texto por João Paulo Barreto
É curioso pensar no fato de que o universo cinematográfico dos Estúdios Marvel inicia, agora, após 13 anos de sucesso, sua nova fase destacando um enfoque mais profundo em seus personagens menos conhecidos. Após investir pesado em medalhões como Homem de Ferro, Capitão América, Thor, Viúva Negra, Hulk, cujas aparições e desenvolvimentos culminaram no confronto com o vilão Thanos, observar a equipe criativa liderada por Kevin Feige, o poderoso chefão da bilionária máquina de super-heróis, dando destaque a seus personagens menos conhecidos, interpretados muitas vezes por atores ainda em ascensão (e com salários bem menores que os dos astros das primeiras fases, obviamente) denota justamente uma clara ideia de remexer no fundo do baú para encontrar os tesouros perdidos. E esse baú, de fato, possui pepitas.
Desde a estreia da atual fase com “Mestre do Kung Fu” (sim, tenho idade suficiente para me referir a Shang-Chi pelo modo como a revista da finada editora Abril, “Heróis da TV”, o batizou) até chegar nessa adaptação do clássico desenhado e roteirizado pelo eterno Jack Kirby, “Eternos” é mais um exemplo dessa busca pela Marvel por popularizar para novas gerações seus heróis mais obscuros. Junto com essa busca, os estúdios, também, trazem louváveis inclusões de personagens de diversas etnias, classes sociais e orientações sexuais. Como nova equipe de super-heróis, os“Eternos possuem exemplos bem específicos dessa nova leva que a Disney visa emplacar para a próxima década em um mundo de entretenimento pós pandemia no qual, infelizmente, os lançamentos no cinema ficarão em segundo plano em detrimento do canal de streaming da empresa. Mas será que tal vontade de emplacar novos nomes, heróis e poderes se confirma?
“Eternos” é um filme menos promissor neste sentido, mesmo possuindo seus atrativos visuais fantásticos dentro de uma nova proposta cósmica trazida pela Marvel desde a inserção cômica dos “Guardiões da Galáxia”. Tal foco, diga-se de passagem, é algo que empolga por nos fazer pensar nas possibilidades que os estúdios podem criar com personagens como Galactus e Surfista Prateado (principalmente dentro dos aspectos filosóficos propostos por mais esse personagem do “Rei” Jack Kirby). O problema, aqui, é o modo simplório como o filme de Chloé Zhao decide estruturar e basear quase todos os seus longos 157 minutos. Assim, o filme se torna uma série de diálogos expositivos sobre as origens de seus personagens e alternando com os embates entre as criaturas batizadas de deviantes e os semi-deuses, os Eternos, que, supostamente, têm como missão única de existência impedir a ascensão de tais criaturas no decorrer dos milênios. Sim, havia semi-deuses na Terra que seriam capazes de impedir Thanos, mas qual seria graça se resolvêssemos as coisas assim, não é mesmo?
Tais semi-deuses, aliás, parecem mais perdidos que os próprios humanos que pretendem defender. E olha que eles, supostamente, são os que detêm as respostas para as questões do universo. Assim, no decorrer dos séculos até a época atual, Sersi (Gemma Chan), Ikaris (Richard Madden), Thena (Angelina Jolie), Ajak (Salma Hayek), Druig (Barry Keoghan) e Phastos (BrianTyree Henry), dentre outros, após finalmente conter a ameaça dos deviantes, entram em “modo de vida humano”, com seus trabalhos e paixões humanas, bem como com a rendição aos boletos do capitalismo, mas tendo que voltar ao batente de salvadores quando as criaturas ressurgem no século XXI.
De todos os heróis citados, os dois últimos são os que mais atraem a atenção da audiência dentro de aspectos mais profundos. Druig, capaz de manipular mentalmente pessoas fazendo com que elas sigam suas ordens mentais, compreende como a humanidade não é capaz de evoluir sozinha; e Phastos, cuja pressa em levar seu conhecimento e inteligência como influência nessa mesma evolução humana acaba por ser responsável mais pelo avanço bélico da raça do que pelo seu ascender como seres conectados com a própria essência que os faz humanos (a cena em que ele contempla entre lágrimas a destruição da bomba atômica em 1945 é um dos poucos momentos de real peso emocional do longa).
Apesar desse modo automático de direção e de um roteiro simplório no aspecto de um maior desenvolvimento de seus personagens (vá lá, são 10 super-heróis a serem aprofundados), Chloé Zhao consegue, em seu resultado, trazer um filme que faz jus à proposta da Marvel de adentrar em um universo interestelar de suas páginas. Em seu arco final, a ideia baseada em um aspecto gigantesco de figuras interplanetárias (como a dos Celestiais), novamente nos faz imaginar o poder que os estúdios têm em mãos. De suas páginas desenhadas e escritas há 45 anos, é até empolgante pensar que Jack “Rei” Kirby estaria feliz com as possibilidades que esse apenas pouco promissor começo trará para os próximos escapes de diversão que são os filmes oriundos dos quadrinhos da Casa das Ideias.
Texto publicado originalmente no jornal A Tarde, de Salvador (BA)
– João Paulo Barreto é jornalista, crítico de cinema e curador do Festival Panorama Internacional Coisa de Cinema. Membro da Abraccine, colabora para o Jornal A Tarde e assina o blog Película Virtual.