entrevista por João Paulo Barreto
É curioso tentar iniciar essa matéria sem apelar para a frase “Em tempos de confinamento…”, linha de abertura em tantos textos do jornalismo cultural nos últimos (quase) seis meses. Talvez seja pelo fato de não estar escrevendo acerca de saídas para tal confinamento dentro de opções de leitura, de filmes, de atividades físicas ou de trabalho para pessoas que têm a sorte de poder laborar em casa (para não usar o “inglesado” termo home office). Enfim, são opções de enxergar formas de conseguir passar pelas 24 horas do dia enquanto pessoas sãs mentalmente. Pessoas que podem ser consideradas conscientes da gravidade da situação pandêmica que muitos (o próprio “mandatário” da nação, inclusive) já pararam de encarar com a seriedade necessária. Aqui, a ideia não é trazer opções para ela, mas falar dessa realidade de clausura e como a mesma tem afetado seres humanos reclusos e, também, muitos daqueles que por necessidades urgentes e de sustento, precisam se arriscar em sair à rua. Na figura dessas várias pessoas que espelham muitos brasileiros e brasileiras está a atriz Denise Fraga, que encarna em um monólogo preciso nossas diversas angústias, preocupações, questionamentos (factuais e existenciais), além, também, de alguns poucos prazeres encontrados em uma rotina em casa de forma compulsória.
“Horas em Casa”, websérie semanal disponível no YouTube todos os sábados, foi idealizada por Denise, por seu parceiro profissional e de vida, o cineasta Luiz Villaça, bem como pelos roteiristas Rafael Gomes, Silvia Gomez e Cassia Conti, e traz a rotina não somente da atriz, mãe e dona de casa, Denise. Em sua maneira enérgica e de um carisma singular, enxergamos em Denise Fraga a presença de professores, de entregadores, de vizinhos, de filhas e filhos, de pais de adolescentes, dos próprios adolescentes, de jornalistas, de cientistas, enfim, de uma vasta gama de personagens encarnados pela atriz de maneira a trazer não somente a leveza e graça daquelas situações, mas de nos fazer refletir acerca dos muitos absurdos e tristezas com as quais nos deparamos durante os últimos meses.
A ideia original para a websérie vem da peça “Eu de Você”, que estreou em agosto do ano passado, mas teve sua turnê suspensa pela pandemia. Nela, os monólogos trazidos por Denise Fraga e dirigidos por Luiz Villaça já levavam ao público essa ideia de perceber o cotidiano como modo de reflexão. “Foi uma peça feita a partir de relatos reais que recebemos. Lá, o Luiz falava sempre para eu ter cuidado em não fazer muito o personagem. Para eu me deixar atravessar pela vivência da pessoa”, explica a atriz. Para a adaptação na proposta vista em “Horas em Casa”, a naturalidade do ambiente e da permanência da pessoa em sua residência salientou a proposta. “Essa ideia que parece ser (a personagem) do jeito que está, com a cara limpa, sem peruca, sem caracterização, eu acho que tem uma concepção nisso aí que é a de que eu sou todos. Eu, Denise, sou todos. Porque eu acho que cada um de nós é todo mundo. Essa ideia de que nós somos todas as vivências e há um pouco de nós em cada um que a gente encontra”, pontua a atriz.
Nessa entrevista ao Scream & Yell, o casal fala mais sobre essa maneira de levar reflexão, sensibilidade, mas, também, um pouco de sorrisos a tempos amargos e dolorosos. Confira!
A ideia para a websérie “Horas em Casa” surgiu nesse contexto de confinamento, mas a partir da peça “Eu de Você”, que chegou a estrear em agosto de 2019, mas teve suas apresentações suspensas devido a pandemia. Como foi adaptar a proposta do monólogo lá para essa atual abordagem?
