entrevista por Daniel Tavares
“É como se ele encontrasse a música de algum lugar do universo e traduzisse ali naquele momento. É muito rápido. É como uma coisa da natureza, como uma chuva caindo”. É assim que o músico e ator Rodrigo Vellozo descreve o modo de compor do pai, o sambista Uday Vellozo. Talvez você não ligue esse nome à pessoa, mas certamente já se pegou cantarolando uma canção de Benito di Paula, um dos muitos sambas que ele, tocando piano, incluiu na longa lista de clássicos da música popular brasileira. Às vésperas de completar 8 décadas de vida (quase não seria exagero dizer que também são 8 décadas de carreira – o menino Uday, aos 4 anos, já dividia o palco com o pai), Benito volta aos palcos, dividindo o espaço com o filho Rodrigo.
Esse aniversário festivo também traz o novo álbum de Benito, o primeiro em quatro anos, produzido pelo filho, Rodrigo, e por Rômulo Froes, e antecedido por dois singles, um para festejar a chegada da neta Aurora, filha de Rodrigo, e outro lançado na sexta, 12 de novembro, com o mesmo nome do álbum, “O Infalível Zen”. “É um novo Benito, um Benito contemporâneo”, avisa Rodrigo. “Faz parte de um projeto de comemoração dos 80 anos do meu pai. Além dos shows, a gente fez esse disco de inéditas e um disco que vai sair no ano que vem que é como se fosse uma antologia da obra do meu pai, com alguns Lados B, com a participação de vários artistas e com alguns sucessos”, revela o filho.
Prometendo me mandar um pedaço de bolo por avião, Benito e Rodrigo me receberam em sua casa, via Zoom, para uma conversa muito descontraída. Benito e Rodrigo abriram o coração sobre a música em geral e sua indústria (às vezes com críticas bastante veementes), sobre o samba, seus ídolos (Luiz Gonzaga, Gordurinha, Oscar Peterson) e sobre como Benito apresentou “Madalena”, de Ivan Lins, a Ella Fitzgerald (a voz de Benito cantarolando a canção neste trecho ainda ecoa nos ouvidos do jornalista), que a gravou em disco e incluiu a canção em seus shows. É uma entrevista repleta de histórias deliciosas, que você lê na integra abaixo.
Depois de um longo tempo longe dos palcos, você, Benito, está retornando com seu filho, Rodrigo Vellozo, para esses shows especiais comemorando 80 anos. São praticamente 76 anos de música se estou bem certo. Qual o significado disso tudo para vocês? Como é que vai ser essa comemoração? O que vocês podem adiantar para a gente, em termos de repertório, tudo…
Benito di Paula: Bem, você sabe que o público vai para ouvir aquelas músicas que ele conhece. “Charlie Brown”, “Mulher Brasileira”, e tudo isso aí. E a gente canta… “Sanfona Branca”, que eu fiz para o Luiz Gonzaga. Mas é muito legal para mim… a gente poder completar 80 anos e cantar uma música que tem quase 80.
Rodrigo Vellozo: E no dia 28 (de novembro), no dia do aniversário do meu pai, vai sair o disco novo, que a gente gravou junto, que é o disco de músicas inéditas do meu pai. Então, é um disco de 80 anos que vai sair no dia do show do Rio, e o disco vai se chamar “O Infalível Zen”. É um disco que tem direção minha e do Rômulo Froes.
Eu estou doido para ouvir.
Rodrigo Vellozo: E a gente está doido para mostrar. Faz parte de um projeto de comemoração dos 80 anos do meu pai. Além dos shows, a gente fez esse disco de inéditas e um disco que vai sair no ano que vem que é como se fosse uma antologia da obra do meu pai, com alguns Lados B, com a participação de vários artistas e com alguns sucessos, obviamente. Claro, a gente vai comemorar no palco, né? É uma coisa muito especial poder estar lá, ainda mais no Vivo Rio que é um lugar que a gente já foi algumas vezes, meu pai gravou um DVD lá, o registro que tem da obra dele ao vivo, o único registro de um disco que ele fez ao vivo lá…
Benito interrompe
Benito di Paula: Queria nunca ter gravado.
Rodrigo Vellozo: Ele nunca teria gravado um disco ao vivo se não fosse…
Benito di Paula: Não eu não queria gravar…
Rodrigo Vellozo: Ele não queria gravar. Eu que falei para ele gravar. Igual agora também. Eu que falei para ele gravar esse disco de inéditas.
A gente tem que agradecer a você, Rodrigo! Eu vi algumas músicas desse vídeo, aquele paletó vermelho, muito elegante à moda cigana…
Rodrigo Vellozo: É um fraque…
Benito di Paula: Na realidade, não é vermelho. Por isso que eu não gostei. O pessoal… As meninas que fizeram a iluminação, essa iluminação, esse paletó, ele passa por várias cores. Quando está no preto, ele fica preto. Quando está no azul marinho, ele fica azul-marinho, quando está no vermelho, ele fica vermelho, mas, na realidade, ele é lilás.
Caramba
Rodrigo Vellozo: Ele é um pink assim bem…
Benito di Paula: Você está entendendo? A produção é minha e o pessoal não seguiu. E não seguiu porque também não foram no ensaio. É bem coisa de produtor brasileiro. Eles querem fazer as coisas, mas pensam que sabem. E não sabem fazer.
Rodrigo Vellozo: Meu pai é muito exigente, mas é um registro espetacular da coisa do ao vivo, da relação do meu pai com o público, daquelas músicas, é um registro histórico.
Para a gente é muito bom. Os detalhes, as vezes, assim, vocês que tem conhecimento do que foi programado talvez achem uma coisinha aqui outra ali, mas a gente não acha defeito nenhum. O resultado que chega na nossa mão é esplêndido.
Benito di Paula: Por enquanto são dois espetáculos (agendados), mas já tem outro em Porto Alegre. Nós vamos fazer com dois pianos, eu e o Rodrigo com dois pianos. E não vai ter mais nada.
Rodrigo Vellozo: Talvez o seu violão, não? Você podia tocar um violão.
Benito di Paula: Não, não, não vou tocar violão não. Porque o violão requer… ele tem uma sonoridade muito íntima, né?
Rodrigo Vellozo: Isso é verdade.
Benito di Paula: E isso complica um pouco para a gente. É por isso que o João Gilberto reclamava que o som do violão dele nunca estava bom. O violão, eu volto a dizer, é um instrumento muito intimista. Já o piano não, o piano abrange tudo. É muito bom. Eu gosto muito de tocar piano. Eu fui professor de violão para aprendiz, quando era moleque. Aí eu passei os acordes do violão para o piano. Então, se você prestar atenção nos meus dedos tocando piano parecem uma aranha. [risos] É porque é muito difícil você passar do violão para o piano. É muito complicado.
São coisas diferentes, né? No piano as notas vêm na ordem. No violão você tem que fazer aqueles malabarismos que eu nunca aprendi também.
Benito di Paula: É. O piano já vem com os acordes. É só você tocar. O violão não. No violão você tem que compor os acordes.
Rodrigo Vellozo: Mas eu acho que a forma como o meu pai toca piano, que é uma coisa muito única, que é impressionante, ela deriva desse violão dele, que também é uma coisa impressionante. Ele passa do violão para o piano as coisas que ele faz no violão. Só você vendo. É um tipo de tocar piano completamente diferente.
Bem característico, bem Benito de Paula mesmo.
Rodrigo Vellozo: É uma coisa muito, muito, muito sofisticada. Eu não me canso de falar isso. Ele fala que é simples, mas não tem nada de simples [risos]. Os acordes, a escolha das notas, o jeito de encadear os acordes, de montar os acordes, as vozes dentro dos acordes, a polifonia… porque meu pai escuta muita música erudita, escuta muito Keith Jarrett… então, isso tudo, na hora que ele toca, por mais simples que pareça, porque é um repertório muito popular e ele tem, além do carisma, essa habilidade de condução de plateia, uma coisa muito impressionante, mas existe também uma sofistificação que, às vezes a coisa do ídolo popular passa na frente da sofisticação no sentido que as pessoas não prestam atenção. Cara, olha esse piano. Mas olha mesmo. Eu acho que tem isso na obra dele, nos discos. E não só no piado.
Benito di Paula: Tem uma coisa muito importante que eu preciso dizer. Eu sou autodidata. O meu filho estudou, se formou nos Estados Unidos e se formou no Rio de Janeiro, na Escola Nacional de Música, e eu me formei na rua [risos].
Também naquela “casa”, que eu já vi você falando em outras entrevistas…
Benito di Paula: Ah é. Na zona… [risos]
Então, você compõe primariamente no violão?
Rodrigo Vellozo: Não, ele faz em qualquer lugar, pode ser no piano, no violão, pode ser sem instrumento. Meu pai compõe em qualquer lugar. É como se a música já existisse.
Benito di Paula: Para minha neta, o Rodrigo falou comigo: “Papai, vai nascer a minha filha, sua neta”. Eu estava sentado no sofá, já fiz a música pra ela, sem piano, sem violão, sem nada.
Rodrigo Vellozo: Quando ele se sentou no piano, a música já estava pronta. Já estava com letra, música, pronta. Não existe… eu não sei te explicar muito. É uma coisa que só você vendo. É como se ele encontrasse a música de algum lugar do universo e traduzisse ali naquele momento. É muito rápido. É como uma coisa da natureza, como uma chuva caindo.
Uma música muito bonita de boas-vindas. Inclusive, parabéns, Rodrigo, tudo de bom pra ela e pra sua esposa. Acho que ela vai se orgulhar muito quando já souber falar e entender que essa música em particular foi feita pra ela logo antes dela chegar. E, Benito, você começou tocando com seu pai, e você, Rodrigo, também está tocando com seu pai. Será que a Aurora também um dia vai tocar com vocês?
Benito di Paula: Ah, com certeza.
Rodrigo Vellozo: É. Quem sabe, né? Eu acho que é bem possível.
Benito di Paula: A mãe dela é atriz. Tem coisa de palco. E eu tenho coisa de música que eu puxei muito do meu pai. E o Rodrigo tem coisa de música que ele pegou de mim. Pegou não. Se inspirou em mim. Então isso é muito legal mesmo.
Rodrigo Vellozo: A minha esposa é atriz, mas ela que sabe o que vai fazer. Ela é leonina com ascendente em leão. Então não vou ousar dar muita ideia não. [risos] Ela, com certeza vai saber.
Rodrigo, como é essa emoção de estar tocando com seu pai?
Rodrigo Vellozo: Ah, é muito… eu acho que agora depois da pandemia vai ser uma coisa completamente nova, porque a gente ficou muito tempo sem. Eu participo do show do meu pai desde que eu sou muito pequeno. Isso sempre foi uma coisa bastante natural na nossa família. Até porque não é só eu. Meu tio, meus primos… É uma coisa da família mesmo. É um negócio que a gente tem.
Benito di Paula: Que é da parte da minha família.
Rodrigo Vellozo: Da sua família, do seu pai, do Vô Vellozo.
José Vellozo.
Benito di Paula: Meu irmão é um grande compositor. Aliás, por falar em José Vellozo, o pai do Caetano também é José Veloso. Eu fiquei contente porque eu adoro Caetano. Eu amo o Caetano. E o Chico Buarque também. O Chico, Nossa Senhora, eu cheguei perto dele assim, ele olhou pra mim com aqueles olhos e eu: Nossa, Chico, olha pra lá. [risos] Eu gosto muito dos dois, apesar de não conhecer, não ter amizade, mas gosto muito.
Quando o Benito di Paula, o artista, cantor, sambista, pianista, chegou, não era comum de forma alguma isso de colocar piano em samba. Isso até hoje é uma coisa bem única que o Benito di Paula faz. E o Benito di Paula chegou pra, como diz o Djavan, “Caetanear o que há de bom”, então como foi resolver tocar piano, ao invés de tocar cavaquinho, um violão, qualquer outro instrumento comum no samba? Quais foram as dificuldades que você enfrentou por ter tomado essa decisão desse caminho?
