Texto por Daniel Abreu
Para os amantes do jazz, o nome de Chet Baker é uma referência no mundo da música. Nascido após o crash da Bolsa de Valores, em dezembro de 1929 no estado de Oklahoma, EUA, o pequeno Chesney teria uma vida marcada pela música e pelo consumo desenfreado de drogas. Considerado na década de 50 como um tipo de “resposta branca do jazz”, seu jeito melódico de tocar trompete, e a suavidade de sua voz, fizeram dele um símbolo do cool jazz da ensolarada Califórnia.
Apesar do talento único, as drogas teriam um papel extremamente importante em sua vida. Repetindo os mesmos passos de seus ídolos, como o saxofonista Charlie Parker e outros grandes nomes do jazz, Baker durante toda a sua vida foi mais “junky” do que o próprio William Burroughs em seu clássico de 1953.
Infelizmente, de certa forma “jovem”, Chet faleceu aos 58 anos, após cair do segundo andar de um hotel em Amsterdã. Até hoje os motivos da sua queda são dúbios: muitos acreditam que ele se matou, alguns acham que alguém o jogou da janela, outros suspeitam que ele caiu por acidente. De qualquer forma, Chet Baker é um dos grandes nomes do jazz, que influenciou gerações, inclusive a nossa turma da bossa nova.
Escrito pelo crítico James Gavin em 2002, o ótimo “No Fundo de um Sonho – A Longa Noite de Chet Baker” (“Deep In The Dream”) traça a vida de Baker desde o seu começo meteórico na música, até seu final trágico no final dos anos 80. Gavin pesquisou a vida do trompetista durante 10 anos, visitando diversas cidades pelas quais ele tocou, como Los Angeles e Roma, além de ter entrevistado diversos personagens que fizeram parte da vida do músico.
O livro, que ganhou edição nacional no ano de seu lançamento via Companhia das Letras com tradução de Roberto Muggiati, foca bastante na irregular carreira musical de Chet, desde a influência de “Birth of the Cool”, (álbum de 1957) de Miles Davis, em seu jeito de tocar trompete – “por mais lírico que soasse, o toque de Davis encrespava-se com uma corrente submarina de raiva, e Baker (…) se identificava com aquele estilo tão apaixonadamente que sentia ter encontrado a luz” – até o famoso episódio no qual ele conseguiu entrar para a banda de Charlie Parker bem no início da sua carreira – “a certa altura dos anos 60, ele começou a contar uma história fictícia sobre a sua ‘descoberta’ por Parker, uma história que ele relataria pelo resto da vida”.
Mas talvez o que o mais defina sua carreira no jazz foi seu jeito de cantar. Diferentemente de Louis Armstrong, que tinha uma voz de timbre alto, Baker tinha um tom frágil que implicava uma sensibilidade profunda, quase um sussurro, algo que na época chamava a atenção, principalmente do público feminino. “Imaginavam uma criança magoada que necessitava de um carinho materno, um demônio sedutor atraindo-as para alguma confusão, um sombrio profeta do fim dos tempos ou o último macho dotado de alma. Baker podia soar tão íntimo como se estivesse sussurrando no seu ouvido, ou tão distante que podia até nem ter estado ali”, conta Gavin no livro.
Outro fato importante na vida do músico, que muitas vezes ofuscou seu talento musical, foi seu consumo de narcóticos. Quando surgiu para o grande público nos anos 50, Chet Baker tinha tudo para bancar um modelo de comportamento. Garoto do interior, tinha servido o exército em duas ocasiões, era elegante no palco, tinha um nome no qual sugeria um atleta de futebol universitário, enfim, uma imagem americana limpa que tinha muito potencial para fazer sucesso. Porém seu vício em heroína o transformou em um zumbi nos anos sessenta e setenta.
No livro, o autor conta com uma riqueza de detalhes sobre esse processo de autodestruição de Baker. Um dos episódios mais famosos talvez seja aquele que ocorreu na Itália, levando à prisão do trompetista. “Era um dia quente e preguiçoso, daqueles que o faziam partir correndo para se jogar nas ondas de Laguna Beach”, conta Gavin. “No final daquela tarde, o distrito policial de Lucca recebeu uma chamada de emergência de um posto de gasolina da Shell em San Concordio, Lucca. O filho do dono informava que um homem se trancara no banheiro e não queria sair. Ouviam o estranho resmungar, mas ele não abria a porta e agora havia silêncio. Talvez estivesse morto, dizia preocupado o autor da chamada. Minutos depois, o policial Neri Gugliermino chegou ao posto da Shell. Bateu na porta do banheiro. Ela se abriu (…) Segurando uma seringa, a figura olhava como um zumbi, de pé diante de uma pia salpicada de sangue. Suas mangas estavam arregaçadas. As veias de seus braços pareciam ‘um fio negro’, notou o policial, e havia marcas avermelhadas de picadas por toda parte. O homem gaguejava incompreensivelmente, oscilando enquanto Gugliermino o levava para fora,” relata o autor no livro.
Em mais de 500 páginas, o crítico ainda conta outras histórias fascinantes de Baker, como aquela em que ele teve uma overdose no Brasil, sua breve parceria com João Donato, como foram as gravações dos discos clássicos, os duetos conturbados com Gerry Mulligan e Stan Getz, sua turbulenta vida amorosa e familiar, entre diversas mais.
Em “No Fundo de um Sonho”, talvez a definição do escritor francês Philip Adler chegue mais perto de definir o furacão Chet Baker. Ele diz: “Dos lábios feridos deste homem alquebrado, derrotado, esquelético, emerge, noite após noite, uma música sublime, luminosa e lírica. Da sua viagem às profundezas do inferno, Chet Baker ressuscitou, à luz do dia, os diamantes azuis do jazz, os vapores azuis do seu trompete”.
– Daniel Abreu é jornalista responsável pelo Geleia Mecânica e colaborador do Whiplash.
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