Luiz Villaça: Estreamos a peça “Eu de Você” em agosto. Estávamos começando a viajar, e tivemos que parar. Devemos retomar um dia, a hora que puder. Foi a partir daí que a gente resolveu fazer a série. Ela é inspirada em coisas que a gente está vivendo e nas notícias que estamos tendo. A cada semana, a gente sente que deve caminhar por um lado. Ela (a série) é muito aberta. Por exemplo, na semana passada (N.E. Papo em 07/08), que a gente falou da questão pais, filhos e professores. Não tínhamos um dado concreto de um professor, mas fizemos um depoimento de um professor meio desesperado, que não consegue nem dar aula para os filhos dele em casa, mas tem que pensar em voltar às aulas presenciais na escola. O que é um drama, né?! É uma tragédia essa possibilidade. Na próxima semana, por exemplo, é uma semana que vem com uma ficção, mas com muitos dados da atualidade do que a gente está vivendo. Inclusive sobre chegar, infelizmente, nesse número lamentável de 100 mil mortes. (N.E. O Brasil alcançou essa marca oficialmente em 08/08). Você vai ver que a gente até compara, não no tamanho da tragédia, claro, mas comparamos o número de mortes que aconteceram em Hiroshima e Nagazaki. Nós estamos chegando lá, entendeu? Nós, Brasil, estamos chegando, infelizmente, nesses números por conta de uma doença que foi muito mal administrada. De uma forma absolutamente ineficaz. De uma forma política, o que é muito triste para o país todo. Então, toda hora que a gente pode, a gente vai interferindo. Tem até uma personagem que aparece em quase todos os episódios que é uma forma quase de um editorial que a gente tem do nosso pensamento.
De fato, essa abordagem calcada nos reais acontecimentos é perceptível nas situações que “Horas em Casa” aborda. E há esse equilíbrio entre as situações serem inseridas em um contexto mais direto, como foi o caso da morte de João Pedro, bem como com os dramas dos entregadores. Como funciona esse desenvolvimento com o time de roteiristas?
Luiz Villaça: Toda semana, nas nossas reuniões de roteiro, a gente opta por falar de alguma coisa que está nos gerando uma angústia, essa inquietude para todo mundo e que temos vontade de atacar. Acaba que a série se torna muito atual no sentido de que em cada episódio falamos de uma coisa que está acontecendo naquele momento. E, sim, quando existem fatos com nomes reais, como foi o caso do João Pedro, como foi o caso do entregador, como foi o caso da enfermeira, que a gente fez, também tentamos, de alguma forma, colocar essa sensação, essa atitude que está acontecendo aí todos os dias.
Assistindo aos diversos personagens interpretados pela Denise, em certo momento me veio a lembrança de “Jogo de Cena”, do Eduardo Coutinho.
Luiz Villaça: Sim, verdade. Coutinho será sempre uma referência. Nesse processo de adaptações de coisas reais, passamos também por um momento muito importante da nossa carreira que foi o “Retrato Falado” (quadro exibido no Fantástico), onde a gente contava histórias reais de uma outra forma. Eu acho que tem muito a ver, sim. Eu acho que tem essa mistura que a peça também gera, que você um dia vai poder assistir, se tudo correr bem. Ela gera essa possibilidade para a Denise. Você viajar entre a Denise, atriz, mulher, brasileira, e esses vários personagens, que são muito próximos. Porque, na verdade, todas as histórias que contamos, apesar de não serem reais, elas são inspiradas em coisas que a gente está vivendo no dia a dia. Nas nossas casas, que sabemos que está acontecendo nas ruas através dos jornais. Nas pessoas que precisam sair para trabalhar. Passam por isso e acabam relatando para a gente. É algo muito forte, sabe? De a gente quase não atuar. Casos raros, como um dos próximos que tem um professor a mais no tom, assim, de atuação. Mas, em geral, é para ter mesmo uma grande mistura.
Denise Fraga: Eu acho que tem uma coisa que temos buscado, até mesmo na peça que a gente fazia antes, a “Eu de Você”. Foi uma peça feita a partir de relatos reais, relatos que a gente recebeu. E o Luiz falava sempre para mim isso: “Cuidado para você não fazer muito o personagem. Para você se deixar atravessar pela vivência da pessoa”. Até essa ideia, que parece ser do jeito que está, com a cara limpa, sem peruca, sem caracterização. Mas eu acho que tem uma concepção nisso aí que é a de que eu sou todos. Eu, Denise, sou todos. Eu acho que cada um de nós é todo mundo. Essa ideia de que nós somos todas as vivências. E há um pouco de nós em cada um que a gente encontra. E aí vem essa história que a gente vinha falando, dessa coisa de você se colocar no lugar do outro. A peça “Eu de Você” tem muito essa ideia. Tem esse nome, pois é você se colocar no lugar do outro. Você se deixar atravessar pela vivência, por aquela experiência, mais do que tentar caricaturar ou compor um personagem. A gente se preocupa com isso. É um limite fino, né? Que é deixar se passar por aquela vivência. Basicamente, o que eu penso para fazer é: “E se fosse eu? E se eu estivesse atravessando isso?” Claro que eu tento dar essa diferença, um pouco de ritmo, mas eu não busco compor muitas vozes, falar muito diferente, fazer um trejeito exagerado nessa diferenciação. Porque eu acho que assim a gente fugiria da ideia de que tudo isso somos nós. E todos nós estamos passando por isso.
