Três HQs: “Hellblazer”, “Oleg” e “Polina”

resenhas por Leonardo Tissot

“John Constantine, Hellblazer vol. 2 — Você Mesmo, Mas Melhor”, de Simon Spurrier, Aaron Campbell, Matías Bergara e Jordie Bellaire (Panini Comics)
Em abril, a Panini Comics concluiu a mais recente série do mago John Constantine (DC Black Label) no Brasil, com a publicação de seis histórias inéditas. O primeiro volume, lançado em dezembro de 2020 no país, havia apresentado um Constantine — personagem criado nos anos 1980 e que teve seu auge nos quadrinhos na década seguinte — inserido no mundo de hoje. Ou seja, John teve que lidar com uma sociedade bastante diferente em relação à qual estava acostumado, em que seu comportamento, piadas e “práticas” não eram mais tão bem aceitos. Escritas por Simon Spurrier e com artes belíssimas de Aaron Campbell, Matías Bergara e Jordie Bellaire — e ainda capas magníficas de John Paul Leon, falecido em maio deste ano —, as novas histórias foram sucesso de público e crítica lá fora, mas os boatos de que seriam tão boas ou melhores que as aventuras clássicas do anti-herói são exagerados. Não se pode negar que a qualidade melhorou em relação à participação de JC na fase “DC Renascimento” da editora americana, com o resgate de sua personalidade e contexto originais. Mas a era de ouro escrita por Jamie Delano e Garth Ennis — além da gênese do personagem nas páginas do Monstro do Pântano de Alan Moore — permanece como o cânone intocável de Hellblazer. O grande destaque fica para as duas últimas histórias, “Ilha Coroada – Partes 1 e 2”, nas quais John se vê em uma situação que parece irreversível (assim como em “Hábitos Perigosos”, arco mais famoso do personagem). Spurrier é habilidoso ao colocar Constantine diante de mais uma provação e fazê-lo superar as adversidades com a maestria que apenas sua malandragem e conhecimento de magia seriam capazes de permitir. No fim, ainda surge uma descoberta capaz de abalar a vida de JC de forma definitiva. Mas como a DC interrompeu a série, ainda não se sabe que rumos a história irá tomar. Imperdoável. A tradução é de Érico Assis.

“Oleg”, de Frederik Peeters (Nemo)
O que importa mais: a obra ou o artista? A pergunta é corriqueira, mas talvez nem faça sentido, especialmente quando as duas coisas se misturam tão profundamente quanto em “Oleg”, quadrinho do suíço Frederik Peeters lançado em 2020 lá fora e publicado no começo de 2021 no Brasil pela editora Nemo. A história é uma espécie de sequência de “Pílulas Azuis”, premiada HQ de Peeters lançada há 20 anos. Embora aqui ele prefira adotar o alter ego “Oleg”, as relações familiares e a vida pessoal do artista são um forte componente da obra. Em crise criativa, Frederik/Oleg reflete a respeito de seu trabalho e de seu papel como marido, pai e cidadão. Entre desconfortáveis palestras para estudantes desinteressados, visitas ao oftalmologista, conversas familiares íntimas e preocupações com a saúde, Oleg tenta criar. Mesmo com décadas de experiência e reconhecimento, ele se vê atormentado pela falta de ideias, por não saber que rumo tomar ou pela dificuldade em ser pessoal demais em seu trabalho. Em um diálogo com a esposa Alix, fica claro seu conflito, ainda que a conversa traga pitadas de humor.

— Foi realmente assim que você viveu meu AVC?
— Sim, é estranho ler, né? Está tudo condensado.
— Eu não tinha me tocado do quanto você… Enfim, não deve ter sido fácil. Lamento.
— Que é isso, minha flor… Mas… E a HQ, o jeito de contar, tudo isso, o que você acha?
— Não sei. É um pouco constrangedor… E comovente também. Mas sou suspeita… Não sei… Isso vai ser lido por muitas pessoas, então?
— Bom, se virar um livro, suponho que sim… É uma consequência dificilmente evitável…
— E todo mundo vai ver sua vida… Seus pensamentos… Vai imprimir milhares de exemplares dizendo que ama sua esposa? Vai ser difícil encontrar uma amante depois disso…
— Pois eu acho que vai ser mais fácil…

“Oleg” dialoga com outras obras como “8 ½” (Federico Fellini), “Memórias” (Woody Allen) e “A Solidão de um Quadrinho Sem Fim” (Adrian Tomine), mas é absolutamente original em sua forma de abordar as crises de um artista quarentão e uma leitura recomendadíssima — embora a premissa possa ser de revirar os olhos numa primeira apresentação: mais uma dessas? A própria esposa, na sequência do diálogo anterior, tira uma onda do quadrinista: “no início dos anos 2000, as HQs autobiográficas estavam na moda, e você detestava aquilo tudo, dizia que era intimidade pra todo lado e que nunca entraria nessa onda. É um pouco como o camembert que chama o gruyére de fedido…” “Oleg” tem tradução de Fernando Scheibe.

“Polina”, de Bastien Vivés (Nemo)
Mais um lançamento da Nemo em 2021, “Polina” é uma premiada HQ francesa publicada originalmente há 10 anos e vencedora de prêmios como o Prix des libraires de bande dessinée (Canal BD) e o Prêmio Haxtur de Melhor História Longa no Festival de Quadrinhos das Astúrias (Espanha), em 2012. No quadrinho, conhecemos a trajetória de Polina Ulinov, uma jovem dançarina que começa no clássico e se descobre criativamente nas expressões contemporâneas, até se tornar uma coreógrafa reconhecida mundialmente. Se, no início, a história parece descambar para mais um conto de professor-de-dança-ultra-exigente-e-malvado, “Polina” surpreende no avançar das páginas. A relação entre a jovem e o primeiro professor Nikita Bojinski é mais complexa do que o primeiro ato dá a entender, trazendo camadas emocionais e narrativas bem exploradas por Vivés, que tinha apenas 27 anos de idade quando lançou a obra. Entre amizades e namoros desfeitos, complicadas relações com instrutores e a insegurança quanto às dimensões de seu talento, a personagem caminha rumo a direções nem sempre bem definidas e quase nunca planejadas, mas que acabam sendo controladas com a maturidade e os aprendizados que vive na pele. O livro foi adaptado para o cinema em 2016 e chega pela primeira vez ao Brasil com tradução de Fernando Scheibe.

– Leonardo Tissot (www.leonardotissot.com) é jornalista e produtor de conteúdo

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