entrevista por Leonardo Tissot
O Black Pistol Fire não é tão conhecido no Brasil, mas já está na estrada há quase uma década. Oficialmente formado em 2011 pelo guitarrista e vocalista Kevin McKeown e pelo baterista Eric Owen, o duo originário de Toronto (Canadá) e radicado em Austin, TX (EUA), já tem cinco álbuns lançados. Os músicos tocam juntos desde a adolescência, quando criaram o power trio The Shenanigans, em sua cidade natal. Na época, eles se tornaram mais famosos por combinarem de fazer tatuagens que, juntas, formariam o nome da banda. Depois de convencerem o baixista a entrar na onda (ele seria o “SHEN”), decidiram expulsá-lo do grupo.
Fortemente influenciados por artistas de blues e rock — Chuck Berry, Led Zeppelin e Muddy Waters estão entre os principais inspiradores da dupla —, o Black Pistol Fire lançou seu primeiro álbum, homônimo, em 2011. Com o passar dos anos, novos registros vieram, e embora a base garageira tenha se mantido, elementos mais pop passaram a fazer parte do cardápio oferecido pela banda.
Seu álbum mais recente, “Deadbeat Graffiti” (2017), ainda que soe energizado como o disco de estreia, não conta mais com o espírito juvenil da fase inicial da banda. Um tanto mais elaboradas, as canções soam como se o Black Pistol Fire desejasse ampliar seus horizontes e conquistar um público que normalmente não iria a um show de blues-rock a la White Stripes e The Black Keys (grupos aos quais são constantemente comparados).
Ao longo de 2019, uma nova fornada de músicas começou a ser lançada pela dupla nas plataformas digitais, mantendo o espírito do LP anterior. Com a pandemia, a banda acabou optando por aguardar um pouco mais para lançar um disco completo — intitulado “Look Alive”, informação passada em primeira mão para o Scream & Yell —, o que deve ocorrer no começo de 2021.
Com fama de bons de palco, Kevin e Eric também pretendem sair em turnê ano que vem, cheios de novas canções para mostrar — isso, é claro, se a pandemia deixar. E o Brasil pode entrar na rota do Black Pistol Fire. É o que nos contou o vocalista da banda na entrevista que você lê abaixo. No papo, McKeown também falou sobre gravar em casa, trabalhar com músicos convidados no novo disco, eleições dos Estados Unidos e Black Lives Matter.
Para começar, o que você tem feito nos últimos sete meses? Suponho que a banda tinha planos que foram deixados para depois em função da pandemia.
Pois é, deveríamos passar a maior parte deste ano na estrada. Acho que deveríamos estar na Europa agora, tocando em festivais. E também iríamos lançar nosso novo disco, mas tivemos que postergar. Então, na maior parte do ano fiquei em casa mesmo, o que acabou sendo bom, por estar perto da família. Fora isso, tenho trabalhado de casa, escrevendo e gravando, tentando tirar alguma vantagem desse período de forma criativa. Adoro estar na estrada e tocar para o público, mas tenho dificuldades para compor durante as turnês. Então, quando estou em casa, tento aproveitar isso ao máximo.
Conte um pouco pra gente sobre seu último lançamento, a canção “Hope In Hell” — o título tem muito a ver com o que está rolando no mundo agora, mas a verdade é que a faixa foi escrita bem antes de a pandemia começar, certo? Como vocês fizeram para gravá-la?
Essa faixa já foi escrita há quase dois anos, a partir de experiências pessoais e de ter que lidar com um período difícil, de decisões que eu precisava tomar, seus riscos e consequências. Mas ela acabou ficando guardada por um tempo. Não sabíamos se ela seria lançada ou incluída em um disco. Quando começamos a trabalhar no novo álbum, vimos que a canção definitivamente tinha a ver com o restante do material, tanto do ponto de vista temático quanto da vibe das demais faixas. Daí veio a pandemia e pensamos: “uau, essa música tem muito a ver com o que está rolando no mundo agora”.
Ouvi dizer que vocês planejam lançar o disco novo no inverno (na América do Norte, verão no Brasil). Como foram as gravações?
Temos planos de disponibilizar o álbum no começo do ano que vem. Estamos animados e a fim de lançá-lo já há algum tempo. Esse é o disco que levamos mais tempo para compor e gravar, então espero que ele mostre vários lados diferentes da banda e em que ponto estamos musicalmente.
