entrevista por Bruno Lisboa
A Stage Dive Films é uma produtora de conteúdo brasileira e tem em seu currículo a produção de programas TV diversos, mas com um olhar especial voltado a cultura do skate sendo responsável por programas como “Manual do Skate com Christian Hosoi”, “4XSK8” e “Califorfun”, exibidos pelo Canal Off.
Sua produção mais recente é um documentário sobre o Festival de Música e Cervejas Artesanais “Punk in Drublic”, disponível na Punk Rock Tv. O evento é idealizado pelo front man do NOFX, Fat Mike, e o promotor de eventos / entusiasta de cervejas artesanais, Cameron Collins. Nos últimos anos, o festival reuniu alguns dos principais nomes da cena punk / hardcore, nome como NOFX, Bad Religion, Pennywise, Rancid, The Offspring, Descendents, Less Than Jake, The Interrupters, Sick of it All, Mighty Mighty Bosstoness e Lagwagon, entre outros.
O longa, dirigido por Alfredo M.R. Vicente, é uma parceria com a Punk Rock TV (novo canal de streaming voltado à cultura punk) e conta a história desde a primeira tour do festival, acompanhando de perto os seus três primeiros anos. Com imagens de backstage, performances ao vivo e entrevistas exclusivas, o filme funciona como uma homenagem a cultura dos festivais e ao senso de comunidade inerente.
“Punk in Drublic” também retrata as consequências da questionáveis piadas de Eric Melvin e Fat Mike, ambos do NOFX, em outro evento (o Festival Punk Rock Bowling, de 2018, na cidade de Las Vegas), incidente que tirou a banda de circulação por um ano nos Estados Unidos – um atirador havia assassinado 60 pessoas e ferido cerca de 400 num festival de country na cidade, e Eric e Melvin falaram, entre outras coisas, no festival: “pelo menos eram fãs de country, não de punk rock” (a banda se retratou posteriormente).
Nesta entrevista, Alfredo Vicente fala sobre a parceria entre a Stage Dive com os produtores do festival, semelhanças e diferenças culturais entre festivais norte-americanos e nacionais, a cena punk na atualidade, a cultura do cancelamento, o mercado audiovisual na pandemia, a entrada do skate (como esporte) nas Olímpiadas, a ascensão das plataformas de streaming, planos futuros e muito mais.
“Punk in Drublic” é uma produção da Stage Dive Filmes junto à Punk Rock TV. Como se deu o processo de produção do longa e esta ponte aérea entre duas produtoras brasileiras e os organizadores do festival?
Quando eles anunciaram o primeiro show do festival, pensei que seria legal poder mostrar os bastidores e tudo o que se passa num evento como este. Sempre vivi esse mundo dos festivais e após ter a ideia, entrei em contato com meu amigo Cesar Carpanez, da Highlight Sounds, que faz o merchandise oficial do NOFX no Brasil e ele me apresentou primeiro ao manager do NOFX, que na época era o Steve Garret, eles gostaram da possibilidade e partimos daí. Tenho a Stage Dive Films desde maio de 2012 e, desde então, tenho prestado serviços para a Globosat, fazendo programas para os canais Multishow e OFF. Viajo muito produzindo conteúdo e a ideia da Punk Rock Tv aconteceu naturalmente, para ser um canal onde posso utilizar de maneira independente, exibir esses conteúdos sem depender da aprovação de terceiros.
Um dos pontos de destaque do filme é um registro fidedigno e íntimo da cultura dos festivais e o senso inerente de comunidade num festival norte-americano. Nesse sentido, quais são as semelhanças e/ou diferenças culturais vocês observam entre os festivais brasileiros e os de lá?
Vejo a comunidade do punk rock muito parecida ao redor do mundo. As principais bandas são as mesmas em qualquer lugar. Mas, em geral, o público desses festivais é composto por pessoas educadas e pacíficas, que gostam de se divertir, num ambiente sem preconceitos. A diferença que percebo quando se trata de festivais no Brasil, infelizmente, é a organização. Na maioria dos festivais norte-americanos e europeus, eles estão preocupados com a experiência como um todo. É fácil consumir bebidas, comidas e até ir ao banheiro. No Brasil, claro que temos exceções, mas em muitos casos é um pesadelo comprar uma cerveja ou conseguir ir ao banheiro. Acho que precisamos avançar nesse sentido.
Outro ponto de sustentação do longa é que ele funciona como uma justa homenagem ao movimento punk de ontem e de hoje. Apesar de muitos considerarem o movimento morto, o festival “Punk in Drublic” é, a meu ver, uma clara amostra que ele segue vivo e relevante. Como vocês veem o cenário atual, tanto nacionalmente quanto no mercado internacional?
Acho que o punk nunca morreu e nunca morrerá. Sempre tiveram pessoas que não deixaram esse sentimento morrer, mesmo quando parecia estar morto. O punk rock é um movimento DIY (Do It Yourself / Faça você mesmo) e sempre que tiver uma banda independente fazendo shows para seus próprios amigos, a cena estará ali. Nunca foi sobre quantidade, mas sim sobre atitude. Infelizmente, as principais bandas estão envelhecendo e não sabemos até quando eles vão continuar tocando, espero que por muito tempo ainda, mas bandas como The Interrupters, Get Dead, Last Gang e muitas outras estão aí para continuar a cena.
Apesar do filme centrar as atenções nas apresentações ocorridas no festival no decorrer dos anos e trazer à tona depoimentos dos integrantes das bandas participantes, o documentário aborda também um dos momentos mais conturbados da carreira do NOFX, após as questionáveis falas ocorridas no Punk Rock Bowling, em Las Vegas, que resultaram na interrupção da turnê da banda em seu próprio país durante um ano. Como foi registrar esse momento? E ainda: qual a opinião de vocês quanto a cultura do cancelamento, tão presente na sociedade atual?
