entrevista por Pedro Salgado, de Lisboa
Os Vertigem formaram-se em finais de 2017, quando Ana Lua Caiano (voz e composição) conheceu Inês Proença (piano e melódica), Artur Morais (contrabaixo) e Aliu Baió (bateria e percussão), no momento em que todos integravam a escola de música do Hot Clube de Portugal. Ao iniciarem a sua atividade, começaram a trabalhar nos temas de Ana Lua, mas recolheram as várias referências sonoras dos restantes membros. O objetivo principal da banda lisboeta era fazer shows e criar música original em português de caráter interventivo (inspirada em compositores como Zeca Afonso, entre outros), resgatando o espírito de improvisação do jazz, da sua formação, e introduzindo alguns elementos da world music.
Motivados pelas reações positivas do público, Os Vertigem aceleraram o processo de composição e ganharam mais confiança no seu trabalho. Entre outras atuações, o quarteto apresentou-se no Teatro do Bairro (Lisboa) e participou da edição de 2019 do Festival Aqui Ao Lado (Massamá), que contou com a participação de Noiserv, bem como no Festival Porto Femme (na cidade do Porto) no ano seguinte. Para Inês Proença, o desempenho é o aspecto mais importante para o grupo: “O que nos dá prazer nos concertos é tocar. É a parte menos constrangedora (risos)”, enquanto Aliu Baió salienta o reconhecimento gradual do público: “Inicialmente, as pessoas estranham a interpretação, mas depois de nos escutarem melhor vêm falar conosco e elogiam a nossa música”.
O primeiro single do conjunto, “Chamas”, editado em Janeiro de 2020, abordou a questão dos incêndios florestais que assolaram Portugal em Outubro de 2017, de forma interessante e, em simultâneo com o respectivo clipe, serviram como cartão de visita do agrupamento. Alguns meses depois, Os Vertigem venceram o concurso III Mostra de Bandas, organizado pela prefeitura do Montijo (uma cidade pertencente à Área Metropolitana de Lisboa) e, como prêmio, gravaram o seu EP de estreia “Cabeça Leve, Mundo Quadrado” (ouça no Bandcamp), composto por cinco canções, que foi lançado recentemente.
A principal marca do trabalho é a fusão de sonoridades portuguesas e jazzísticas com o pop e o indie, refletindo sobre a temática do amor, da tecnologia e da guerra. Globalmente, o disco requer atenção, mas surpreende positivamente pela habilidade dos caminhos seguidos e pelo prazer interpretativo que o quarteto coloca nas suas canções. Um dos temas do EP, “Hábitos Corcundas”, exibe o lado de diversão comum aos quatro músicos, mas também critica os reflexos da utilização exagerada da tecnologia na sociedade. “Quando apareceu a expressão ‘Hábitos Corcundas’ eu não sabia o que isso significava. Depois comecei a associar ao fato das pessoas olharem para baixo quando falam no celular e achei que era uma síntese engraçada. Nos shows, a assistência não reconhece o começo da canção, mas percebe do que se trata no refrão”, conta Ana Lua Caiano.
Relativamente ao processo criativo, Artur Morais realça a versatilidade do quarteto: “Podemos ensaiar durante uma ou duas semanas, mas se alguém faz algo diferente num show nós adaptamo-nos à situação”. O mesmo sistema que reconhece no estúdio: “O método é semelhante aos concertos, porque tocamos estas músicas há algum tempo e podem aparecer surpresas. Como foi o caso em que a Ana Lua apareceu na sala de ensaios com uma mala cheia de percussões e de instrumentos que ela coleciona e originou novas ideias”, conclui. De Lisboa para o Brasil, Os Vertigem conversaram com o Scream & Yell. Confira:
Porque escolheram o nome Os Vertigem para se apresentar?
A escolha foi um bocado complicada. Houve muitos ensaios em que debatemos o nome com que nos deveríamos apresentar e tentar perceber o que era melhor. Acabamos por escolher o nome Vertigem porque soava bem, mas ao mesmo tempo as músicas são sobre temas da sociedade e provocativas, como é o caso da faixa “Hábitos Corcundas” e este título cria essa impressão. Para além disso, também pretendíamos formar uma ideia nas pessoas de que podiam chegar a grandes alturas sem terem medo de cair.
O vosso primeiro single, “Chamas”, propôs uma reflexão sobre os incêndios florestais que ocorreram em Portugal em Outubro de 2017. A meu ver, o ambiente sonoro que vocês criaram acentuou o dramatismo do tema. Concordam?
