por Otávio Augusto
Disponibilizado recentemente pela Netflix, o documentário “O Dilema das Redes” (“The Social Dilemma”, 2020) é uma excelente oportunidade para a reflexão sobre o impacto das redes sociais nas nossas vidas, bem como os problemas resultantes dessa realidade e o que queremos para o mundo no médio prazo. Com entrevistas de personagens que ajudaram a construir as mais famosas redes sociais, somos informados sobre o modo de funcionamento dessas plataformas, seus objetivos lucrativos e a falta de qualquer preocupação sobre os fatos atuais que escancaram a urgência de repensar, não só a tecnologia em si, mas o nosso modo de viver em sociedade como um todo.
O foco da narrativa, que mistura documentário e ficção, são as principais empresas oriundas do Vale do Silício: Google, Facebook, Youtube, Twiter, Instagram, Pinterest etc. Todas essas ferramentas nos são apresentadas como “gratuitas”, disponíveis nas lojas virtuais de aplicativos que você, e eu também, temos instalados em nossos smartphones. Essas empresas, que hoje são bilionárias, e são as mais poderosas de todo mundo, criaram uma novidade que o documentário joga bem na nossa cara: a mercadoria é a nossa atenção.
Sim, empresas que desenvolvem redes sociais de sucesso são sustentadas com publicidade, anunciantes que pagam milhões para ter a sua marca exposta na tela do seu celular. É aí que surge o papel dos desenvolvedores dos chamados algorítmos. Um dos entrevistados é Tristan Harris, especialista em ética da computação e ex funcionário de design no Google, que afirma que o papel dos chamados algoritmos das redes sociais é de uma “tecnologia persuasiva”, ou seja, manter as pessoas o maior tempo possível deslizando o dedo na tela e vendo postagens que foram selecionadas baseadas na sua interação. E conclui: “para sugar lucros e dados a partir das atividades delas”.
O usuário da rede social, assim como o usuário de drogas, se torna dependente daquela forma de prazer. Uma vez que esse objetivo é alcançado não tem volta, somos dependentes das redes. O documentário faz questão de levantar a comparação, pois, baseado nessa lógica, essas empresas conseguem fazer que a interação alucinada seja a fonte de lucros astronômicos e, para isso, não existem limites éticos, morais ou humanos para manter o usuário conectado. Afinal, quanto maior o número de curtidas, compartilhamentos e interações, maior é lucro final.
E é aqui que mora o problema, uma mentira se espalha muito mais rapidamente, e gera muito mais interações, mais dados e mais lucros, do que uma verdade. O resultado está diante de nós de forma trágica. Destaque para Steve Bannon, adepto de uma agenda ultra liberal, conservadora e violenta, e sua empresa Cambridge Analytica que tem realizado um papel político de destruição da democracia, através da disseminação de desinformação em massa no espaço das redes sociais para favorecer políticos.
A falsa sensação de autonomia criada pelas redes, e aproveitadas pela extrema direita, permitem ao “usuário” se sentir ativo, parte do projeto político que acredita. Isso fica evidente quando uma cena mostra um grupo de apoiadores do presidente do Brasil Jair Bolsonaro gritando “Facebook, Facebook!” na porta do palácio da alvorada, demonstrando apoio ao presidente que foi eleito com a ajuda de Bannon, e continua governando, mediante uma campanha massiva de desinformações de todo tipo.
Umas das soluções possíveis para o dilema é colocado por Jaron Lanier, que publicou o livro “Ten Arguments for Deleting Your Social Media Accounts Right Now”, ao afirmar que se mantivermos o ritmo que estamos hoje, em 20 anos estaremos em guerra civil por conta da quantidade absurda de desinformação sobre a realidade. A solução seria sair das redes, não participar dessa manipulação absurda.
Porém, a partir de diversos outros relatos de preocupação dos próprios criadores dessa tecnologia persuasiva e ex funcionários das grandes empresas, podemos perceber que o problema é mais profundo. Afinal, não é saindo das redes que vamos impedir a tragédia anunciada que estamos observando. É preciso dizer de forma clara e objetiva que a lógica mercadológica e lucrativa não possui nenhum traço de humanidade e está destruindo o planeta e o que as redes sociais escancararam e aceleraram é sua face real.
Por fim, o dilema das redes é o dilema da humanidade e já foi título de um livro provocativo do filósofo norte-americano Noam Chomsky publicado em 1999: o lucro ou as pessoas? O que você escolhe?
– Otávio Augusto é historiador e fã de cultura pop;
O grande senão do filme é não levantar a lebre que a própria Netflix faz o mesmo com seus algoritmos e também ao falar de Bolsonaro não aprofunda a mesma questão relacionada ao Trump.