texto por Luciano Ferreira
“Onde está o ritual
E me diga onde está o gosto
Onde está o sacrifício
E me diga onde está a fé
Algum dia existirá a cura para a dor
E neste dia eu jogarei meus remédios fora
Quando eles acharem a cura para a dor”
(Cure For Pain)
A figura do artista incompreendido é muito comum, e Mark Sandman, o cara de personalidade reservada, olhar cansado, sorriso tímido e falar lento, mais conhecido como vocalista da banda Morphine, entra nesse rol.
No caso de Sandman, a principal incompreensão que o documentário “Cure for Pain – The Mark Sandman Story” (2011), dos diretores Robert Bralver e David Ferino, nos apresenta é a dos seus pais, que demonstram claramente nunca terem entendido a grande força que movia seu filho – e que o levava a mover os outros com sua música -, nem mesmo quando de sua morte, pois relatam a perplexidade com que se depararam com a quantidade de reportagens na mídia falando da morte daquele cara que tocava seu baixo de duas cordas e cantava canções de provocar risos ou lágrimas.
E é esse olhar dos pais de Sandman uma das coisas mais marcantes e, ao mesmo tempo, tristes, do documentário, que busca traçar um panorama da vida do músico, desde a infância até o fatídico show na cidade de Palestrina, na Itália, onde sofreu um ataque cardíaco fulminante no palco que lhe tirou a vida aos 46 anos, mas que não apagou a chama da sua música, acesa ao longo de cinco álbuns com sua banda principal, o Morphine, e outros três com o Treat Her Right, sua banda anterior.
Seguindo o padrão da maioria dos documentários, “Cure for Pain” usa todos os recursos audiovisuais disponíveis trazer para o espectador um pouco mais da figura de Mark Sandman. Nesse sentido, entrevistas com amigos, familiares, jornalistas, produtores, empresária, companheira, companheiros de banda (Dana Colley, Jerome Deupree e Billy Conway e outros) e músicos (Ben Harper, Josh Homme, Les Claypool, Mike Watt) apresentam sua própria versão ou visão do Mark homem e também do Mark músico. Nesse sentido, não fica de fora nem mesmo algumas opiniões sobre o caráter do músico, um homem como qualquer um de nós, com qualidades e defeitos.
A trilha sonora do filme é composta em sua maioria por músicas do Morphine, com uma ou outra faixa doTreat Her Right e Hypnosonics. Outros recursos para dar dinâmica aos cerca de 85 minutos é a utilização de muitas imagens, vídeos caseiros, trechos de apresentações, programas de TV e shows, e até os quadrinhos criados por Mark para descrever sua relação com Billy e Dana, os outros membros do Morphine, chamados de The Twinemen.
É interessante acompanhar a trajetória de Sandman que de participante em formações musicais diversas acaba se tornando protagonista e líder de sua própria banda. A forma como sua música sem guitarra, algo incomum no rock, acabou atraindo a atenção principalmente de público e artistas ligados ao gênero. Essa combinação de baixo grave, saxofone e bateria se mostrou tão surpreendente que em determinado momento o Morphine era “a banda”, requisitados inclusive para trilha sonora de filmes de Hollywood.
O filme ainda aborda o sobrenome, que muitos jornalistas não acreditavam ser verdadeiro, já que é associado ao personagem dos quadrinhos; sua passagem pelo Peru e Brasil, quando saiu da casa dos pais; o show no Brasil com a plateia pedindo a canção “Cure For Pain”, prontamente atendida por Mark; e o período em que trabalhou como pescador profissional.
Um dos momentos mais curiosos é o relato de um dos coordenadores do festival em Palestrina, que apresenta um Mark totalmente diferente daquele sujeito reservado: “Ele queria saber como as pessoas daqui viviam. E ele começou a contar como era a vida dele. Falou tudo sobre a vida dele. Que trabalhou no Alasca como pescador…Tudo isso. No fim do dia, sabíamos quase tudo sobre ele”. Fica claro também o quanto a morte dos irmãos mais novos de Mark, com uma curta diferença de tempo, marcou e moldou bastante seu comportamento, refletindo também em muitas de suas letras.
Mark era um amante da música que perseguiu seu sonho e conseguiu torna-lo realidade sem abrir mão de suas convicções. Até sua morte foi fazendo aquilo que mais gosta e “Cure for Pain – The Mark Sandman Story” demonstra isso. Os cinco discos oficias do Morphine (“Good”, “Cure For Pain”, “Yes”, “Like Swimming” e “The Night“) mais uma coletãnea de b-sides e um disco ao vivo (“Bootleg Detroit“) foram lançados no Brasil pela gravadora Trama no começo dos anos 2000. Este documentário permanece inédito nas plataformas locais (mas pode ser assistido abaixo).
– Luciano Ferreira é editor e redator na empresa Urge :: A Arte nos conforta e colabora com o Scream & Yell.
O nome da banda anterior era “Treat Her Right”.