Benito di Paula: Acontece aquilo que eu te falei. O violão é muito intimista, você precisa de silêncio pra ouvir, sabe? Já o piano não. Eu não sou pianista, eu sou pianeiro. Eu não sou violonista, eu sou violoneiro. Eu não sou brasileiro, eu sou brasilista. Então, é assim. Aí uma vez eu encontrei com o nosso saudoso e querido Vinícius de Moraes e sempre fiz uma coisa tipo quetcheq quetcheq quetcheq no piano. E ele falou: “Eu adoro essa batucada que você faz no piano”. E eu fiquei feliz, né? Vindo dele…
Rodrigo Vellozo: É que uma coisa do piano do meu pai, que às vezes muitas pessoas não conseguem entender direito, é que ele usa o piano como instrumento de percussão. O piano não é um instrumento de percussão. Ele é um instrumento harmônico, mas também é um instrumento de percussão. E ele usa isso. Isso fica bem claro quando você escuta a maneira dele tocar.
Benito di Paula: Eu desde criança sempre escutei Luiz Gonzaga, Ataulfo Alves, e sempre ouvi o Tito Puentes, Xavier Xugat, Perez Prado, que são músicos cubanos. A minha música tem muito da música cubana, por eu ter ouvido muito, muito mesmo. Mas meu pianista favorito é o Oscar Peterson. Nossa Senhora, que saudade dele! Ele era perfeito. Certa vez um rapaz chegou pra mim e falou assim: “Ô, Benito, você conhece o Oscar Peterson”. Eu falei: “Muito, mas de disco”. E ele: “Você sabe que toda vez que ele vem fazer show em São Paulo ele pede pra te ver”. Eu falei: “Não, não brinca”. Fiquei feliz.
Rodrigo Vellozo: Isso lá na Catedral do Samba.
Benito di Paula: Toquei com a Ella Fitzgerald, com a Sarah Vaughan, com o Charlie Byrd, que é um violonista maravilhoso. Toquei com muita gente, sabe. Com o pessoal de Woodstock, depois, muito depois… Toquei com muita gente mesmo. Aliás, eu estava cantando numa boate (mas não dessas que tem as menininhas boas que dão pros meninos maus), sentei no piano e toquei: “Ô Madalena, o meu peito percebeu…”. E ela me pediu pra sentar-se na mesa com ela.
Rodrigo Vellozo: A Ella Fitzgerald
Benito di Paula: Sentei-me. E ela perguntou: “Que música é essa?”. Eu contei: “Essa música é de um (músico) brasileiro: Ivan Lins”. E ela falou assim: “Dá para repetir para mim?” Eu falei: “Claro”. Voltei para o piano e repeti para ela. E nesse repetir, eu repeti três vezes, tá sabendo? Ela chegou e perguntou: “Você não tem a letra dessa música?” Falei: “Não tenho, mas eu posso arrumar”. Fui lá, arrumei a letra para ela. E uns quatro meses depois ela estava estourada com essa música. Em português.
Rodrigo Vellozo: Ela gravou.
Benito di Paula: E eu achei isso uma coisa fantástica. Uma coisa maravilhosa. Uma coisa linda, linda, linda, muito linda. E eu acho que ele (o Ivan Lins) nem sabe disso. Também se não souber, também não faz mal não. Agora eu já contei.
Vamos fazer o possível para ele saber. Assim que terminarmos aqui eu vou atrás dessa versão. Eu não conhecia essa versão.
Rodrigo Vellozo: É espetacular.
Já que a gente chegou nisso aí, um outro artista inusitado, que fez uma coisa inusitada… enquanto o samba é o nosso principal ritmo, o rock é o principal ritmo da Inglaterra, dos Estados Unidos, e um roqueiro inglês, ele fez um pouco, ou a mesma coisa que você, trouxe para o rock o piano. Já havia teclado, mas não havia muito piano. [Fats Domino, Jerry Lee Lewis, Rick Davies e outros artistas que ocasionalmente incluíram o piano em composições deixados propositalmente à parte] Benito, você se considera o Elton John brasileiro? Ou considera que o Elton John é o Benito di Paula inglês?
Benito di Paula: Não. Ele é muito melhor.
Mas o que vocês fizeram, o que vocês contribuíram, em música é completamente diferente, mas um roqueiro tocando piano e um sambista tocando piano é uma semelhança que existe.
Benito di Paula: Todo mundo fala isso, mas eu não me considero não. Ele é muito bom, não só tocando piano, como compondo. Ele é muito bom mesmo. Muito melhor que eu.
Eu tenho que discordar, mas vamos em frente.
[risos]
Falando sobre piano, como é a logística de vocês, vocês levam o piano para o venue onde o show vai acontecer, ou colocam tudo no rider certinho e o produtor vai atrás do piano conforme vocês querem.
Rodrigo Vellozo: É isso. O pianista, diferentemente do violonista, do guitarrista, do saxofonista que tem o seu instrumento, o pianista lida com o piano [que é um instrumento enorme] que ele encontra. É assim nos concertos. Eu estudei música erudita e me lembro disso, quando a gente ia tocar em concerto a gente tinha pavor do instrumento que ia encontrar. Você nunca sabe. Na verdade, você não conhece o instrumento. Você tem que se adaptar a ele. Isso faz parte da vida do pianista. É isso que acontece com a gente.
Benito di Paula: E uma coisa muito legal do piano é que tem sempre alguém para carregar, né? [risos] É muito pesado. [risos]
Um dos seus maiores sucessos é “Retalhos de Cetim”. Eu quero saber se você, Benito, pode falar quem foi a tal cabrocha que você tanto amou e que mentiu para você.
Benito di Paula: Ah, eu criei isso aí. Exatamente do Ataulfo, o Ataulfo Alves era chamado assim: Ataulfo Alves e suas cabrochas. Porque antigamente não eram passistas de escola de samba, eram as cabrochas. Depois é que virou “passistas de escola de samba”. Então eu aprendi isso com Ataulfo Alves. É por isso que eu gosto dele demais. Ele fez [Benito canta] “Sei que é covardia um homem chorar / por uma mulher / sei que é covardia um homem chorar / por quem não lhe quer”. Aí eu fiz [ainda cantando] “É / Acaba a valentia de um homem / quando a mulher que ele ama vai embora” seguindo aquela linha dele.
Foram muitos amores, muitas paixões, né, Benito?
[risos] Ah, é. Muitos.
Interrompemos a entrevista para mostrar alguns discos.
Esta é minha casa. Bem-vindos, novamente.
Benito di Paula: [sobre o álbum de 1975 com seu nome] Essa capa aí que está na sua mão, eu fiz um show em um ginásio em Brasília. E tinha muita gente, muita gente mesmo. E no final, eu apresentei, como não podia deixar de ser, Luiz Gonzaga. E o Luiz Gonzaga virou para mim e disse assim: “Tá usando meu nome em vão” [risos]. Eu fiquei com vergonha e botei a mão assim e saiu essa foto aí [a da direita]. E a gravadora também, tudo burro, não sabia da importância que era, eu e Luiz Gonzaga. Era muito importante para mim, e para o Luiz, ele me lançar. E eles cortaram o Luiz. Olha que ignorância. Mas também já faliram e tudo.
Ele estava aqui desse lado então, na foto?
Benito di Paula: É. Ele estaria aí. Mas quando você está lidando com burro é assim, né? Gente que não tem…
Rodrigo Vellozo: É que acontece isso às vezes. Tem muita gente que trabalha com música… não só com música, eu sou ator e eu vejo isso – acho que essa é uma característica um pouco do nosso país – a pessoa trabalha com cultura, com arte, mas meio que ela não gosta de cultura e arte, sabe? É meio engraçado isso, é curioso. A pessoa trabalha com um negócio que ela não curte.
