Os três filmes abaixo integram o 16º Festival de Cinema Italiano, que terá sessões presenciais de 05 a 12 de novembro nas salas do Petra Belas Artes, em São Paulo, e também integram uma mostra online gratuita com 16 filmes inéditos e 16 clássicos, todos liberados para serem assistidos de 05 de novembro até 05 de dezembro em festivalcinemaitaliano.com (basta clicar no poster do filme no site do evento para ter acesso ao conteúdo).
por Marcelo Costa
“Com Todo o Meu Coração”, de Vincenzo Salemme (2021)
O ator Vincenzo Salemme é um nome experiente do cinema italiano, que já atuou em mais de 40 filmes (a serviço de diretores como Giuseppe Tornatore e Nanni Morreti). Como diretor, Salemme está lançando sua 12ª comédia, “Con Tutto Il Core”, que utiliza a tradicional troca de papeis para criar situações para o público rir. A trama se passa em Nápoles e começa com o assassinato de um chefão da organização criminosa Camorra, aliada a Máfia Siciliana, conhecido como o Barbeiro, porque depois de assassinar suas vítimas, fazia barba e cabelo do cadáver. A mãe do mafioso, Dona Carmela (a impagável Cristina Donadio), ao saber que o filho está em estado vegetativo, com apenas o coração batendo, “providencia” com o médico que atendeu seu filho (Maurizio Casagrande, também ótimo), e que deve um dinheiro para a família, que o coração do Barbeiro seja transplantado para outro homem, para que ele se vingue matando o assassino de seu filho. O médico então escolhe um lutador de boxe na fila de quem necessita de transplante, mas na hora da operação descobre que seu assistente enfermeiro (que não “enfermeiro”, está ali “ajeitado” como um favor a um amigo – algo que, pelo jeito, é bastante normal em Nápoles) se confundiu e chamou um professor de 59 anos, Ottavio Camaldoli (o próprio Salemme), que está pronto para ser operado. Dois meses de recuperação e Ottavio está se sentindo um novo homem, mas tem uma dívida para pagar a Dona Carmela: assassinar o chefão da máfia rival. Já previu a confusão, certo? A coisa toda vai tomando proporções maiores conforme Ottavio é apresentado à família mafiosa, que grava um vídeo (a ser postado na internet para toda Nápoles ver) com Dona Carmela avisando do transplante e do desejo de vingança. Comédia leve e sentimental de humor inteligente, ainda que sem muitos superlativos, “Com Todo o Meu Coração” consegue arrancar risadas com boas passagens divertidas e um olhar afiado para a cultura local.
Nota: 6
“Bem-Vindo à Veneza”, de Andrea Segre (2021)
Uma reportagem brilhante de 2009 assinada por Cathy Newman, então editora da revista National Geographic, apontava que o número de venezianos residentes na cidade de Veneza (um grupo de 117 pequenas ilhas separadas por canais e ligadas por pontes) em 2007 somava 60 mil pessoas. O de turistas que haviam visitado a cidade naquele ano batia nos 21 milhões – só em um feriado, 80 mil turistas invadiram um dos lugares mais lindos do mundo (para este que vos escreve). “O turismo não é a única razão do êxodo crescente, mas uma questão paira como neblina: quem será o último veneziano a partir?”, questionava a reportagem. Essa questão ainda martela, e “Welcome Venice” a ilustra de maneira excelente: na trama, Alvise (Andrea Pennacchi), Pietro (Paolo Pierobon) e Toni (Roberto Citran) são três irmãos que se reúnem com a família na casa em que nasceram em Giudecca, a ilha mais famosa de Veneza. Apenas Pietro vive na casa da família. Ele é um ex-presidiário que agora trabalha com pesca de mouche, o caranguejo de lagoa, e tenta se aproximar da filha e do neto. Na outra ponta temos Alvise, que é um pequeno empresário local de Bed & Breakfast, atendendo a turistas de toda sorte que querem vislumbrar um pedaço da beleza de La Serenissima. Para Alvise, que precisa acertar as finanças e acaba de receber a notícia de sua filha que será avô, uma reforma na casa da família e um arrendamento para uma grande investidora poderá trazer um bom dinheiro para todos. E será deste choque entre o irmão mais calado e simples, que vive sozinho naquela casa, com o irmão mais falante e sonhador, que sonha arrendar o imóvel e pertencer a elite das famílias que alugam hospedagens em Veneza, que flutua densamente a história de “Bem-Vindo à Veneza”, tanto uma alegoria sobre gentrificação (de redes de hotéis que “engolem” redutos saudosos) quanto uma análise sombria de como o impacto cada vez mais profundo do turismo global mudou a relação entre a cidade e os cidadãos. O desfecho, sarcástico, remete a uma cena irmã de “Aquarius”, de Kleber Mendonça Filho, sem a mesma força, brutalidade e impacto do brasileiro. Ainda assim, um bom filme que merece ser visto.
Nota: 7
“O Grande Silêncio”, de Alessandro Gassmann (2021)
A Villa Primic, um vasto imóvel de frente para o mar em Posillipo, uma das regiões mais prósperas de Nápoles, viveu os tempos áureos de uma mansão luxuosa, quando uma família burguesa tradicional napolitana colhia os frutos da enorme fama do brilhante patriarca Valerio, um elogiado escritor de sucesso (interpretado pelo ótimo Massimiliano Gallo). Agora, começo dos anos 60, com toda fortuna da família gasta até os últimos centavos, o local tornou-se uma mansão decadente que parece saída de uma história de fantasmas, e que, com muita relutância da matriarca Rose (a premiada e excelente atriz Margherita Buy), acaba de ser colocada à venda. Os dois filhos, herdeiros, Massimiliano (Emanuele Linfatti) e Adele (Antonia Fotaras), apoiam a mãe, e apenas o pai Valerio, isolado na biblioteca com sua máquina de escrever e a visita impertinente da empregada da família, Bettina (a impecável Marina Confalone), não está nada feliz com a decisão. O gesto de colocar à venda o imóvel sacode a poeira da casa, e mãe, filho e filha decidem “invadir” o refúgio do escritor para desabafar suas mágoas, guardadas no amago em um sepulcral silêncio durante anos. Valerio, que percebe nunca ter conhecido realmente seus entes queridos, têm em Bettina um ombro amigo, e será ela a responsável por ouvi-lo – e aconselhá-lo – enquanto ele imagina novas histórias que pudesse escrever. “Il Silenzio Grande” é uma fábula interessante sobre tempo, memória, imaginação, família, silêncio… e burguesia. Alegoria farsesca sobre incomunicabilidade, a história mostra como o sucesso de um pode ser o fracasso dos outros. No caso desta pobre família burguesa, o que deu aos Primic fortuna é exatamente o que lhes devolverá traumas. E ainda que o roteiro escrito a seis mãos por Andrea Ozza, Maurizio de Giovanni e Alessandro Gassmann não consiga tirar as manchas teatrais originais da história, isso não atrapalha a trama, que flui a contento, com o drama familiar caminhando delicadamente – entre o que parece ser e o que realmente é – sobre uma linha fina na qual o tombo inevitável poderá levar o espectador (não burguês) a sorrir.
Nota: 7
– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell desde 2000 e assina a Calmantes com Champagne.
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