Comecei esse projeto com a intenção de mostrar a parte boa da cena, as bandas tocando, as pessoas se divertindo, os bastidores e etc… Mas o destino reservou esse capítulo da história do NOFX e do festival. Foi um momento histórico da banda e poder acompanhar de perto e ver tudo o que se passa numa situação dessas foi uma experiência única. Não que eu tenha gostado, pois foi uma situação delicada, mas a vida está aí para nos ensinar com os erros e tentar tirar o melhor de cada lição. Acho complicado julgar as pessoas que você não conhece pessoalmente ou não está a par de toda a situação. É fácil apontar os erros dos outros, através das mídias sociais. Já recebi críticas sobre programas ou conteúdos onde as pessoas nem imaginam como é difícil ir a campo: produzir, dirigir, filmar, editar, finalizar e vender. Nem sempre, tudo sai como o planejado e existem muitas dificuldades que uma pessoa que está em casa, sentado no sofá, com o dedo ágil para criticar, nunca vai saber.
O filme estreou mundialmente através de uma plataforma de streaming própria, a punkrocktv.com. Como vocês veem esse mercado do streaming atual? Acredita que ele veio para substituir as telas de cinema ou que existe espaço para ambos os formatos?
O mercado de streaming está em crescimento. Grandes marcas estão com seus canais próprios e agrupando seus conteúdos para o seu consumidor, cabe a cada um escolher os que mais lhe agrada. Acho que tem espaço para todos os formatos, gosto de tecnologias antigas como câmeras 35mm, Polaroids, vinil, CD, DVD, VHS, revistas e cada uma delas te dá uma experiência diferente e única. O cinema é uma experiência única e acho que sempre terá seu público, cabe à cada mídia se adequar ao tamanho do seu consumidor.
Mudando de assunto, não é de hoje que a cultura do skate é registrada através de produções audiovisuais diversas, mas acredito que elas sejam, infelizmente, consumidas por um público restrito e especializado. Porém, também acredito que com a Olímpiada de Tóquio e a entrada do skate como esporte olímpico, pode ser um divisor de águas nesse sentido quanto a exposição e visibilidade do esporte. Como você vê o cenário atual? De que maneira esta nova realidade e a conquista da Rayssa Leal podem contribuir para um novo desenho para o mercado?
Eu vejo o skate como um esporte diferente dos demais. Skate é um estilo de vida e independente das Olimpíadas acho que vai continuar a ter o seu público mais core. Alguns dos melhores skatistas do mundo estão por aí curtindo, explorando novos picos, vivendo a essência do skateboard sem ligar para as Olimpíadas. Claro que com uma exposição tão grande como essa e a possibilidade de atingir novos públicos, a tendência é crescer o número de praticantes. Tomara que as grandes marcas invistam em estrutura como novas pistas públicas, com apoio tanto para quem quer começar e quanto para quem já vive disso a muito tempo.
A pandemia impactou diretamente diversos setores da sociedade e com a área cultural não foi diferente. Quais foram os principais impactos e desafios relacionados ao audiovisual?
A pandemia está nos ensinando muitas coisas, claro que é uma situação extrema que nossa geração nunca viveu e é muito triste ver tantas vidas perdidas e famílias destruídas. Mas não podemos negar que em alguns aspectos da sociedade fomos forçados a avançar mais rapidamente, como saúde, higiene, trabalho remoto e acho que o consumo de áudio visual também. Nunca ficamos tanto tempo em casa, consumindo conteúdo (filmes, séries, música e etc…) Claro que o mercado foi muito afetado pela impossibilidade der ir a campo, viajar, captar e produzir, mas as ideias estão por aí e vão ter sempre pessoas tendo boas ideias para executar em qualquer tipo de situação. Nunca tivemos tantos canais de streaming ou tv, sedentos por conteúdo de qualidade.
Por fim, apesar das dificuldades do período, quais são os planos futuros da Stage Dive Films e da Punk Rock TV?
Profissionalmente, não posso reclamar do período de quarentena, tenho viajado pelo mundo constantemente desde 2009, gravando festivais, shows, campeonatos de skate, surfe e ensaios fotográficos. E esse período que estive em casa, editando e sem fazer nenhuma viagem, acabou sendo muito produtivo. De março de 2020 até junho de 2021 editei 11 episódios de um dos programas que faço para o Canal Off, o Manual do Skate, com o Christian Hosoi, mais 9 episódios de um outro programa de skate que chama 4XSK8 (com o Pedro Barros, Murilo Peres, Felipe Foguinho e Vi Kakinho) e ainda toda a edição e finalização do documentário “Punk in Dubric”. Foi um ano de muitas horas por dia atrás do computador. Quanto à Punk Rock Tv, tenho um arquivo pessoal com mais de 350 shows gravados, muitas entrevistas e a Punk Rock Tv será o canal para eu publicar todo esse conteúdo. Agora estou trabalhando no meu próximo documentário, o “Band Religion”, que é um projeto muito pessoal e que venho gravando desde 2009. Temos um trabalho enorme pela frente, a nossa equipe é enxuta, por enquanto somos em três pessoas – eu, o Rafael Campos e o Eugênio Kapritchkoff –, mas estamos focados em desenvolver um conteúdo de qualidade para as pessoas que, como nós, gostam de punk rock, skateboard e surfe.
– Bruno Lisboa é redator/colunista do O Poder do Resumão. Escreve no Scream & Yell desde 2014.