texto de Renan Guerra
Os sonhos são esse universo de mistério que instigam desde pesquisas científicas até criações artísticas, e aí podemos ir de Freud e Jung ao universo de Freddy Krueger. Até hoje pouco se sabe sobre os sonhos e o nosso inconsciente, porém não podemos negar que isso continua se entrelaçando com o nosso mundo real. Um sonho pode auxiliar em decisões importantes, pode trazer medo e até pode ajudar os mais supersticiosos em seu jogo do bicho – um clássico brasileiro.
Em “Visão Noturna”, lançado no finalzinho de 2021 pela editora Todavia, o jovem autor Tobias Carvalho coloca os sonhos como fio narrativo e propulsor de quatro contos que passeiam entre o cotidiano, o terror e o mistério. Importante frisar aqui que esse não é necessariamente um livro de fantasia ou ficção científica, a narrativa de “Visão Noturna” é extremamente calcada no real: um trabalhador que busca a fuga nos sonhos; um acidente doméstico que muda a vida de mãe e filha; uma viagem a um festival de música que acaba ganhando outros rumos e um sonho recorrente que atormenta um jovem homem gay.
São histórias banais que ganham esses contornos de mistério e de dubiedade a partir da correlação com os sonhos. É à noite, ao deitar-se na cama, que esses personagens ganham dúvidas, complexidades e medos. E tudo isso ganha corpo pela escrita sedutora e interessante de Tobias Carvalho, que consegue nos envolver em narrativas simples, criando uma espiral que nos deixa curiosos e tensos a cada virar de página.
Nascido em Porto Alegre, em 1995, Tobias estreou na literatura em 2018 com o livro “As Coisas” (Editora Record), que foi Vencedor do Prêmio Sesc de Literatura na categoria Contos. Seu novo livro, “Visão Noturna”, já apareceu nas listas de preferidos de 2021 de autores importantes da atualidade, como Jeferson Tenório e Daniel Galera. E esses louros não são pra menos: é extremamente interessante como a escrita de Tobias é acessível, porém caudalosa, nos emaranhando em histórias que vão da dor ao medo, do horror à compaixão de forma bastante criativa.
Sem spoilers, é importante dizer que os contos de “Visão Noturna” não necessariamente nos trazem respostas ou nos esclarecem de forma direta. Como num sonho, a gente vai montando as cenas, entendendo o que foi dito e o que se subentende, até que cheguemos as nossas próprias definições dos acontecimentos. O mais interessante dos quatro contos é como o autor consegue brincar com as nossas expectativas de forma sagaz e inteligente.
Para além disso, “Visão Noturna” consegue trazer um interessante olhar sobre as nossas formas de comunicação e consumo na atualidade, sem cair no caricatural: seus personagens assistem aulas sobre sonhos no YouTube, eles criam fakes na internet, eles citam ao mesmo tempo referências pop e eruditas sem necessariamente soar frívolo ou forçado. Há uma construção de universos, cenários e personagens muito bem estabelecida em cada conto e isso apenas colabora para o universo tão intrincado e misterioso do livro.
Com pouco mais de 100 páginas, “Visão Noturna” é uma leitura rápida, que nos suga para esse universo de sonhos, dúvidas e medos, em uma viagem que vale a pena.
– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava.