entrevista por Homero Pivotto Jr.
Vem da Noruega, terra do mais tradicional black metal, um exemplo de inovação no grindcore. É a banda Beaten to Death, que expande os limites do rótulo agregando não apenas referências de outras sonoridades brutais, como death metal e gore, mas também elementos melódicos que criam uma dicotomia sonora extremamente interessante.
Os indefectíveis blast beats e vocais gritados em alternância com guturais estão lá. Mas essas características dividem espaço com um senso de melodia expressivo, principalmente nas linhas de guitarra, que, em certos momentos, remetem ao post-rock ou ao indie, e em outros lembram até recursos do som pesado moderno — os caras tem uma faixa chamada “Grind Korn”. Aliás, citações ao universo do metal, e até da cultura pop, nos títulos mostram ainda a faceta bem humorada do grupo. “Extremely Run To The Hills”, “Boy George Michael Bolton”, “Don’t You Dare To Call Us Heavy Metal” e “True Norwegian Internet Metal Warrior” são exemplos.
Com composições dinâmicas e carregadas de variações, o grupo de Oslo (capital da nação escandinava) junta referências de Napalm Death, Brutal Truth, Nasum e Discordance Axis para criar, com assinatura própria, barulho agradável.
Na ativa desde 2010, a B2D já lançou cinco álbuns oficiais, além de singles e EPs. O disco de estúdio mais recente é “Laat maar, ik verhuis naar het bos”, que ganhou formato físico em 2020. Para as plataformas digitais, no entanto, o mesmo trabalho foi dividido em quatro EPs, cada um nomeado em referência a alguma floresta do globo.
“O objetivo foi só dificultar as coisas para as pessoas. Por que fazer com que fosse fácil? Além disso, fazia sentido para nós tentarmos prolongar no meio on-line o impacto do ciclo que vem com o álbum. Para isso, dividimos o material em vários lançamentos. A capacidade de atenção das pessoas é muito curta hoje em dia”, explica o vocalista Anti-Climax.
Para entender a proposta do sexteto — cinco integrantes oficiais mais o iluminador, considerado parte do grupo — trocamos uma ideia com o frontman. Entre os temas abordados estão ecletismo, influências, cena norueguesa, vontade de criar sons fora da caixa, aversão a biografias e humor.
“Somos caras cansados, deprimidos e azedos em nossas vidas diárias, e é isso que nos inspira a fazer música intensa. O humor nos ajuda a suportar o estado triste e deprimente do mundo”, revela Anti-Climax.
Esta entrevista foi originalmente publicada na edição de maio de 2021 da Revista Raro Zine, que tem somente exemplares impressos.
Bandas grind que exploram possiblidades para além dos limites do gênero, como vocês, soam interessantes. Fazer música extrema, que tem no grind seu núcleo central, mas que agrega outras referências, era a ideia da Beaten to Death desde o começo?
Sim, com certeza. Nunca quisemos ser grinders obstinados, ”verdadeiros”. Isso sempre foi pensado para ser nossa plataforma de lançamento.
E por que a opção de adotar uma linha mais melódica? Algo que faz com algumas pessoas os classifiquem como “grind melódico”?
Porque curtimos melodias. Precisamos de alguma doçura para suportar os intermináveis blast beats e gritaria.
Ainda sobre o lado eclético da B2D: a banda incorpora elementos do já mencionado grind, mas também de outros subgêneros extremos, como death, hardcore e gore. Além disso, há elementos de rock alternativo, deixando os sons bem dinâmicos e cativantes. Essa mistura não é algo tão frequente nesse tipo de som. Por que acredita haver certa resistência em admitir gostar ou mesmo usar essas referências entre quem faz música extrema, principalmente no metal. O lance do “true”.
Acredito que muitas pessoas amam a pureza de se apegar a alguns preceitos e fazer música extrema dentro de um certo conjunto de regras. Posso até curtir isso como ouvinte, mas também preciso de algo um pouco mais dinâmico às vezes. E, como músico, não acho que vou durar muito tocando exatamente a mesma coisa. Eu ficaria entediado. Mas tenho nada mais do que respeito por quem procura permanecer fiel às convenções e ser dedicado a isso. Vou comprar os discos desse pessoal e ouvir de cabo a rabo ao lado de algum suave e relaxante jazz ou algo do tipo.
Poderia citar bandas, do espectro extremo ao mais acessível, que são influências para a B2D?
Ouvimos diferentes tipos de músicas. Nossos gostos para som são tão diferentes que até me espanta conseguirmos concordar em algo. Todos curtimos Death, Obituary, Napalm Death, Burnt By The Sun e Sheryl Crow. Isso nunca vai mudar. Para mim, meu estilo vocal sempre foi pesadamente influenciado pelo Kevin Sharp do Brutal Truth e pelo Jon Chang do Discordance Axis, mas sempre pego novas referências em outros lugares regularmente.
Considerando essa estética costurada com sonoridades variadas, como é o processo de composição da B2D?
Nunca ficamos presos em uma rotina específica de composição. Às vezes, alguém aparece com um som quase completo, mas na maior parte das situações tudo começa com riffs que são mostrados em ensaios e a gente vê onde isso vai parar. O último álbum foi o nosso esforço mais colaborativo até o momento. Todos contribuíram com riffs e arranjos pela primeira vez, acho.
O fato de serem da Noruega, berço de grandes nomes da música extrema, afeta vocês de alguma maneira, como músicos e como pessoas que escolheram trilhar o caminho artístico?
Isso não nos afeta muito, na real. Embora nosso baterista (Anti-Christian) continue tocando black metal, e eu tenha um histórico nessa cena na minha adolescência. Mas realmente não nos sentimos conectados com o pessoal do black metal, como banda. Os poucos dessa galera que nos ouviram devem ter balançado a cabeça e pensado que somos uma merda.
