por Marcelo Costa
Abrindo uma nova série com duas colaborativas da Japas Cervejaria, cigana que produz suas receitas na fábrica da Dádiva, em Várzea Paulista, interior de São Paulo. A primeira é a Super Sorachi, uma New England IPA feita em colaboração com os cariocas da Three Monkeys Beer que investe no poder do lúpulo Sorachi e nas adições peculiares de bifum (o macarrão oriental feito de arroz) e gergelim torrado. De coloração amarela turva, juicy tal qual um suco de caju, com creme branco espesso de ótima formação e retenção, a Super Sorachi apresenta um aroma frutado que tende a frutas amarelas (laranja lima em destaque), mas também abre espaço para uma sutil pegada herbal e para sugestões de semente de coentro e leve condimentação. Na boca, doçura frutada no primeiro toque (que me trouxe manga) abrindo para um conjunto frutado (reforço de laranja e presença de limão), herbal e levemente mais amargo do que uma NE tradicional (os 30 IBUs soam um pouco mais aqui, algo na casa dos 50). A textura fica no meio do caminho entre o leve e o suave e, dai pra frente, uma NE tortinha (bem a cara da Japas), amarguinha, frutada e bem interessante. No final, amargor e semente de coentro. No retrogosto, casca de limão, amargor batendo na garganta, e herbal sutil.
A segunda colab da Japas e com os gaúchos da Suricato, e trata-se de uma Fruited Berliner Weisse que leve o singelo nome de This Is Not A California Roll, uma brincadeira com o makizushi, um tipo de sushi criado nos EUA (e renegado por japoneses) que, tradicionalmente, contem principalmente pepino, kani kama e abacate. Para esta cerveja, então, a base foi feita de arroz e há adição de manga e pepino. De coloração amarela, turva como um suco, e com creme branco de boa formação e rápida dispersão, a This Is Not A California Roll apresenta um aroma com muito pepino em destaque, mas manga também bastante presente. É possível perceber leve acidez e sentir um azedinho na paleta aromática. Na boca, tudo isso se replica de maneira caprichada: pepino aparece no primeiro toque seguido de acidez média, manga, azedinho que remete a limão, um leve remissão a cereais e, então, acidez e azedume um pouco mais intensos – mas nada tanto assim. A textura é levemente frisante e, dai pra frente, o conjunto replica pepino, manga, azedinho e acidez de maneira sensacional. No final, notas agridoces com pepino predominando. No retrogosto, pepino, manga e azedinho. Uou!
A segunda paulista é a Trilha Cervejaria, com duas receitas produzidas no brewpub da casa, no bairro da Pompeia. A primeira é a Pils!, uma Pilsen produzida não filtrada, não pasteurizada, e com uma boa carga de lúpulos estadunidenses. De coloração dourada, translucida, com creme branco espesso de boa formação e média retenção, a Trilha Pils! apresenta um aroma que combina de maneira bastante suave notas florais, cítricas e herbais sobre uma base que remete a panificação e casca de pão francês. Na boca, bastante leveza e herbal sutil no primeiro toque abrindo para um conjunto que reforça o aroma com floral e frutado cítrico leves, mas facilmente perceptíveis, assim como as derivações da malteação, com notas de panificação se destacando. O amargor é baixinho, na casa dos 20 IBUs. Já a textura é leve. Dai pra frente, uma das melhores Pilsens do país, fresca, saborosa, na medida, sem exagerar e sem se esconder, proporcionando muito sabor e refrescancia. No final, leve herbal e sutil anis. No retrogosto, herbal discreto, cítrico leve e refrescancia. Que delicia.
A segunda da Trilha é a Breve Viagem, entregue para os associados do clube Ultrafresco no final do mês de julho. Trata-se de uma Juicy IPA produzida com os lúpulos El Dorado, Citra, Cascade e HBC472. De coloração amarela, turva, juicy tal qual um suco de laranja, a Trilha Breve Viagem exibe um aroma com sugestão suave de coco dividindo a paleta aromática com sugestão caprichada de frutas amarelas (manga, abacaxi, laranja) – mas o coco se sobressai levemente e ainda há um discreto toque herbal. Na boca, o primeiro toque é frutado levemente doce abrindo com sugestão de coco, leve herbal (hortelã), manga discreta e sorvete de creme, numa variação bem aproximada da outra cerveja do clube no mesmo mês, a Quartzo. O amargor também é baixo e a textura, suave com discreta picância. Dai pra frente, uma NE nível Trilha, caprichadíssima, ainda que soe uma variação mais comportada da Quartzo, com o lúpulo HBC472 fazendo aqui o que o Sabro faz lá. No final, frutadinho cítrico e leve picância. No retrogosto, coco, manga e picância.