Há algo de diferente ou inusitado que podemos esperar no novo disco, comparado aos seus lançamentos anteriores? Por exemplo, há músicos convidados, ou é apenas você e Eric tocando? Estão experimentando com novos estilos?
Bem, sim, todas as alternativas acima. Temos tocado muitos estilos e gêneros diferentes de música. Para esse disco, não quisemos nos restringir a gravar canções que só poderiam ser tocadas ao vivo por duas pessoas. Eu quis fazer o que era melhor para as composições. Tentei não fugir de instrumentações extras e arranjos maiores, se achasse que eram necessários. No que diz respeito a convidados, contamos com vocalistas de apoio em algumas faixas e guitarristas em uma ou duas músicas. Também tivemos um tecladista tocando órgão Hammond. Então, com certeza procuramos sair de nossa zona de conforto com esse álbum. Ele foi gravado em diversos estúdios diferentes, em Nashville e aqui em Austin. Além disso, já durante a pandemia, conseguimos complementar o disco com algumas faixas a mais, incluídas no último minuto, gravadas em casa mesmo. Foi a primeira vez que tive que fazer isso, trabalhar as canções de casa, sem ajuda do pessoal no estúdio.
Você pode revelar quem são alguns desses convidados ou é surpresa?
São amigos nossos aqui da cidade, não músicos em um nível de notoriedade que o público vá reconhecer. Eu quis muito colaborar com outras pessoas porque, quando você trabalha em dupla por tantos anos, é ótimo porque você desenvolve uma química muito forte musicalmente falando, mas às vezes você precisa deixar outras pessoas entrarem na sua panelinha para bagunçar as coisas um pouco, sabe? Para a gente ter certeza de que não estamos caindo em saídas fáceis e previsíveis com o processo criativo e de gravação. Eu realmente estava a fim de ir atrás disso, de ter alguém diferente tocando guitarra ou teclado numa faixa, e criar uma dinâmica diferente com o nosso som. Isso aconteceu em apenas algumas canções, mas definitivamente foi algo que trouxe vida nova a essas faixas.
O álbum já tem um título definido?
Sim, vai se chamar “Look Alive”. É engraçado, decidimos esse nome já há algum tempo, porque ele se relacionava muito comigo em um nível pessoal. Mas aí veio a pandemia e o título pareceu ser ainda mais apropriado. Todas essas questões relacionadas ao disco foram decididas antes da pandemia, e é estranho, porque tem muito a ver com o que está rolando no mundo agora. Mas é tudo uma grande coincidência, na verdade.
Vocês lançaram diversos singles no ano passado, como “Level”, “Black Halo”, “Pick Your Poison” e “Well Wasted”. Essas canções estarão no disco novo também?
Sim, algumas delas estarão no disco. A intenção de lançar os singles foi realmente ir compilando-as aos poucos, até formar um álbum. Mas teremos faixas ainda inéditas quando o LP completo sair.
O álbum foi produzido por Jacob Sciba, que já havia trabalhado com vocês em “Don’t Wake the Riot” (2016) e “Deadbeat Graffitti” (2017). Por que escolheram trabalhar com ele novamente?
Começamos a trabalhar com o Jacob em nosso quarto LP e também com outro grande amigo, o engenheiro de som e coprodutor Nick Joswick, que trabalha no 5th Street Studios, aqui em Austin. Trabalhamos com eles na maior parte do álbum, mas gravamos com outras pessoas também. Fomos a Nashville para trabalhar com Vance Powell — que já produziu The Dead Weather, The Raconteurs, Chris Stapleton e outros artistas que admiro. É um grande engenheiro e adorei trabalhar com ele. Então, foi muito variado. Quando você continua trabalhando com as mesmas pessoas, é por causa do relacionamento musical que constrói com elas. “Ah, eu sei o que você quer nesse vocal ou nesse som de guitarra”. Ou ainda porque eles te dizem: “ah, você já fez isso antes, vamos tentar ir numa direção diferente”. Gosto de contar com pessoas com quem eu tenha uma história, ou que me dê um toque quando estou sendo repetitivo ou seguindo um caminho que já trilhei anteriormente. Então, esse vai ser um álbum bem interessante, considerando quantas pessoas diferentes trabalharam nele. E é um disco especial para nós, estamos animados para lançá-lo logo.
