entrevista por Bruno Lisboa
Gabriel Bruce é um músico mineiro que ganhou notoriedade ao assumir as baquetas de bandas como Graveola e Zimun. Seu vasto currículo inclui ainda participações especiais em diversos trabalhos (com Juarez Moreira, Gastão Villeroy, Cliff Korman, Daniel Santiago, Wilson Lopes, Cleber Alves, Rafael Martini, Breno Mendonça, Felipe Vilas Boas entre outros) que o ajudaram formatar o seu fazer musical. Mas após anos de dedicação era chegada a hora de apostar sua verve artística num trabalho solo. E o resultado disso está presente em “Afluir” (2020).
Lançado no fim do ano passado, no álbum Gabriel explora texturas sonoras diversas indo do jazz ao rap, passando pela escola da música mineira (o Clube da Esquina em especial) e ritmos brasileiros. Produzido por Frederico Heliodoro, ”Afluir” conta com as participações especiais do rapper Matéria Prima, da cantora Mariana Cavanellas e do saxofonista canadense Seamus Blake, entre outros, que contribuíram com um disco ousado na estética sonora e político liricamente.
Na entrevista abaixo, Gabriel fala sobre a pandemia e as motivações que levaram a lançar um disco durante o período, a diversidade sonora presente em “Afluir”, a seleção das participações especiais, a carga política presente nas letras, a arte sob o contexto reacionário e muito mais. Confira.
Esse período tem sido um ano de muitos desafios para todos, em especial para a classe artística que ficou impossibilitada de realizar apresentações. E para muitos esta é a principal fonte de renda. Nesse sentido como tem sido este período para você? E ainda: o que o motivou lançar um disco em plena pandemia?
Tem sido um grande desafio! Sou um desses muitos cuja principal fonte de renda vinha dos shows. Como baterista, acompanho muitos artistas de BH, além do Graveola, e no início foi extremamente difícil me adaptar a esse novo momento. Emocionalmente falando foi bem complexo, os shows faziam parte da minha rotina, um alimento espiritual e energético, aquela troca com o público. Nesse sentido ainda estou me adaptando, tenho meditado diariamente, feito exercícios regularmente, aprofundado a relação com os meus amigos. Voltei pra terapia, enfim, ainda buscando maneiras pra seguir do melhor jeito possível. Do ponto de vista econômico foi um baque! Mais ou menos 80% da minha renda vinha de apresentações ao vivo. Algo que fiz no início da pandemia foi trocar alguns equipamentos que estavam parados aqui em casa, por conta da pandemia, por equipamentos de gravação, então montei um home estúdio, e desde então venho fazendo diversas gravações e aulas online, também fiz alguns arranjos e lives. Sobre a motivação do lançamento, a principal foi a de tentar contribuir de alguma forma para esse momento tão triste em que vivemos. Esse disco fala de coisas importantes de serem ditas agora, ele tinha que ser lançado nesse momento. E do ponto de vista pessoal, foi muito importante pra mim, foi algo muito bom que aconteceu na minha vida num momento tão difícil, uma fonte de energia que me deu forças pra seguir.
Particularmente não gosto de rotulações sonoras, pois elas são reducionistas. Prova disso é que “Afluir” é colocado na caixinha do jazz, mas o disco vai além dialogando com diversos gêneros e isto faz com que a experiência da audição torne-se ainda mais rica. Então eu gostaria de saber como se deu o processo de criação do álbum e como se deu a seleção das participações especiais.
Pois é! “Afluir” é um disco muito diverso, tem muita influência da música mineira nas melodias e harmonias, junto do rap, de ritmos brasileiros, do jazz e da canção. Todos esses gêneros fizeram e fazem parte da minha trajetória, eu queria um disco que coubesse tudo isso. O disco foi produzido pelo amigo Frederico Heliodoro cuja participação foi além da produção, ele foi um parceiro na construção desse disco junto com o Matéria Prima, que é outro pilar desse disco, o porta voz. O processo teve início com o convite de Fred para produzir o meu disco pelo seu selo, “Interior”. Nessa época eu ativei o meu lado compositor, tentava compor todos os dias. Então, eu e o Fred começamos os encontros para fazer a pré produção do disco, às vezes eu levava algumas músicas quase prontas, outras vezes algumas partes e íamos desenvolvendo essas ideias juntos, e assim as músicas iam ganhando vida. Foi tudo muito rápido, acho que em dois meses finalizamos todas as prés. Em relação às letras, como o próprio Matéria diz, “O Bruce encomendou umas letras comigo”. Depois das músicas prontas eu falava pra ele de onde tinha vindo essa música, o que eu tinha o desejo de transmitir, e ele, com a sua escrita incrível, dava vida a todas aquelas ideias. Sobre as participações, quando cada música ficava pronta logo me vinha à cabeça cada uma dessas pessoas, que eu achava que tinham a ver com cada música específica, e tive a sorte que todas aceitaram o convite, artistas incríveis que elevaram e potencializaram muito o meu trabalho.
Liricamente o álbum reflete sobre o Brasil contemporâneo, numa ode à dor e à luta por dias melhores. Qual a importância de trazer à tona estas temáticas e qual o papel da arte neste contexto reacionário em que estamos?
Acho necessário, faz parte do meu papel como artista. Nesse caso, foi um processo terapêutico onde as palavras e os sons foram elementos centrais de ressignificação, transformação e, nesse caso específico, de expressão de toda aquela revolta e dor que eu sentia naquele momento, uma forma real e profunda de cura e busca de sentido. Sobre o papel da arte nesse contexto, eu diria que é um papel de protagonismo. Sempre me lembro de uma aula que fiz com o grande baterista Kiko Freitas que ele falava sobre o sentido da arte, disse que a palavra arte vinha da palavra em latim Agere, que significa agir, isso ficou marcado em mim, e acho que esse momento nos pede muita ação.
– Bruno Lisboa é redator/colunista do O Poder do Resumão. Escreve no Scream & Yell desde 2014. A foto que abre o texto é de Lucca Mezzacappa.