Outra questão que não é tão comum no universo da música extrema e que diferencia a B2D de seus pares é o senso de humor. O mundo já seria ranzinza o suficiente para reproduzir isso na música?
Somos caras cansados, deprimidos e azedos em nossas vidas diárias, e é isso que nos inspira a fazer música intensa. O humor nos ajuda a suportar o estado triste e deprimente do mundo. Dito isso, é preciso pontuar que somos bastante sérios quanto a nossa música ao mesmo tempo em que rimos dela.
O álbum mais recente “Laat Maar, ik Verhuis Naar Het Bos” foi lançado em formato físico em setembro de 2020. Mas nas plataformas digitais o registro foi fatiado em quatro diferentes EPs. Por quê?
O objetivo foi só dificultar as coisas para as pessoas. Por que fazer com que fosse fácil? Além disso, fazia sentido para nós tentarmos prolongar no meio on-line o impacto do ciclo que vem com álbum. Para isso, dividimos o material em vários lançamentos. A capacidade de atenção das pessoas é muito curta hoje em dia. A molecada parece correr atrás de músicas novas e instantaneamente esquecê-las em seguida.
E qual razão para nomear esses quatro EPs com nomes de florestas ao redor do mundo, já que as letras não versam muito sobre meio ambiente?
O título do disco é “Laat maar, ik verhuis naar het bos” e pode ser traduzido como “Deixa pra lá, estou me mudando para a floresta”. Ao particionar o disco em quatro, pensamos que deveríamos colocar em cada um deles títulos referentes a florestas das quais gostamos. Tem uma faixa do álbum que foca na questão ambiental, é “Så gjør vi så når solen slikker vårt kjøtt” (que, segundo o google translator, quer dizer: “Então fazemos quando o sol lambe nossa carne”).
Vocês conseguem viver da música ou têm empregos regulares? No caso da segunda opção, como fazem para dividir o tempo entre banda, trampo, família…?
Não fazemos um tostão furado com música. O Anti-Christian (baterista) é o mais ativo entre nós, em termos de turnês, já que ele toca em outras bandas. O Mika (baixista) recebe como músico de teatro, às vezes. Mas nada mais que isso. Somos todos dependentes de outras fontes de renda. Com a Beaten to Death não é tão complicado de dividir o tempo com família e trabalho, pois não tocamos muito ao vivo.
Vocês estão todos na casa dos 40 anos, certo? O que ainda faz valer a pena estar em uma banda barulhenta e rápida, fazer shows frenéticos, ficar empilhado numa van para viajar e outras merdas do tipo?
Somos sim caras de meia-idade. Às vezes, de fato, temos de nos perguntar se vale a pena, mas estamos aqui ainda moendo depois de tantos anos. Então, acho que tem algo que compensa o esforço. Talvez isso esteja relacionado ao metal, o lance de compromisso para a vida toda. Hoje em dia, no entanto, gastamos mais dinheiro em boas acomodações e comida de qualidade quando estamos fora tocando.
E vocês não têm receio de que tocar feito loucos, bater cabeça e gritar até os pulmões quase saírem para fora pode cobrar um preço na saúde física?
Sim. E às vezes isso realmente acontece. Mas aquecer apropriadamente, pular as últimas horas das festas pós-shows, tomar muita água e ter uma boa noite de sono faz maravilhas.
Acha que o futuro da música criativa, aquela que instiga e não se prende em padrões tradicionais — seja pop ou extrema — está no underground?
Tenho bastante dificuldade em prever o que vai acontecer com a música agora. As cenas estão fragmentadas, e todos estão se comunicando em inúmeras diferentes plataformas de redes sociais. Estou prestes a pular fora desse trem veloz em movimento. A garotada vai ter de descobrir o que fazer na sequência. Eu vou sentar em casa e ouvir minhas fitas demo de necro death metal e deixar o mundo voar.
Os caras do Beaten to Death têm outras bandas? Quais?
Sim, a maioria de nós está envolvido com outros grupos também.
Nossos guitarristas Tommy e Martin têm um projeto transatlântico chamado Corrosion, com uns amigos da Flórida. Martin ainda toca no trio instrumental controlador de cérebros Grant The Sun.
O raivoso filho da puta das quatro cordas Mika é um membro vitalício da lenda thrash do norte Defender, embora eles não estejam mais ativos.
Joffe, nosso iluminador que consideramos como parte da banda, toca baixo no Syndrom.
Eu estou lançando material com a She Said Destroy atualmente.
Nosso batera Anti-Christian está sempre com várias bandas, é difícil até lembrar. Por ora, ele toca com Gothminister, Nattverd, Doedsvangr e Razor Bats.
Para finalizar: por que vocês pensam que biografias de banda são entediantes e que ninguém se interessa, como diz na sua própria bio do Bandcamp?
Posso entender como ler a biografia do Led Zeppelin, por exemplo, pode ser um entretenimento bacana para fãs de música, já que eles são tipo uma lenda. Mas ler nossa bio? Convenhamos, somos pais cansados de 40 e tantos anos tocando música barulhenta em nosso tempo livre. Você muito provavelmente pode levar uma vida mais interessante que a nossa. Escreva sua própria biografia e envie pra gente. Estou sempre em busca de algo para ler enquanto esvazio minhas entranhas.
– Homero Pivotto Jr. é jornalista, vocalista da Diokane e responsável pelo videocast O Ben Para Todo Mal.
Sensacional. Não curto muito grind, mas gostei de conhecer a banda e a entrevista foi ótima. Ri muito. Boas perguntas e respostas engraçadas, mas aparentemente sinceras. Me identifiquei com o estado de espírito dos caras.