco a gente trabalhou tanto, tanto, tanto nele, em tudo, não só na parte musical, mas sei lá, cada detalhe da capa a gente discutiu ao máximo, tentando entregar o máximo mesmo, então eu estou mais querendo que lance logo e aí, sei lá, vou dormir um pouquinho.
Luís: Pra mim fica o mesmo sentimento do último disco, que é: você não faz ideia do que vai acontecer. Claro que você lança singles e já vê a resposta da galera, mas a gente tem mais nove músicas para apresentar para o pessoal e você não tem muito o que esperar. Só tô aguardando para ver o que a galera vai achar, porque pra mim é uma incógnita. Estou bem ansioso pra sair e tocar esse disco ao vivo aí, porque a gente já fez vários ensaios das músicas e tá bem legal de tocar, sabe aquele negócio divertido? É lógico que é difícil quando você toca muito, tipo o “Violeta”, e você não aguenta mais tocar, não é divertido mais, você não fala “yes, vamos tocar essa!”, agora do disco novo já dá aquele gás, “nossa, legal tocar essa aqui, divertido”.
Greg: É, no ensaio isso né. No show é maneiro ainda.
Luís: Sim, digo de ensaiar né. Então o ensaio para shows está sendo bem legal e as músicas novas estão saindo de forma bem legal.
E agora vocês também já têm uma agenda fechada de shows, é uma nova porta que se abre em 2022.
Greg: Sim, meu, a volta dos shows!
Luís: Sim, e é legal a galera estar comprando aí sem ao menos ter ouvido, né? Isso é o mais legal.
Greg: É, eu acho que os singles já entregaram assim que a gente tá fazendo um trabalho legal, coeso, já dá uma certa segurança para os fãs, pois sabem que vai vir coisa boa por aí!
Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava.