por João Paulo Barreto
No texto publicado em abril de 2018 no Jornal A Tarde sobre o surpreendente “Um Lugar Silencioso”, o que mais foi pontuado dentro das qualidades na direção e nos aspectos técnicos do filme de estreia do ator/cineasta John Krasinski, foi sua capacidade de construir uma ambientação de suspense e tensão através de uma história simples cuja base narrativa está entregue já em seu título. Sem a necessidade de manipular sua audiência através dos sustos fáceis oriundos de jump scare (inserção fugaz de sons altos em paralelo a alguma ação inesperada), era exatamente através do silêncio que a tensão era criada, sendo que a audiência percebia através de poucos diálogos (nenhum deles expositivo, diga-se de passagem), os laços de cumplicidade que aquela família construiu lidando com o risco iminente de morte em um futuro pós apocalíptico.
Com final em aberto e um sucesso estrondoso de bilheteria (custo de US$ 21 milhões e bilheteria na casa dos US$ 340 milhões), era inevitável que uma continuação surgisse para a produção lançada há três anos. “Parte 2” chega aos cinemas brasileiros com um ano de atraso, após ter tido sua estreia adiada em decorrência do fechamento das salas em 2020. E é com surpresa que se percebe um explorar dos mesmos eficientes artifícios narrativos citados acima, mas com uma sutil expansão para um tom mais focado nos tais sustos.
Porém, não se trata de uma perda do foco em sua ideia original ou um afrouxamento das rédeas que mantinham seu conceito de filme tão bem amarrado à ideia enxuta de uma obra focada na tensão oriunda do silêncio proposto em seu nome. Sim, aqui surgem momentos nos quais cadáveres putrefatos entram em quadro acompanhados por um rompante sonoro que nos fazem pular da cadeira, mas o que mais chama atenção na expansão proposta pelo roteirista e diretor Krasinski é o modo como aqueles elementos são inseridos gradativamente em seu filme, sem deixá-lo perder a agilidade dos simples artifícios narrativos que tanto se sobressaem de forma positiva na primeira parte.
Iniciando com um flashback que nos mostra o dia 1 da chegada das criaturas assassinas de aguçada audição à Terra (em uma sequência extenuante que já nos coloca dentro do ritmo do filme), mas cortando para os acontecimentos imediatos ao tenso final do longa de 2018, “Um Lugar Silencioso: Parte 2” equilibra de modo perceptível os pontos que se destacaram em sua premissa original. Dentre estes, a ideia de usar o som diegético das cenas (aqueles internos da obra e oriundos, mesmo que artificialmente, das sequências de ação) em paralelo à sensação trazida pela surdez de uma das personagens principais.
Nesse equilíbrio, a montagem de Michael Shawver, montador de filmes como “Creed” e “Pantera Negra” (que substituiu, aqui, Christopher Tellefsen justamente pela necessidade de sequências de ação mais ágeis que as do primeiro – vide a do prólogo, por exemplo), junto ao desenho de som da produção, dá ao espectador exatamente essa sensação de mergulho dentro daquele universo através de dois primas distintos: aquele advindo da destruição assustadora pelo seu som ensurdecedor, bem como pelo prisma exclusivamente visual que o mundo de silêncio da adolescente Regan Abbott (Millicent Simmonds, também deficiente auditiva, friso) lhe traz. E ambos, para nós, têm impactos de tensão que se equiparam entre si. Ou seja, trata-se de uma obra que consegue explorar suas possibilidades técnicas e narrativas em uníssono (sem trocadilhos), dando à audiência dois pontos de tensão naquela fascinante ambientação. E em certo momento, um simples toque entre dois personagens serve como a passagem sonora de um prisma para o outro. Perceber isso, de fato, empolga.
Falando da história propriamente dita, “Um Lugar Silencioso: Parte 2” tem sua linha narrativa semelhante à do longa original, colocando seus personagens em uma necessidade constante de movimento, seja em busca de medicamentos ou de segurança para aquele ambiente no qual vivem. Tais andanças e fugas frenéticas, inclusive, geram rimas entre os dois filmes que o espectador atento regozija-se em ver, como as de gritos de dor por razões semelhantes entre mãe (Emily Blunt) e filho (o jovem Noah Jupe, entregando uma atuação excelente para alguém tão jovem, mas bastante experiente), assim como na cumplicidade daquela família que aprendeu a se comunicar com olhares e sinais. Porém, ambos trabalhos, ao final, deixam para seu público uma sensação de perceber como aquelas andanças das pessoas que habitam tal futuro é o que vai gerar os encontros com as criaturas sensíveis à microfonia advinda do aparelho auditivo da jovem Regan (e como esse artifício vai ser explorado novamente).
Assim, apesar de ainda servir de modo exato como meio de resolução diante do conflito humanos vs. monstros mortais, percebe-se um certo desgaste do artifício narrativo. Mas ainda funciona de modo extasiante ver aqueles seres digitais se contorcendo de dor e exibindo suas entranhas faciais naquele design que remete a flores mortais abrindo suas pétalas repletas de presas afiadas. Porém, ver que o filme se encerra com um gancho preciso para uma terceira parte, e sabendo como trilogias parecem não ser mais suficientes para sanar o aspecto “criativo” (leia-se financeiro) de sagas cinematográficas, fica a dúvida se um novo longa será definitivo para tornar “Um Lugar Silencioso” uma tríade perfeita em sua proposta de explorar aquele universo ou se será estendido por tediosas e desnecessárias continuações.
Torcemos em silêncio para que não.
Texto publicado originalmente no jornal A Tarde, de Salvador (BA)
– João Paulo Barreto é jornalista, crítico de cinema e curador do Festival Panorama Internacional Coisa de Cinema. Membro da Abraccine, colabora para o Jornal A Tarde e assina o blog Película Virtual.