Benito di Paula: Eu fiz a “Sanfona Branca” para o Luiz porque eu cheguei numa loja de discos e perguntei: ”Você tem disco do Luiz Gonzaga?”. E o cara perguntou assim: “O que é que ele canta?”. E aquilo me tocou o coração, sabe? Aí eu andei uns quarteirões e perguntei para o rapaz de outra loja: “Você tem disco do Luiz Gonzaga?” Ele falou: “Tenho, tenho”. Comprei dois. E fui lá na loja [a primeira] e falei: “Esse aqui é para você. Ouça que você vai amar. E esse aqui é meu”. Passou um tempo e eu compus “Sanfona Branca” para ele. E não esperava que ia ser tanto sucesso, muito sucesso mesmo, e ele fez para mim [cantando] “como é bonito, Benito / quem é poeta é que vê / como é bonito, Benito, / poetas como você”. A gravadora demorou seis anos para deixá-lo gravar. Agora você olha só a ig-no-rân-cia de um diretor de gravadora, que se dizia produtor, de uma burrice danada. Ele não deixou porque achava que eu não deveria cantar com Luiz Gonzaga. Fiquei sabendo disso depois, mas depois gravei com ele. Ele fez uma outra música… [cantando] “Viva meu Padin, viva meu padin / Ciço Romão / Viva meu Padin, viva também / Frei Damião “. É muito bonita. Muito bonita.
Para a gente terminar a entrevista, que foi um prazer, que foi uma honra. Estes discos aqui eu vou considerar que estão autografados…
[sobre o álbum de 1980] Benito di Paula: Essa capa, isso é tudo bico de pena, que o artista fez para mim. É muito bonito o trabalho dele. É bem antigo.
Tem uma pergunta que eu sempre faço, você já falou sobre Luiz Gonzaga, mas vamos chegar mais para cá, para o Ceará. O que você gosta dos artistas cearenses?
Benito di Paula: Tem um compositor chamado Gordurinha. Ele é fantástico. E ele fez [cantando]” ô Deus / perdoe esse pobre coitado / que de joelhos rezou um bocado / pro sol inclemente se arretirar / ô Deus, / será que o Senhor se zangou / e só por isso o sol se arretirou / fazendo cair toda chuva que há”. É bonito demais. É um grande compositor. “Ô Deus / Eu pedi pra chover, / mas chover um tiquinho / chover, mas chover de mansinho / pra ver se caia uma chuva no chão. / Meu Deus, / se eu não rezei direito, o Senhor me perdoe / eu acho que a culpa foi / desse pobre que não sabe fazer oração”.
Muito bonito. Muito obrigado. São momentos únicos… a gente tem a sorte de ser jornalista e passar por momentos como esse. Queria que vocês dois passassem a mensagem de vocês…
Benito di Paula: A minha mensagem é que vocês continuem fazendo esse trabalho, porque esse trabalho nos dá a força que a música popular brasileira precisa. Nós precisamos muito de vocês. Porque esse trabalho que vocês fazem, ele sempre eleva o compositor brasileiro. E por que não dizer os compositores todos, né? Por que não dizer? O trabalho de vocês é muito importante para nós. Muito obrigado.
Rodrigo Vellozo: É. E convidar as pessoas para irem aos shows, comemorar com a gente os 80 anos e escutarem o disco que vai sair no final do mês, no dia 28, o disco de inéditas dele. É um novo Benito, um Benito contemporâneo.
– Daniel Tavares (Facebook) é jornalista e mora em Fortaleza. Colabora com o Scream & Yell desde 2014.
Em 1986, numa entrevista para a Bizz, perguntaram ao caetano se ele já havia escutado o disco novo dos Stones. Era o dirty works…aí o caetano disse que não havia ainda, mas que só ver a capa toda colorida, anti dark, já o deixava feliz. Pois digo algo similar: só de ver Benito Di Paula sendo entrevistado aqui com toda reverência, já me deixa muito contente. Maravilhosa entrevista.
Fantastica entrevista eles vão tocar em Porto Alegre?
Sim, Henry. Dia 18/12: https://bileto.sympla.com.br/event/69736/d/113786
Prezado Daniel. Parabéns pela entrevista. Na verdade, um descontraído bate-papo. Sou conterrâneo de Benito, sou de Nova Friburgo, na região Serrana do Rio de Janeiro, terra maravilhosa; ele é “Homem da Montanha, Friburguense Coroado”. Precisa vir fazer um show aqui, porque o último já tem 11 anos… Sua entrevista nos trouxe Benito de volta à sua casa; ao lado de Rodrigo, ele está ainda mais descontraído, aquele jeito dele simples, cativante, envolvente. Realmente, muito bom o trabalho!!! Viva Benito e a música popular brasileira!! Salve, Benitão!! Oitentão!! Que Deus o proteja muito ainda!!!