Há uma identificação do público com as diversas situações representadas pelos seus personagens. Principalmente pela reflexão em relação aos absurdos que nos vemos inseridos e que “Horas em Casa” traz de modo pontual. Absurdos como o modo irresponsável como o Brasil lidou (e vem lidando) com a pandemia.
Luiz Villaça: É um caminho que nos trabalhos que tivemos a chance de fazer juntos, eu e a Denise, a gente sempre teve essa luta de fazer sorrir, mas fazer se emocionar, também. De termos a leveza, mas ao mesmo tempo não deixar de aprofundar temas que são super importantes. Nesse sentido, a série caminha também por aí. Tem a comédia, momentos de humor, de leveza. E nós tivemos a questão do otimismo pelo o que virá. A delicadeza de perceber o lado, de se olhar, de perceber o outro. E ao mesmo tempo não fugir às verdades. Então, o programa ele tem, sim, uma postura bastante política. Episódios como o próximo (N.E. Episódio 10), é um que questiona tudo. Todos nós. O que a gente está fazendo, e não é só questionar os poderes e os governos como estão agindo. Mas a gente também. Chegou uma hora que a gente começou a questionar, “mas, fulano está fazendo isso? Mas eu tenho direito de julgar? Mas eu não vou fazer, porque eu acho que é um ato de amor eu ficar em casa. Tem que pensar não só na minha vida.” Eu acho que tentamos fazer o tempo inteiro foi um pouquinho essa média: fazer um programa que levasse as pessoas a refletirem, ao pensamento, a colocar questões que a gente acha absurdamente importantes e, ao mesmo tempo, não negar que é um programa de entretenimento. E que através desse entretenimento, podemos tocar as pessoas e fazer com que elas, ao acabarem de assistir, reflitam sobre elas mesmas. Sobre o que a gente está fazendo. Como que a gente está agindo nesse momento tão trágico da humanidade, e que, no Brasil, infelizmente, a gente tem uma lente de aumento por incompetência.
Denise Fraga: Recebemos um comentário do episódio sobre educação, sobre a volta às aulas. Uma moça escreveu assim: “Nossa, nesse eu fui mãe, professora e aluna”. Eu acho que tem muito isso. Mesmo os personagens diferentes, eles têm uma identificação às vezes com várias partes de nós. Acho que essa pandemia, esse isolamento, cada um na sua casa, estabeleceu as diferenças de uma maneira escancarada. As diferenças se escancaram. Parece que jogaram um contraste na humanidade, porque aparece como cada um lida diferente com o mesmo problema. As diferenças ficam muito visíveis, muito acentuadas. O programa partiu disso. Dessa inquietude da gente de pensar: mas e a pessoa que está em 70m² com crianças de sete e seis anos tendo aula pela internet? E quem está em um cômodo com sete pessoas? É a gente ir se colocando nas diversas situações.
Assisti a todos os episódios de “Horas em Casa” e foi certeira essa identificação com as situações que as personagens trazem. Identificação e uma sensação de achar naquilo um pouco de leveza para se tornar esperança, para curar a angústia. E isso foi uma sensação boa.
Denise Fraga: Se há coisa de que gostamos é de tratar o cotidiano com leveza. Quando a gente ouve algo sobre as várias peças que fizemos, filmes que fizemos por esse lugar que transitamos, e agora sobre “Horas em Casa”, o comentário que eu mais gosto de ouvir sobre esses trabalhos é: “Nossa, eu não sabia se eu ria ou se eu chorava.” Eu adoro esse lugar que é esse fio fininho que fica entre a comédia e o drama; o humor e a emoção; uma pessoa que está com lágrima no olho, mas dá uma gargalhada e vice-versa. Uma pessoa que está rindo, e dá aquela risadinha interrompida. Eu falo que é a risada pior que há. No teatro, a gente escuta muito isso. Aquela risada interrompida. E a pessoa que ri se reconhece no meio e fala: “Pior que é. A gente faz isso. A gente é assim”. Eu acho que essa é arte como reconhecimento, nós através do humor, da leveza, da ironia, da emoção. É você conseguir fazer esse espelho crítico, conseguir se olhar e falar: “Olha só o que a gente está fazendo da nossa vida? Será que não pode ser diferente? Como pode ser diferente?” Eu fico muito feliz em ouvir você falar que lhe dá uma sensação boa. Porque, às vezes, eu fico pensando: “Poxa, no meio disso tudo, a gente ainda dá uma sensação ruim para as pessoas?” Já são tempos tão difíceis. Mas acho que tanto para nós, que estamos fazendo o “Horas em Casa”, como para quem vê, pelos comentários que temos recebido, acho que tem sido salvador. E o que acho bonito nessa hora é que esse programa surgiu também pela nossa angústia. A gente está fazendo um programa, também, para a gente se salvar. E, com ele, conseguimos compartilhar essa tábua de salvação com bastante gente. Fico feliz com isso.