Saindo do bairro da Pompeia, onde fica a Trilha, e indo para a vizinha Vila Ipojuca, onde fica a Avós Cervejaria Artesanal, que só faz cerveja lager, primeiramente com a Corn Pils, uma Pilsner com milho. “Em nossa humilde opinião, não é o milho que deixa a cerveja melhor ou pior, tem diversos fatores, e o respeito ao processo é um dos principais”, avisa a casa, que deixou essa Corn Pils mais de 50 dias no tanque. O resultado é uma cerveja dourada aparentemente não filtrada e levemente turva. O creme é branco e de média formação e retenção. No nariz, floral, cereais, frescor, doçura leve e um discreto cítrico. Na boca, doçura leve no primeiro toque seguida de carameladinho, cereais, floral e frescor. O amargor é baixinho, coisa de 20 IBUs, e a textura é levemente suave. Dai pra frente, uma Pilsen leve e bem saborosa, entregando refrescancia e frescor. No final, leve herbal. No retrogosto, doçura e cereais.
A segunda da Avós Cervejaria Artesanal é a primeira da nova série #sófazemoslagers da casa, uma Hopped Rye Lager com centeio na receita e que apresenta uma coloração dourada levemente âmbar e translucida com creme branco de boa formação e retenção. No nariz, frutado cítrico caprichado com leves notas de abacaxi, lichia e laranja além de um herbal sutil. Na boca, doçura de abacaxi no primeiro toque seguida de caramelado bastante suave, sugestão de pêssego na sequencia e leve amargor que bate os 25 IBUs delicadamente. A textura é leve e, dai em diante, surge uma cerveja refrescante, frutado, cítrica e levemente amarga, daquelas para se beber de caminhão pipa em dias quentes. No final, frutado (abacaxi) e amargor bem leve. No retrogosto, abacaxi, pêssego e leve herbal.
Da capital para Itupeva, casa da Startup Brewing, responsável pela linha UX, que retorna ao site com duas receitas de New England IPA. A primeira é a Bite&Below, feita com 70% de aveia e os lúpulos Simcoe, Ella e TNT. De bonita coloração amarela clara, turva e juicy tal qual um suco de caju, com creme branco de boa formação e retenção, a UX Bite&Below exibe um aroma com notas tropicais e leve, bem leve remissão a abacaxi e uva verde, numa pegada cítrica bastante sutil. Há percepção assertiva da aveia. Na boca, frutas tropicais no primeiro toque com leve aspereza picante na sequencia e as mesmas sugestões de uva verde e abacaxi com amargor bastante leve para os 50 IBUs informados pela casa. A textura é suave. Dai pra frente, uma NEIPA levemente diferenciada do que se vê normalmente por ai, numa combinação aromática e de paladar bem interessante. No final, uva verde e amargozinho. No retrogosto, uva verde. Curiosa.
A segunda da UX é outra New England IPA, desta vez uma Double, a terceira da série quarentine: Double Quarentine #2.5, que destaca o blend de lúpulos Columbus, Vic Secret, Polaris, Motueka, Citra, Mosaic e Simcoe adicionados em três momentos diferentes da fervura até o dryhop. De coloração amarela turva, juicy e um tiquinho mais escura do que o esperado, e creme branco de ótima formação e retenção, a UX Double Quarentine #2.5 apresenta um aroma deliciosamente cítrico, com sugestão de laranja (e casca), tangerina e, levemente, maracujá. Há um discreto resinoso no aroma e absolutamente nada dos 8% de álcool. Na boca, doçura frutada cítrica deliciosa no primeiro toque trazendo laranja e tangerina. Na sequencia, mais frutas tropicais, amargor médio, resina suave e nada de álcool. A textura é suave e, dai pra frente, uma Double New England IPA de muita responsa, que consegue dominar o álcool com muito frutado cítrico. Deliciosa. No final, laranja e tangerina, suaves. No retrogosto, mais frutas. Uou!
Mantendo-se ainda no interior de São Paulo, mas indo para Suzano, casa da Cervejaria Zev, um projeto iniciado pelos irmãos Mikhail e Dimitri Ganizev em 2010 e concluído como fábrica em 2017 e liberação do MAPA em 2018. A Zev marca presença com uma variação sazonal de sua Dry Stout, que aqui recebe adição de casca de tangerina. De coloração marrom escura intensa, quase preta, com creme bege claro espesso de média formação e retenção, a Zev Dry Stout com Casca de Tangerina apresenta um aroma que combina de maneira exemplar suaves notas de torra com presença assertiva de tangerina. Na boca, a sensação é de chocolate amargo com laranja no primeiro toque, com a torra marcando presença na sequencia, ainda com bastante presença de casca de tangerina, e o amargor de 30 IBUs pontual. A textura é leve e, dai pra frente, uma ótima Dry Stout alaranjada com a casca da tangerina. No final, amarguinho suave e tangerina, sensação que retorna levemente no retrogosto, saboroso. Curti.
A segunda da Zev é o primeiro rótulo da série Z, que pretende explorar “cervejas extremas e ousadas”, segundo a cervejaria. Para a estreia da série, uma Wild Sour que, após receber manga na primeira maturação, foi refermentada por um ano em barricas de carvalho com adição de muita carambola e levedura Brettanomyces. De coloração âmbar amarronzada com creme branco de baixa formação e nenhuma retenção, a Zev Wild Sour apresenta um aroma que remete bastante a chá mate, com leve presença de carambola e discreta sugestão de acidez – nada que remete a madeira nem a manga. Na boca, doçurinha de carambola no primeiro toque seguida de acidez suave e persistente, um metálico sutil que não deveria estar aqui, remissão a chá mate e nada de madeira, manga e nem dos 8.3% de álcool. A textura é leve com discreta frisância/ picância. Dai pra frente, uma Wild Sour interessante, ainda que estranha. Metálico e sugestão de mate confundem o bebedor, mas a carambola e a acidez leve conseguem compensar a falta de madeira (e de manga). No final, chá mate e acidez leve. No retrogosto, mais chá maté, acidez perseverante e carombola.