Além de toda a questão sanitária com a qual estamos lidando agora, vocês também têm uma eleição chegando aos Estados Unidos. Sei que vocês são canadenses, mas gostaria de perguntar se, como banda, sentem a necessidade de se manifestar a respeito nas suas músicas ou de outra forma?
É algo complicado para a gente, porque somos canadenses e não podemos votar nos Estados Unidos. Vivemos em Austin, mas não podemos votar, então é frustrante, considerando que é onde moramos e que gostaríamos de ter nossa voz ouvida no que diz respeito à forma como o nosso país está sendo governado. Então, torna-se difícil para nós tentar falar sobre questões políticas do país quando não temos voz. Mas encorajamos todo mundo a votar, porque se você não o fizer, não poderá reclamar depois. Você não pode fazer a diferença se não se manifestar. Adoraríamos ter a oportunidade de votar. É um momento muito importante da história dos Estados Unidos e do mundo, com tudo o que está rolando agora. Então apenas tento encorajar as pessoas a votarem para que tenham sua voz ouvida.
Não sei se você ficou sabendo, mas em junho, o vocalista do Wilco, Jeff Tweedy, publicou uma declaração a respeito do movimento Black Lives Matter, propondo um programa que permitiria a compositores e músicos destinarem um percentual do lucro relacionado a seus direitos autorais para organizações que dão suporte a comunidades negras. De que forma você, como compositor, se sente a respeito de ações direcionadas ao suporte às comunidades e artistas afro-americanos?
Bem, essa é uma causa a respeito da qual eu, pessoalmente, tenho grande interesse. Tenho trabalhado e tentado encontrar formas de ajudar e contribuir com o movimento. Temos tentado atrair o máximo de atenção que podemos, usando as redes sociais como ferramenta para divulgar o assunto. Embora em uma escala muito menor do que Jeff Tweedy, tenho participado de algumas ações. Sou patrocinado pela Gibson e ganhei uma guitarra Les Paul deles, a qual tenho pintado à mão para ser usada como forma de levantar fundos em uma live que pretendemos fazer. Todas as doações serão revertidas para o movimento Black Lives Matter e trabalhadores da linha de frente da área da saúde que estejam atuando contra o COVID-19. São todas questões muito importantes para nós e temos tentado encontrar o melhor caminho para contribuir. É muito difícil fazer qualquer coisa durante a pandemia, seja nos juntarmos para ensaiar, fazer uma live ou ações para levantar fundos. Também sou pai de uma criança de dois anos, então, ficando em casa, às vezes os dias passam num piscar de olhos.
Sei como é isso…
(Risos) Então, estou sempre correndo atrás, tipo, “cara, estou fazendo tal coisa há dois meses e ainda tenho que fazer isso e aquilo”. Mas voltando à sua pergunta, tenho tentado contribuir conforme a minha disponibilidade. Acreditamos que essas questões e movimentos são extremamente importantes e são eles que vão disseminar uma mudança no mundo. Acho incrível o que Jeff Tweedy está fazendo e espero contribuir mais em breve.
Para terminar, sei que essa é uma pergunta difícil, mas quais seus planos para o futuro? Já estão pensando em sair em turnê e fazer outras coisas após a pandemia?
É difícil saber o que vai acontecer. Temos shows marcados para o ano que vem e esperamos poder sair em turnê. Mas não sei se vai rolar mesmo. Esperamos lançar o disco no começo do ano e adoraríamos cair na estrada e tocar para os fãs, ir para lugares em que nunca fomos antes. Mas agora estamos à mercê do que virá pela frente, inclusive na questão das casas de shows, que estão tendo dificuldades para se manter. E também temos que ver se as pessoas estarão dispostas a sair para ver shows novamente, levando em conta a forma como as coisas vão progredir. Neste momento, a única coisa que podemos fazer é permanecer em segurança e manter a sanidade, trabalhar em novas músicas em casa e, quando as coisas retornarem, teremos bastante material novo para apresentar.
Ótimo! Esperamos vê-los no Brasil assim que for seguro.
Eu também! Adoraria ir ao Brasil, com certeza está na nossa lista de desejos. Esperamos vê-los em breve.
– Leonardo Tissot (www.leonardotissot.com) é jornalista e produtor de conteúdo