por João Pedro Ramos
A banda inglesa Rockbitch é um símbolo extremo do dedo do meio levantado para a sociedade e o machismo que ditava que só homens podiam ser `transgressores”, tirando a roupa e expondo toda sua sexualidade no palco. Aliás, a Rockbitch escancarava isso sem dó nem piedade, não ligando nem um pouco para o que os outros pensavam e passando de qualquer limite imposto.
O grupo de hard rock surgiu da dissolução de uma banda chamada Red Abyss, que lançou o disco “Luci’s Love Child” em 1992 e já tinha os princípios que vieram a caracterizar a Rockbitch: formada por garotas (às vezes algum cara entrava na formação, mas as mulheres sempre dominaram) e sexualidade à flor da pele. Porém, com o nome Rockbitch, o grupo resolveu chutar o balde. Já que as bandas masculinas que dividiam palco com elas eram encorajadas a gritar letras rebeldes sobre sexo e satanismo e falavam na cara das garotas que elas não podiam fazer os mesmo… porque não bater de frente com isso?
Outro fator que ajudou a criar o furacão Rockbitch foi o machismo que elas encontravam quando ainda eram Red Abyss: contratantes se recusavam a conversar com uma empresária mulher, técnicos de som sempre achavam que elas não sabiam tocar seus instrumentos ou sabotavam a mixagem do som, casas insistiam em pagar o cachê diretamente nas mãos de qualquer roadie que fosse homem em vez de uma membra da banda… “Éramos tratadas como merda”, diz a guitarrista solo Lisa “Babe” Wills.
Desde sua formação, nos anos 90, até o fim, em 2002, o Rockbitch foi criado para transgredir. Muitas das membras da banda tocavam nuas ou quase nuas. Músicas como “Fistfuck” eram “encenadas” no palco. Durante os shows, elas jogavam uma “Camisinha Dourada” para o público, e quem pegasse, homem ou mulher, era convidado/a a ir ao camarim após o show e transar com as membras da banda. “Normalmente, quem pegava a camisinha e dava pra trás na hora do vamos ver eram os homens”, conta Babe. “Muitos achavam que era uma piada. Nossa sexualidade escancarada intimidava muitos homens”.
Porém, a transgressão fazia parte da peça teatral que era o show do Rockbitch. No Facebook oficial da banda, Lisa Wills relembra que sempre avisavam os promotores e donos de casas de shows do que rolaria no palco assim que eram contratadas. Dai, quando chegavam no local do show, fazia a passagem e a checagem de som e, depois, iam ter uma conversa cara a cara com o responsável pelo estabelecimento, que, dependendo do lugar, pedia para limitar os atos praticados ao vivo: “A lei variava em cada país sobre o que podíamos ou não fazer no palco. Tínhamos que conhecer a lei para nos proteger e também proteger o proprietário. (…) Debatíamos até onde a linha traçada da lei (e da casa) nos permitia ir, e nos comprometíamos a respeitar isso. (…) Muitas vezes tínhamos permissão para tudo, incluindo mijar, mas não fistfuck”, relembra Lisa, que aproveita para criticar a a falsa moralidade e o machismo (“Havia shows contratados em que não podíamos nem nos tocar, nem beijar”).
Em postagens (de 2021) no Facebook em que relembra a história da banda, Lisa explica o conceito feminista e político do Rockbitch: “Nossa postura era que nossas escolhas carnais são políticas – que o crescimento sexual individual e a liberdade são centrais para a saúde de qualquer psique e, como tal, era mais do que simplesmente uma questão frívola no quarto, mas que afetava o corpo político e a sociedade como um todo”. Lisa, inclusive, era a responsável por ler o “Manifesto Rockbitch” dos shows – numa performance: ela retirava um objeto amarelo de dentro da própria vagina, abria, pegava o papel e começava a leitura. “Era um polêmico manifesto feminista pró-sexo, colocando todo o nosso comportamento em contexto e começando com: ‘Eu tiro essas palavras da minha boceta – La Bocca Della Veritas, a fonte de toda verdade e vida …'”, relembra.
Formada também por Amanda “The Bitch” Smith-Skinner (baixo), Julie Worland (vocais), Luci the “Stage Slut” (guitarra base), Nikki Fay (teclados) e Jo Heeley (bateria), o Rockbitch contava ainda com duas ou três “Sex Magick Priestesses” que dançavam e ajudavam em alguns dos rituais sexuais realizados no palco. A banda dizia em manifestos publicados em seu site (ainda ativo e repleto de vídeos, fotos e mensagens) que sua missão era tirar o estigma da sexualidade feminina e do sexo em geral, e o hard rock parecia o veículo perfeito para isso.
“Quando uma mulher não pode sequer tirar a roupa da cintura para cima e tocar um puta riff de guitarra, enquanto a vocalista a come com um strap-on e um cara da plateia lambe seus pés sem que as autoridades queiram proibir o show para menores de 18 anos – bem, o que aconteceu com o mundo do rock e sua rebelião?”, perguntava o site da banda.
Musicalmente, o grupo tocava rock teatral com influências de hard rock e heavy metal. Apesar dos temas sexuais, a banda também incluía um pouco de paganismo em sua música e filosofia, mas Babe diz no site da banda que elas não eram Wicca ou satanistas. Na verdade, todo o show e ideias da banda giravam em torno de um “culto à vagina”, com o órgão sendo a fonte da vida humana, portanto o componente mais sagrado da sexualidade.
É lógico que as autoridades não gostavam nada dessa “liberdade sexual” da Rockbitch. A banda foi banida de várias casas de shows, e sua música e discos foram censurados em diversos países. Não se sabe se isso foi um dos motivos para o fim da banda, mas provavelmente era bem difícil distribuir sua música e marcar show.
A Rockbitch lançou apenas um disco de estúdio, “Motor Driven Bimbo” (1999), e um ao vivo, “Rockbitch Live in Amsterdam” (1997) – elas chegaram a gravar um segundo álbum, “Psychic Attack” (2002), que com o fim da banda nem chegou a ser lançado. Durante sua carreira, a Holanda era um dos poucos países onde a banda conseguia se apresentar regularmente. Um segundo disco, “Psychic Attack”, chegou a ser gravado, mas nunca lançado oficialmente, apesar de aparecerem alguns bootlegs das músicas por aí.
Depois do fim da banda, em 2002, todas as membras reapareceram em uma versão vestida e menos teatral chamada MT-TV, que logo também chegou ao fim. Existem diversos documentários e bootlegs de show em vídeo disponíveis sobre a banda, sendo os mais completos “Sex, Death and Magick” e “Bitchcraft” (que está disponível no Youtube, ou pelo menos já esteve – e, claro, no site porno X Videos é possível encontra-las também).
– João Pedro Ramos é jornalista, redator, social media, colecionador de vinis, CDs e música em geral. E é um dos responsáveis pelo podcast Troca Fitas! Ouça aqui.