Luiz Villaça: Um dos episódios que fizemos representou a razão do programa existir. Foi sobre “A Hora é Agora”, sobre ser esse o momento de você retomar relações, de você falar alguma coisa que você deixou de falar. E a Denise recebeu de uma amiga uma mensagem falando sobre uma história que ela tinha contado para a Denise há três anos. Era sobre como ela tinha rompido com a melhor amiga dela e estava se sentindo muito mal com isso. Elas não se falavam há três anos. Ela mandou uma mensagem para a Denise dizendo: “Denise, obrigado. Eu liguei para ela”. E nisso ela passou todo o diálogo que teve com essa amiga e a retomada da amizade. Então, isso, por si só, já vale ter feito a série. Às vezes, é um ato que já vale a série. E ao mesmo tempo, como a Denise estava falando, o programa que vem nesse sábado (N.E. Dia 08/08), é um que nasceu de uma coisa que a Denise me pergunta todos os dias. Porque todos os dias ela vira e fala assim: “Eu estou louca? Está acontecendo isso porque eu estou louca?” Ou então, “Fulano fez uma festa. Eu estou louca?” E daí essa coisa que todo mundo está sentindo: “Será que eu que estou louco? Está acontecendo mesmo isso?” Já gerou também um novo programa. Então, eu acho que são vivências nossas que são coincidentes com todo mundo. E que vamos vai tentando, de alguma forma, colocar naqueles dez minutinhos ai que a gente produz.
Denise, diante de tantos personagens que você interpreta a cada episódio, há algum pelo qual você tenha tido maior identificação?
Denise Fraga: Eu acho que eu sou um pout-pourri de todos os personagens. Em vários pontos eu me identifico. Mas, nesse programa do dia 08 de agosto, o Rafael escreveu uma coisa muito boa que se chama “engarrafamento cerebral”. E temos um especialista em engarrafamento cerebral, que é essa situação em que a gente está, na qual são vários estímulos que recebemos sem sair do lugar. Esse especialista dá um exemplo que é como se a cabeça dele estivesse em uma esteira ergométrica. Que ela não sai do lugar, mas a vida continua. É inspirada em uma personagem que fiz na peça “Eu de Você”. Veio de uma carta que recebemos de uma mulher que trabalha muito, e tem a vida em alta voltagem, prestes a um blecaute. Então, fizemos uma homenagem a ela, a essa pessoa que está com esse pensamento de perceber como é louco que a nossa vida foi se adaptando à quarentena, mas a alta voltagem continua. Com o número de coisas que a gente está fazendo pela internet, o número de mensagens que a gente tem de responder. Na primeira semana, parecia que tudo ia parar, mas a gente não para. Essa máquina 110v ligada no 220v que nós viramos há muito tempo a serviço das tecnologias. Mas é como se nós estivéssemos a serviço dela e não o contrário. Como se nós estivéssemos mais sendo usados do que a usando. E a gente, na quarentena, com tanto estímulo diferente, contraditórios muitas vezes, chega a esse atordoamento que me faz me perguntar se a louca sou eu, quando nós estamos tentando manter a saúde, se isolar, e as pessoas convidando para um chá de bebê.
Sim. Lembro-me de, em fevereiro e março, quando morriam 800 pessoas por dia na Itália, essa notícia chegou aqui com um choque imenso. Hoje, temos 1200 pessoas em média morrendo por dia aqui, e a preocupação do governo é em reabrir comércio.
