Introdução por Marcelo Costa
Faixa a faixa por Mario Bross
Vivemos dias cinzas em que facilmente podemos nos contaminar pelo ódio reinante no país. A pandemia, o desgoverno, a crise econômica, o desastre ambiental, a falta dos amigos, tudo coloca nossas certezas em cheque, e num momento em que a raiva impera, devemos nos controlar e buscar esperança. Ou, como receitou Guilherme Arantes aqui no Scream & Yell, devemos reagir “com afeto, com compaixão, que ela é desarmadora”. A banda sorocabana Wry acredita em dias melhores, e “Reviver” (2021), seu novo disco, é o símbolo dessa crença.
Lançado em novembro, “Reviver” resgata uma seleção de faixas compostas ao longo dos anos com letras bem particulares que não tiveram espaço na discografia da banda, mas agora surgem conectadas por um olhar renovado que amplia a sonoridade shoegaze e pós-punk do grupo. “Aqui é possível encontrar vários Wry’s”, pontuou Luciano Ferreira em crítica elogiosa presente aqui no site. “’Reviver’ oscila sem perder a força ao longo das 10 faixas, sendo possível distinguir essa alternância de fases da banda a cada mudança de faixa”, define o escriba.
Gravado no estúdio da banda, Deaf Haus, em Sorocaba (SP), de março a maio de 2021, “Reviver” transmite otimismo, um sentimento necessário em tempos tão difíceis. Formada por Mário Bross (vocal, guitarra e synth), Luciano Marcello (guitarra e backing vocal), William Leonotti (baixo e backing vocal) e Ítalo Ribeiro (bateria e backing vocal), a Wry segue trilhando seu próprio caminho. O mais importante: “Sempre tivemos orgulho de nossa música”, avisa Mario, que comenta todas as faixas do novo disco com exclusividade para o Scream & Yell:
Faixa-a-faixa, por Mario Bross:
01. Where I Stand – Power-pop cheio de cores que fala sobre dúvidas, melancolia e esperança. É uma faixa nostálgica, solar e energética. Que dialoga facilmente com o período pós-pandêmico que não deve estar longe de chegar. Foi escrita originalmente em Londres. Fãs mais atentos lembrarão da sua versão demo incluída no EP rosa, que esteve presente na nossa banquinha de merch por algum tempo.
02. Only Human – Pós-punk new wave, influenciada por The Clash e Os Paralamas do Sucesso, que escancara nosso sentimento do não pertencimento. Mas que ao mesmo tempo sabemos que estamos aqui e vamos tentar o melhor possível, mesmo entendendo que se encaixar é praticamente impossível. “Only Human” pode ser considerada como uma primeira encarnação da música “Morreu a Esperança”, do álbum “Noites Infinitas“. Foi escrita em 2017 em Sorocaba.
03. E.M.C. – Música que mistura shoegaze e pós-punk, com letra que retrata de forma nostálgica o período escolar do começo da década de 1980, quando estudantes ainda tinham que cantar o hino nacional de frente à bandeira com a mão no peito. Período em que os resquícios da ditadura ecoavam e as pessoas no poder ainda tentavam nos moldar. A letra e a melodia foram escritas em 2020. “E.M.C.” forma uma tríade com “She’s Falling” e “A Million Stars In Your Eyes”, versões diferentes de uma mesma canção.
04. Deep Into The Shadows Of Your Mind – Nós fortemente sugerimos que ouçam essa faixa no fone de ouvido e a experiência será fantástica. O efeito usado na masterização foi pensado para tal audição, e a trouxe, de certa forma, à atualidade. Fãs mais antigos e atenciosos poderão lembrar da primeira aparição dessa música – que foi altamente influenciada pelo britpop com uma pitada de peso, como bonus-track na segunda edição do disco “heart-experience”, lançado em 2002. A canção foi composta em meio à organização do primeiro Circadélica e os preparativos de nossa mudança para Londres em 2001.
05. Campo Profundo – Shoegaze estilizado como um mantra ou um hino de igreja. Apesar do barulho, a música parece trazer uma certa calma que pode até relaxar. Canção com sonoridade nostálgica que fala sobre transição, arrependimento e reconhecimento. O título foi influenciado pela imagem do telescópio Hubble, conhecida como “a foto mais importante já tirada”, que nos mostra o futuro enquanto contemplamos o passado olhando para um número infinito de galáxias. Uma primeira versão com o título “Deep Field/Nostalgia” foi lançada no site Sinewave em 2010.
06. Girls Never Stop – Durante nossa morada em Londres vivíamos numa turma grande em nossa casa, mais um outro tanto de gente que sempre estava por lá. Essa letra foi influenciada pelas meninas desta turma. É uma canção de estilo épico sobre o empoderamento feminimo, escrita em 2003, enquanto observamos de perto a vida, as dificuldades e as conquistas das mulheres do nosso grupo.
07. Farleigh Road – O título da música é o nome da rua da nossa primeira e mais importante casa em Londres. A influência psicodélica vem de bandas como The Flaming Lips e Mercury Rev. A letra é sobre honestidade, lealdade e companheirismo. Sobre estar junto na alegria e na tristeza.
08. Speedfreak – A mais pesada do disco, no som e na letra. Foi influenciada pela morte de um amigo que era viciado em drogas. “Speedfreak” é uma espécie de ópera noise rock que conta a história de um porra-louca que tirou a própria vida.
09. Unload Your Guns – Foi escrita em 2017 e fala sobre desarmar-se, no sentido da pessoa ser verdadeira consigo mesmo e tentar não se esconder atrás de preconceitos, sejam eles quais forem. Ou mesmo atrás de máscaras. Aceitar e respeitar as mudanças do próximo. Abraçar o futuro. A música é influenciada por um rock britânico mais clássico, como David Bowie e U2.
10. You Trip Me Up – Essa é nossa versão com arranjos diferentes, para uma música da banda escocesa The Jesus and Mary Chain, que gravamos para a coletânea do extinto “The Blog That Celebrates Itself” em 2015.
– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell desde 2000 e assina a Calmantes com Champagne. A fotos presentes no texto são de Ana Erica / Divulgação
One thought on “Faixa a faixa: “Reviver”, Wry”