Foi espontâneo, mas também consciente, depois de entendermos o que tinha acontecido. Ao longo dos ensaios tentamos criar e deduzir qual seria a melhor forma de retratar esse ambiente trágico e passar alguma esperança. Nesse sentido, desmontamos o tema e avaliamos qual seria o tom ideal. A melodia remete para algo dramático, mas nós fizemos essa desconstrução. Procuramos que as pessoas não interpretassem isso como uma brincadeira e demos um vislumbre de otimismo para que todos encarassem essa circunstância de modo diferente.
No EP evidencia-se uma tentativa de integrar sonoridades portuguesas com várias correntes musicais recorrendo, algumas vezes, ao experimentalismo. Adotaram este caminho de fusão sonora para elevar a vossa música e dar-lhe mais substância?
Sentimos que tudo decorreu de forma espontânea. Mesmo que seja apenas pelo desejo de experimentar. Os elementos que ensaiamos e acrescentamos no processo não foram necessariamente pensados. Na maior parte dos casos são coisas que surgem naturalmente. Por vezes, passamos um ensaio a tocar uma música e depois alguém faz um ritmo ou apresenta uma ideia nova e nós ouvimos e repetimos. Nunca tentamos chegar a um objetivo concreto e tudo é desenvolvido normalmente. Relativamente às músicas que tocávamos, fizemos algumas mudanças nos arranjos que incluímos no EP. Acabou por ser uma experiência diferente em função das pessoas que acompanhavam Os Vertigem. A nossa evolução foi da noite para o dia e tentamos mostrar o disco para nós próprios mas, principalmente, interessava-nos que o público escutasse o nosso trabalho.
Nas letras da banda existem diversas observações sobre a sociedade, mas há um caráter eminentemente português na sua sonoridade. Quando compõem baseiam-se apenas na experiência pessoal ou também recolhem influências de outros autores?
Os versos das nossas canções, normalmente, não são muito pessoais. Para Os Vertigem acaba por ser uma observação sobre outros assuntos. Há aspectos que nos marcaram a todos como é o caso da faixa “Chamas”. Mas existem outras situações, representadas no tema “A Culpa é do Botão”, em que a Ana Lua fala sobre as várias coisas que um clique num botão pode gerar: ligar a luz, pôr a máquina a lavar, lançar um míssil, etc. As reflexões não são especificamente individuais. Podem ser sobre uma obra literária ou baseadas em diversos autores. No momento em que escreveu essa letra, a Ana estava a ler um livro que falava sobre o fato de estarmos a substituir todos os movimentos e a carregar num botão. Normalmente, quando ela canta faz melodias espontaneamente e surgem ideias ou palavras que depois são escutadas, aproveitadas e desenvolvidas. Também existe o processo de encaixar a letra na sonoridade, bem como a parte instintiva e a parte pensada.
Em face das diversas limitações que a pandemia impõe aos artistas, como anteveem o futuro do vosso grupo?
Atualmente, temos poucas perspectivas, mas estamos em conversações com os locais onde foram cancelados os nossos shows. Os responsáveis desses espaços estão interessados e aguardamos novas oportunidades. Também planejarmos realizar concertos no futuro. Brevemente iremos lançar o clipe da música “Não Te Conheço”. É uma maneira de chamar a atenção, porque as pessoas gostam de estímulos visuais. Poderá ser igualmente uma forma de despertar mais interesse para o EP. Antes da pandemia eclodir começamos a trabalhar, no estúdio, quatro composições novas da Ana Lua. Infelizmente, passadas duas semanas, veio o surto e abandonamos o trabalho. Ainda não desenvolvemos esses temas devido ao fato de estarmos parados. Procuramos, agora, ter um agenciamento, porque é a componente fundamental para chegar ao público. É uma altura perigosa no que respeita às bandas novas. Aqueles que não forem persistentes acabam por desistir. Não existem shows e a única forma de obter alguma visibilidade é nas redes sociais.
Têm alguma mensagem para os leitores do Scream & Yell?
Gostamos bastante de artistas como Chico Buarque, Caetano Veloso, Tom Zé, Elis Regina e Maria Rita, mas também da Banda do Mar. Reconhecemos a influência da música brasileira no nosso trabalho e a Ana Lua inclusivamente trabalhou com o Leo Middea (um músico brasileiro radicado em Portugal). Visitem a nossa página e escutem as nossas músicas. Somos uma banda em crescimento. Temos muito potencial. Acho que se vão identificar um pouco conosco.
– Pedro Salgado (siga @woorman) é jornalista, reside em Lisboa e colabora com o Scream & Yell contando novidades da música de Portugal. Veja outras entrevistas de Pedro Salgado aqui.