Do interior de volta para a capital, mais precisamente para o bairro de Santa Cecília, local que abriga o taproom da Dogma, ainda que a primeira das duas cervejas deles presentes aqui tenha sido feita (assim como as duas UX) na casa da Startup Brewing, em Itupeva. Trata-se da Dogma American IPA, uma West Coast IPA cuja receita utiliza os lúpulos Simcoe, Citra e Mosaic num triplo dry-hopping. De coloração alaranjada clara com creme branco majestoso, de ótima formação e longa retenção, a Dogma American IPA explode em frutas cítricas assim que a lata é aberta, deixando escapar sugestões intensa de maracujá sobre uma base levemente maltada. Na boca, suco de maracujá danado no primeiro toque seguido de leve doçura maltada, mais maracujá e amargor comportado (60 IBUs, mas pode dizer 40), mas presente. A textura é suave, meio meladinha, e picante. Dai pra frente, uma West Coast IPA de responsa, que deixa os 6.5% de álcool aparecerem mais do que deveriam quando a cerveja aquece, mas que, ainda assim, é uma baaaaita cerveja. No final, amargor respeitável (mantendo a percepção de 40 IBUs) e meladinho. No retrogosto, rastro de amargor e maracujá.
Fechando a série paulista com a Dogma Oud Gorm, versão envelhecida em barricas de Vinho do Porto da English Barley Wine colaborativa entre Dogma, De Molen e Kaapse Brouwers. De coloração marrom com creme bege ralinho, de baixa formação e nenhuma retenção, a Oud Gorm apresenta um aroma com muita doçura caramelada, sugestão de açúcar mascavo e melaço em destaque. Ainda é possível perceber sugestão de madeira, uva passa, nozes, uva e leve álcool. Na boca, a doçura prevalece no primeiro toque, e segue em frente em meio a melaço, caramelo e uva passa, mas presenciando, ainda, maior assertividade do álcool (9.4%), sugestão de ameixa e de Vinho do Porto. A textura é sedosa, quase licorosa, marcada pela presença de álcool, que incomoda levemente. Dai pra frente, uma boa English Barley Wine Port Barrel, extremamente adocicada, levemente amadeirada, com sugestão de Vinho do Porto, de ameixa e de uva passa. No final, ameixa e doçura. No retrogosto, calor alcoólico.
Japas & Three Monkeys Super Sorachi
– Produto: New England IPA
– Nacionalidade: São Paulo, SP
– Graduação alcoólica: 6.5%
– Nota: 3.60/5
Japas & Suricato This Is Not A California Roll
– Produto: Fruited Berliner Sour
– Nacionalidade: São Paulo, SP
– Graduação alcoólica: 4.3%
– Nota: 4.11/5
Trilha Pils!
– Produto: Pilsner
– Nacionalidade: São Paulo, SP
– Graduação alcoólica: 5.7%
– Nota: 4.10/5
Trilha Breve Viagem
– Produto: New England IPA
– Nacionalidade: São Paulo, SP
– Graduação alcoólica: 7%
– Nota: 4.01/5
Avós Véia Fresca Corn Pils
– Produto: Pilsner
– Nacionalidade: São Paulo, SP
– Graduação alcoólica: 4.8%
– Nota: 3.33/5
Avós Hopped Rye Lager
– Produto: Hop Lager
– Nacionalidade: São Paulo, SP
– Graduação alcoólica: 4.5%
– Nota: 3.40/5
UX Bite&Below
– Produto: New England IPA
– Nacionalidade: Itupeva, SP
– Graduação alcoólica: 5.2%
– Nota: 3.77/5
UX Double Quarantine #2.5
– Produto: Double New England IPA
– Nacionalidade: Itupeva, SP
– Graduação alcoólica: 8%
– Nota: 4.02/5
Zev Dry Stout com Casca de Tangerina
– Produto: Dry Stout
– Nacionalidade: Suzano, SP
– Graduação alcoólica: 4.1%
– Nota: 3.40/5
Zev Wild Sour
– Produto: Wild Ale
– Nacionalidade: Suzano, SP
– Graduação alcoólica: 8.3%
– Nota: 3.29/5
Dogma American IPA
– Produto: West Coast IPA
– Nacionalidade: São Paulo, SP
– Graduação alcoólica: 6.5%
– Nota: 3.81/5
Dogma Oud Gorm
– Produto: English Barley Wine BA
– Nacionalidade: São Paulo, SP
– Graduação alcoólica: 9.4%
– Nota: 3.62/5
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– Top 2001 Cervejas, por Marcelo Costa (aqui)
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