Luiz Villaça: Esse é (foi) o nosso programa do sábado, dia 08. E você sabe que, hoje, está acontecendo uma coisa muito curiosa. Se você escutar hoje às notícias, todo mundo está noticiando que são as 300 mortes em Beirute (N.E. – Villaça se refere à explosão no porto de Beirute, no Líbano), e agora que acabou de cair um avião na Índia com vitimas e quando você escuta que morreram 300 pessoas em Beirute e mais em uma queda de avião, isso é muito! E a gente aqui com 1200 por dia, e as pessoas lidando como se fosse uma tabela de campeonato. “Hoje foram quantas? 1200? Ah, vamos chegar a 100 mil no sábado”. Quer dizer, é uma loucura o que a gente está vivendo e é um loucura que tenhamos no governo pessoas que estão achando que está tudo bem, que é isso aí. “Retomem à vida e vamos ser campeões de morte”.
Sobre a parte técnica da série, como funciona o processo de construção desde a ideia do roteiro, passando pela mesa de discussões, gravações, montagem, som, como se dá esse desenvolvimento?
Luiz Villaça: Fazemos uma reunião semanal com roteiristas, quando discutimos o que virá e lemos o que vai ser na semana que a gente vai gravar. Temos uma equipe de autores que é capitaneada pelo Rafael Gomes, e tem a Cassia (Conti) e a Silvia (Gomez). Discutimos o tema que vamos desenvolver e lemos o roteiro daquela semana para entendermos se está tudo certo. A partir do momento que a gente tem o roteiro, gravamos tudo em casa. Uma equipe bem grande, eu, a Denise e o meu filho, Pedro (risos). O Pedro se forma em Cinema daqui a seis meses. O figurino é feito pela Denise, a maquiagem também. A direção de arte sou eu. O Pedro fotografa, todo mundo dirige junto, e a gente faz a coisa acontecer em dois dias de gravação. Esse material é enviado todo via drive, pela internet, para o nosso montador, o Marcola Marinho. Afinamos online o processo. Depois tem o tratamento de som. E a partir daí, o projeto está fechado naquela semana. Em termos de captação, a gente usa uma câmera semiprofissional. É um projeto bastante amador no sentido de amar o que estamos fazendo. A nossa luz é a luz de abajur, e o nosso som é rezando para nenhum cachorro latir, por que é o microfone da câmera. Latiu algum cachorro, tem que fazer de novo. Fazemos de uma forma muito simples. Isso foi uma coisa que foi um desejo e uma vontade de brincar com o simples. Por isso é sempre só um figurino. Por isso a Denise não tem maquiagem. E é muito legal a gente perceber isso. A gente chegou a fazer um filme que rolava na janela de um prédio, claramente janelas de uma casa, e as pessoas embarcaram (N.E. “De Onde Eu Te Vejo”, filme de 2016). Quer dizer, o que vale, mais do que tudo, é um bom texto e uma atriz como a Denise.
Denise Fraga: Uma coisa bonita que está acontecendo é que a gente grava na nossa casa. Já vamos agora para o episódio número 10, e como essas vidas dessas pessoas vão povoando a nossa casa. Outro dia, fomos gravar em um canto da casa, e o Luiz falou, “mas aqui já é a Márcia” (risos). Na verdade, a casa é a nossa e a gente não tem tanto espaço, então acaba repetindo. Não temos tantos quartos, a gente vai fazer o quarto de todo mundo no mesmo, quase. “Mas aqui já foi não sei quem…”. E engraçado que os cantos de nossa casa foram ficando com o nome de personagens. “Aqui foi o quarto daquela que achava que estava morta”; “Aqui é o quarto da Márcia.”; “Aqui foi o Cláudio.”. “A jornalista já tem um lugar fixo na nossa casa”. É engraçado porque eu fico vendo em cima daquela ideia que eu falei no início, do (espetáculo teatral) “Eu de Você”. Como essas vivências vão entrando na nossa quarentena, também. E essas pessoas todas. Teve um episódio que eu gostei muito que foi o que abordamos a ansiedade, que tinha o personagem com o saco de pão na mão, paralisado. Toda vez que eu estou na bancada, cozinhando, eu penso nele. Estou lá cortando cebola, e lembro. Eu penso que é a mesma bancada onde eu cortei cebola para aquele que se demitiu. Essas vivências todas vão se misturando com a nossa vida real.
– João Paulo Barreto é jornalista, crítico de cinema e curador do Festival Panorama Internacional Coisa de Cinema. Membro da Abraccine, colabora para o Jornal A Tarde e assina o blog Película Virtual.